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Prefácio à edição brasileira do livro O que o governo fez com o nosso dinheiro? de Murray N. Rothbard]A
diversidade de temas tratados por Murray Rothbard ao longo de sua vida é
realmente notável. Versando sobre economia, filosofia política, história,
teoria monetária e bancária e crítica literária, Rothbard produziu obras monumentais.
De tratados a livros, ensaios, artigos em revistas acadêmicas e em jornais
renomados, sua produtividade no decorrer de toda a sua carreira é digna de
admiração — independentemente de afinidades intelectuais.
Sua
prosa direta, objetiva, clara e sempre instigante cativa leitores há décadas e
faz com que suas obras propiciem uma leitura verdadeiramente prazerosa — sem
jamais cair na superficialidade, apesar da linguagem simples e precisa. A
presente obra é um excelente exemplo do primor de Rothbard.
A
verdade é que ler Murray Rothbard é uma transformação intelectual; você nunca
mais será o mesmo. Foi assim comigo e, provavelmente, será assim com você
também.
Concluí
minha primeira leitura da edição inglesa de "O que o governo fez com o
nosso dinheiro?" em meados de 2008, em plena crise financeira mundial.
Naquele momento, pouco conhecia sobre economia, muito menos sobre a chamada
Escola Austríaca de economia. Mas os argumentos, a lógica, a linha de
raciocínio cristalina e a contundência de suas palavras me pareceram
simplesmente surpreendentes e arrebatadoras. Ao final da leitura, tive a clara
sensação de que finalmente entendia a economia, de que finalmente entendia como
o mundo funcionava. Era a peça que faltava no quebra-cabeça.
Entender
a natureza do dinheiro é fundamental para qualquer economista — e é
surpreendente o fato de que muitas faculdades no mundo sequer tratam do assunto
de forma estruturada, quanto mais o estudam com profundidade. Mas não são
somente economistas que precisam compreender o dinheiro. Em realidade, todos os
indivíduos deveriam ter um mínimo de conhecimento do que é, como surgiu e para
que ele serve. Afinal de contas, todos nós o usamos e trabalhamos diariamente
para obtê-lo. Sem dúvida alguma, tanto economistas quanto leigos serão beneficiados
pela leitura da presente obra.
O
livro está dividido em quatro partes. Na primeira, Rothbard trata de explicar o
surgimento do dinheiro em uma sociedade livre, demonstrando como o livre
intercâmbio de mercadorias entre indivíduos faz com que um produto emerja como
o mais líquido, tornando-se, por fim, o meio de troca universalmente aceito.
Ou, simplesmente, o dinheiro. O autor prossegue destacando a evolução do
dinheiro, suas propriedades, indo até o surgimento do serviço bancário e os
efeitos não intencionados oriundos da violação de práticas prudentes por parte
dos banqueiros.
A
segunda parte lida com os efeitos da interferência governamental no âmbito
monetário e bancário. Com muita destreza, Rothbard revela a enorme tentação da
qual os governos sofrem de se apropriarem do dinheiro, monopolizando e/ou
controlando sua produção para benefício próprio. Expondo todas as facetas das
consequências da intervenção estatal, Rothbard desmascara a nociva política de
inflação da moeda e seus efeitos sobre os preços dos bens e serviços. Ou, dito
de outra forma, como a inflação destrói o poder de compra da moeda.
Aos
leitores brasileiros, escaldados por décadas de índices de inflação de dois
dígitos ou, em certos períodos, de hiperinflação, a segunda parte será muito
importante e merece especial atenção. Muitos leitores, talvez, pela primeira
vez entenderão o real significado de inflação. Entenderão como ela é resultado
de políticas públicas, e não da ganância de empresários maldosos. Entenderão
como a lei de oferta e demanda se aplica igualmente à moeda, percebendo que,
quanto mais o governo a emite, menor será o seu valor unitário. Em suma,
entenderão que as diversas explicações dos economistas dadas à saga
inflacionária brasileira carecem de fundamento. Não há inflação de demanda,
tampouco de custos. Não há por que se preocupar com a tal da inércia
inflacionária, nem mesmo com o fenômeno da indexação. Basta entender que
inflação é o aumento da quantidade de moeda em circulação. Simples
assim.[1]
Ainda
nessa parte, Rothbard analisa o surgimento — ou a criação — dos bancos
centrais e como eles foram frutos diretos de sucessivas intervenções e
privilégios legais concedidos pelos governos à prática bancária. Ao leitor,
tornar-se-á evidente a relação simbiótica entre os governos e o sistema
bancário. Antes de ingressar na terceira parte, Rothbard elucida os perniciosos
efeitos de uma moeda totalmente fiduciária, isto é, sem nenhum vínculo com o dinheiro
mercadoria além do puro decreto governamental.
Estabelecido
o marco teórico na esfera monetária e bancária nas primeiras partes da obra,
Rothbard encarrega-se, então, de examinar a história monetária do Ocidente nos
últimos dois séculos, dividindo-a em nove fases distintas. Na terceira parte,
portanto, o autor discorre sobre a evolução da ordem monetária, apontando as
diversas falhas e debilidades de cada sistema experimentado durante esse
período e identificando as causas do eventual colapso de cada uma das fases.
Talvez
o único ponto fraco desta obra jaza na prematura morte de Murray Rothbard no
ano de 1995, o que o impediu de continuar seu estudo acerca do colapso
monetário do Ocidente até os dias atuais. Dessa forma, a análise de Rothbard
estende-se somente até meados de década de 70, deixando de fora, assim,
períodos importantes da ordem monetária ocidental.
Mas,
em virtude do turbilhão de acontecimentos dos últimos anos, com especial
destaque à crise financeira de 2008, não poderíamos deixar essa enorme lacuna
histórica sem ser devidamente analisada. Por isso, temos, na quarta e última
parte, uma contribuição de minha autoria, em que procuro completar a obra
exatamente onde ela parou. Dando continuidade às fases identificadas por
Rothbard, prossigo a analisar o desenrolar do colapso monetário nas décadas
seguintes, culminando na grande crise de 2008 e nas medidas extremas e sem
precedentes adotadas pelos principais governos e bancos centrais do mundo.
Ao
final da obra, o leitor estará munido de um arsenal teórico potente, com pleno
conhecimento acerca dos fenômenos monetários e bancários e capaz de discutir
com e questionar qualquer economista ou banqueiro central. Ademais, estará
imune às explicações estapafúrdias sobre a inflação e suas consequências
perversas na economia. E, como complemento, perceberá que a atual crise
econômica nada tem a ver com o capitalismo, e sim, na verdade, com o socialismo
aplicado ao âmbito monetário. Concluirá, assim, que o livre mercado pode funcionar
tão bem para a produção de dinheiro quanto de qualquer outro bem.
Portanto,
é com enorme prazer que convido você, leitor, a aproveitar cada página desta
magnífica obra de Murray Rothbard, publicada pela primeira vez em língua portuguesa
pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil, com a sempre formidável tradução de
Leandro Roque, editor do website.
Boa
leitura!
Fernando
Ulrich
Porto
Alegre, julho de 2013.
[1] O
falecido senador Roberto Campos costumava enfatizar bastante esse ponto,
afirmando que "o entendimento de que inflação é o aumento da emissão de
moeda leva a conclusões fundamentais. Porque se entendemos que inflação é o
aumento de preços, então o culpado é o empresário, pois é ele quem aumenta os
preços. Mas se entendemos que inflação é o aumento da quantidade de dinheiro em
circulação, aí o culpado é o governo e a coisa muda completamente de
figura". É uma pena que os Fiscais do Sarney jamais entenderam essa
constatação.