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Economia

Bitcoin: objeções e mais objeções (Parte 3)

29/04/2013

Bitcoin: objeções e mais objeções (Parte 3)

Sei que muitos já estão se perguntando se devem ou não comprar bitcoins, ou se o preço está alto ou se há mais espaço para quedas abruptas. Sem dúvida alguma, são questões pertinentes. Mas não podemos responder essas perguntas sem antes entendermos os motivos pelos quais muitos nem sequer consideram a moeda digital como uma opção, rejeitando-a solenemente.

Como não poderia ser diferente, algo novo e sem precedentes gera inúmeras dúvidas, resistências e todo tipo de objeção. Alguns questionamentos merecem uma resposta mais elaborada, outros podem ser rapidamente descartados. Estes, relegaremos às notas de rodapé.[1] Trataremos aqui das objeções complexas e frequentemente levantadas pelos críticos do Bitcoin, buscando demonstrar que estas carecem de fundamento por não compreenderem a essência da moeda digital.

Deflação

Para diversos economistas, uma grande desvantagem da moeda digital é a deflação que o Bitcoin geraria. Em primeiro lugar, é preciso definir os termos. Na acepção correta da palavra, deflação significa uma contração da base monetária. Ora, isso é tecnicamente impossível. A quantidade máxima de bitcoins que podem ser minerados é de 21 milhões. Mineradas todas as unidades monetárias, não há possibilidade de a base monetária diminuir ou contrair. O que pode acontecer é usuários perderem suas senhas e jamais poderem usar suas carteiras novamente, o que os impossibilita de acessar suas contas e transacionar.

Mesmo nesse caso, os bitcoins não seriam destruídos, apenas não mais seriam utilizados. A consequência, por ficarem "fora" de circulação, seria um aumento no poder de compra do restante de bitcoins existentes. Entretanto, costuma-se associar o termo deflação a uma queda dos preços. Infelizmente, redução de preços supõe um problema para a maioria dos economistas. À população, isso significa que seu poder de compra aumentou. Uma moeda que se aprecia ao longo do tempo com certeza não representa nenhuma ameaça à saúde de uma economia (quem quiser saber mais sobre o assunto leia este artigo).

Hyperdeflation.png

Hiperdeflação! Fonte: The Economist

 

Eletricidade e internet não são o problema, são a alternativa

E quanto à dependência da eletricidade e da internet? Não seria uma enorme desvantagem ao projeto Bitcoin? Como tratamos no artigo anterior, essa não é uma característica unicamente restrita ao Bitcoin, já vivemos nessa dependência. É impensável que nossa economia globalizada e interconectada -- bem como o sistema bancário – possa seguir inabalada na falta de energia elétrica e internet. Nesse sentido, e já endereçando outra crítica usual, acho pouco provável que governos tentassem "derrubar" a internet com o objetivo de obstruir a rede Bitcoin. Aliás, considerando que governo nenhum até hoje logrou conter nenhuma rede BitTorrent, não me parece plausível esperar que conseguiriam causar danos irreparáveis ao maior projeto de computação distribuída do mundo (sim, Bitcoin já ultrapassou o projeto SETI, Search for Extra Terrestrial Intelligence).

Outros céticos argumentam que a rede poderia ser hackeada, corrompendo o algoritmo, alterando saldos em carteira e roubando ou falsificando bitcoins. Essa preocupação deriva, frequentemente, daquela indiferença que impede as pessoas de estudar a fundo um assunto novo e desconhecido -- como eu, algumas semanas atrás. Antes de qualquer coisa, é preciso enfatizar dois inerentes atributos da rede Bitcoin: a total abertura e transparência do sistema. Ainda que o Bitcoin tenha sido criado por um indivíduo (ou grupo de indivíduos) com certos parâmetros e regras de funcionamento, o código fonte é completamente aberto a qualquer um que queira verificá-lo, monitorá-lo e aprimorá-lo (com o consenso de toda a comunidade).  Qualquer pessoa pode acompanhar em tempo real as transações recentes, a quantidade total de bitcoins minerados, etc.

Bitcoins-em-circulação.png

Fonte: blockchain.info

Estaríamos sugerindo que a rede Bitcoin é à prova de falhas? É lógico que não. O Bitcoin não é perfeito e é pouco provável que não sofra alguns solavancos ao longo do seu desenvolvimento e à medida que o seu uso seja ampliado. Ainda assim, é preciso destacar que não há registro algum de ataques à cadeia de blocos do sistema (blockchain). Sim, é verdade que alguns sites de casas de câmbio, por exemplo, foram hackeados e tiveram problemas de operação, mas isso não quer dizer que a "moeda bitcoin" esteve sob ataque.[2]

Mas para efeitos deste artigo, prefiro direcionar o debate a uma questão conceitual a provar a superioridade tecnológica e maior segurança do sistema de forma objetiva -- isso requereria especialistas em segurança computacional e/ou criptógrafos. O problema crucial é qual é a alternativa. Dependermos de um dinheiro cuja emissão se dá de forma monopolística pelo estado, cujo órgão central decide unilateralmente qual deve ser seu valor em reuniões restritas a um punhado de burocratas? Em que um emaranhado de instituições financeiras e provedores de serviços é regulado e monitorado por esse mesmo órgão central, por meio de decisões frequentemente arbitrárias e contra os interesses da população?

Os austríacos certamente contestariam. O que precisamos é, na verdade, de um dinheiro privado, de liberdade total na escolha da moeda, diriam eles. Concordo plenamente. Mas como atingir esse objetivo? Como convencer o estado a abrir mão de um sistema monetário e bancário cujo maior beneficiado é o próprio estado? Vou mais longe: admitindo que o objetivo seja logrado, como garantir que o estado não subverterá novamente o sistema -- como o fez ao longo de toda a história? Esticando ainda mais o raciocínio, assumamos um mundo ideal dos libertários, em que não há estado; como garantir que bancos ou instituições meramente depositárias não incorrerão nas chamadas reservas fracionárias (RF) -- sendo que nem mesmo entre os austríacos há consenso se as RF devam ser coibidas e se representam um perigo à economia? Como garantir um coeficiente de 100% de reservas na ausência do aparato estatal? Qual agência ou entidade o asseguraria? Nem mesmo Murray N. Rothbard respondeu essa última questão (retomarei a esse assunto na última parte da série Bitcoin).

O ponto central, implícito e comum a todas essas alternativas listadas, é que em todas elas dependemos de um terceiro, de um middleman. É justamente aí que reside uma das forças do Bitcoin, pois ele prescinde do intermediário em uma transação (além da própria rede Bitcoin, é claro). Ademais, o que é preferível? Um sistema monetário e bancário controlado e monitorado por poucas pessoas e entidades, ou um totalmente aberto, controlado e monitorado por qualquer interessado em qualquer parte do globo?

Bitcoins, Litecoins, Ripple, etc.

Tratemos agora de algumas das objeções mais complexas, especialmente aquelas lançadas por economistas e investidores com formidável domínio de teoria monetária. Doug Casey, por exemplo, alega que uma das ameaças ao Bitcoin é que não há barreiras de entradas; dessa forma, qualquer um poderia lançar sua própria moeda digital no mercado. Acabaríamos tendo, assim, diversas moedas digitais, o que inviabilizaria que uma preponderasse e viesse a tornar-se um meio de troca universalmente aceito.

Em tese, esse não é um problema exclusivo do Bitcoin. Em qualquer ambiente em que prevaleça a liberdade de escolha de moeda, qualquer um pode competir. No entanto, nessa competição, aquele meio de troca que tenha mais êxito em reduzir os custos de transação tende a sobressair-se como o mais utilizado pelos participantes. Com relação ao Bitcoin, por ter sido a primeira moeda digital, ele goza do privilégio do chamado "efeito de rede" (network effect). Dentro do universo de moedas digitais, Bitcoin já é a mais utilizada e com mais aderentes, portanto, ainda que uma nova moeda possa superá-la em qualidade tecnológica, a barreira de convencer usuários de Bitcoin a trocar para um concorrente é bastante grande.

Converter bitcoins em dólar, eis a questão

Shostak alega que "Bitcoin só funciona enquanto os indivíduos souberem que podem convertê-lo em moeda fiduciária". A priori, não podemos determinar se isso é verdade. Essa conclusão de Shostak deriva da falaciosa ideia de que o Bitcoin é nada menos que uma "nova forma de empregar a moeda fiduciária existente". Mas se entendemos que a moeda digital é dinheiro coisa, dinheiro de fato, perceberemos que os usuários, em realidade, podem utilizar bitcoins não com o intuito de usá-los como uma mera ferramenta de meio de pagamento, mas sim para fugir (ou liberar-se) do sistema de moeda fiduciária.

Uma vez "dentro" da rede Bitcoin, o objetivo é não ter que "voltar" às moedas locais. Sim, no momento ainda não estamos nesse estágio de evolução da rede (por causa da baixa liquidez e aceitação), mas à medida que se amplia a aceitação, não será sequer necessário fazer uso das moedas fiduciárias. Uma vez que ambos os produtores e consumidores aceitarão receber e pagar em bitcoins, por que convertê-los em uma moeda fiduciária que perde poder de compra constantemente?[3]

"Mas Bitcoin não tem valor intrínseco!"

A mais frequente objeção, no entanto, é outra. E, segundo aqueles que recorrem a ela, é a questão básica e fundamental: Bitcoin não tem valor intrínseco, ele não é uma "coisa". É uma unidade de uma moeda virtual não material. Não tem nenhuma condição ou formato físico e, portanto, é descabida a noção de que possa algum dia substituir a moeda fiduciária. Esse é o núcleo do argumento de tais céticos.

O que lhes parece escapar, contudo, é que não existe valor intrínseco, existem propriedades intrínsecas (químicas e físicas). Valor é subjetivo e está na mente de cada indivíduo. "Bitcoin é o ouro digital", defende Jon Matonis, conselheiro da Fundação Bitcoin, "mas em vez de depender de propriedades químicas, ele depende de propriedades matemáticas". Isso quer dizer que as propriedades do Bitcoin resultam do design do sistema, permitindo que sejam valoradas subjetivamente pelos usuários. Essa valoração é demonstrada quando indivíduos transacionam livremente com bitcoins.

Admitindo a fragilidade de seu argumento, os céticos partem para outra crítica, a de que o Bitcoin, além do seu valor de troca (ou seu valor monetário), não apresenta nenhum valor de uso amplamente reconhecido. Por esse motivo, raciocinam eles, a moeda digital não poderia jamais adquirir o status de meio de troca universalmente aceito no comércio. Isso me faz perguntar: como o ouro conseguiu emergir como dinheiro, sendo que seu principal valor de uso séculos atrás era basicamente adorno e enfeite? Sim, é claro que hoje em dia o ouro tem aplicação nos mais diversos campos (indústria, medicina, computação, etc.), mas essa demanda surgiu com relevância somente nos últimos 20 ou 30 anos. E mesmo considerando seu uso industrial, estima-se que mais de 90% da demanda por ouro deriva de seu uso monetário.

Em suma, não proporcionar uma maior variedade de aplicações e uso; ou, dito de outra forma, não ter um valor de uso amplamente reconhecido não impede que o Bitcoin venha a ser um meio de troca universalmente aceito. Ao menos a priori, tal assertiva não pode ser considerada conclusiva.

Nesse momento, você provavelmente já deve ter se perguntado: afinal de contas, vale a pena comprar bitcoins ou não? Já estamos em uma bolha? Tendo estudado a natureza do Bitcoin, suas vantagens em relação a outras moedas e buscado refutar algumas das frequentes objeções, podemos, por fim, responder a essas questões. No próximo artigo prometo acalmar todas as suas inquietações.


Leia aqui a quarta e última parte da série Bitcoin.


Artigo originalmente publicado em O Ponto Base


[1] A objeção mais comum, e um tanto débil, é que, ao permitir o anonimato nas transações, o Bitcoin seria bastante convidativo a traficantes, bicheiros, cafetões e demais cidadãos de reputação não ilibada. Ao governo, esse pode ser um tremendo problema, mas não sugere uma eventual fragilidade da moeda digital.

Outra crítica comum, a qual normalmente advém ou de leigos ou de economistas deficientes em teoria monetária, é que o Bitcoin não tem lastro algum, nem mesmo do governo. A verdade é que lastro estatal não garante muita coisa; basta verificarmos a depreciação de todas as moedas fiduciárias ao longo dos anos. Nem precisamos considerar as crises financeiras. Sob outra perspectiva, a falta de lastro governamental é um problema que depende da sua inclinação econômico-filosófica. Aos marxistas, keynesianos e chicaguenses, isso de fato é uma debilidade; aos austríacos, uma grande virtude. Esse raciocínio é igualmente válido para o ouro. Somente os austríacos enxergam o valor da oferta inelástica do metal e o enaltecem por não ser passivo de ninguém.

Alguns céticos também ficam apreensivos por não saber quase nada sobre o criador (ou criadores) do Bitcoin, o invisível Satoshi Nakamoto, nem mesmo a sua identidade verdadeira. Não posso negar a imensa curiosidade que tenho. Mas para o futuro do projeto Bitcoin, isso é totalmente irrelevante. Independentemente do que Nakamoto pensava, ou pensa, o importante é que o código-fonte do sistema é aberto a todos e, dessa forma, todos conhecem as regras do jogo, o seu algoritmo e seu funcionamento. Nada mais depende de Nakamoto

[2] Seria como afirmar que o real foi atacado porque alguns bandidos roubaram o cofre da Agência da Av. Paulista do Banco do Brasil.

[3] Curiosamente, a própria experiência do site de pagamentos em bitcoins Bitpay ilustra muito bem essa afirmação. No começo, mais de 90% dos comerciantes, para os quais oBitpay intermediava transações, solicitava receber em dólares americanos. Atualmente, pelo menos a metade dos comerciantes tem preferido manter saldos em bitcoins, sem jamais convertê-los em dólares.


Sobre o autor

Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. é conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária.

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