quarta-feira, 17 abr 2013
Este
artigo foi extraído do livro "O que o governo fez com o nosso dinheiro",
futuro lançamento do IMB.
Os
governos, ao contrário de todas as outras organizações, não obtêm suas receitas
por meio da oferta de serviços. Sendo
assim, os governos enfrentam um problema econômico distinto daquele enfrentado
por empresas e indivíduos. Indivíduos
que desejam adquirir mais bens e serviços de outros indivíduos têm de produzir
e vender aquilo que estes outros indivíduos desejam. Já os governos têm apenas de encontrar algum
método de expropriar bens sem o consentimento de seus proprietários.
Em
uma economia de escambo, os funcionários do governo podem expropriar recursos somente
de uma maneira: confiscando bens físicos. Já em uma economia cujas transações
econômicas são mediadas pelo dinheiro, eles descobrirão ser mais fácil
confiscar ativos monetários para, em
seguida, utilizar o dinheiro para adquirir bens e serviços para si próprios, ou
ainda, para conceder subsídios para seus grupos favoritos. Tal confisco é chamado de tributação.
A
tributação, no entanto, é sempre algo impopular e, em épocas menos moderadas, frequentemente
gerava revoluções. O surgimento
do dinheiro, uma bênção para a espécie humana, também abriu um caminho
sutil para a expropriação governamental de recursos.
Em
um livre mercado, o dinheiro pode ser adquirido de duas formas: ou o indivíduo
produz e vende bens e serviços desejados por terceiros, ou ele se dedica à
mineração de ouro (um negócio tão lucrativo como outro qualquer, no longo
prazo). Mas se o governo descobrir
maneiras de praticar falsificação — criar
dinheiro do nada —, então ele poderá, rapidamente, produzir o próprio dinheiro
sem ter o trabalho de vender serviços ou de garimpar ouro. Ele poderá, assim, se apropriar maliciosamente
de recursos e de forma bastante discreta, sem suscitar as hostilidades
desencadeadas pela tributação. Com
efeito, a falsificação pode criar em suas próprias vítimas uma doce ilusão de
incomparável prosperidade.
Falsificação,
evidentemente, nada mais é do que outro nome para a inflação — ambas criam um
novo "dinheiro" que não é um metal como ouro ou prata, e ambas funcionam similarmente. E assim podemos entender por que os governos
são inerentemente inflacionários: porque a inflação monetária é um meio
poderoso e sutil para o governo adquirir recursos do público, uma forma de
tributação indolor e bem mais perigosa.
Para
mensurar os efeitos econômicos da inflação, vejamos o que acontece quando um
grupo de falsificadores dá início ao seu "trabalho". Suponhamos que a economia tenha uma oferta de
$10.000. E então os falsificadores, tão sagazes
que ninguém os percebe, injetam mais $2.000 nesta economia. Quais serão as consequências?
Primeiramente,
os próprios falsificadores serão os primeiros a se beneficiar. Eles utilizarão esse dinheiro recém-criado
para adquirir bens e serviços. Como bem
ilustrou uma famosa charge da revista New
Yorker, que mostrava um grupo de falsificadores contemplando solenemente o
próprio trabalho: "O consumo está prestes a receber um grande e necessário estímulo". Exatamente.
Os gastos em consumo, de fato, realmente recebem um estímulo.
Esse
dinheiro novo vai percorrendo, pouco a pouco, todo o sistema econômico. À medida que ele vai se espalhando pela
economia, os preços vão aumentando — como vimos antes, dinheiro
criado do nada pode apenas diluir a efetividade de cada unidade monetária. Mas essa diluição é um processo lento e, por
isso, é desigual; durante este ínterim, algumas pessoas ganham e outras
perdem. No início deste processo, a
renda e o poder de compra dos falsificadores e dos varejistas locais aumentam
antes que tenha havido qualquer aumento nos preços dos bens e serviços que eles
compram. Com o tempo, à medida que o
dinheiro vai perpassando toda a economia e elevando os preços, aquelas pessoas que
estão nas áreas mais remotas da economia, e que ainda não receberam esse
dinheiro recém-criado, terão de lidar com preços maiores sem que tenham
vivenciado um aumento de suas rendas. Os
varejistas que estão do outro lado do país, por exemplo, estarão em pior
situação. Terão de lidar com preços
maiores sem que sua renda e seu poder de compra tenham aumentado. Os primeiros recebedores do dinheiro novo se
beneficiam à custa daqueles que recebem este dinheiro por último. Houve uma redistribuição de renda às avessas.
A
inflação, portanto, não gera nenhum benefício social; ao contrário, ela redistribui
a riqueza para aqueles que obtiveram primeiramente o dinheiro recém-criado, e
tudo à custa daqueles que o recebem por último.
A inflação é, efetivamente, uma disputa — uma disputa para ver quem
obtém antes dos outros a maior fatia do dinheiro recém-criado. Aqueles que ficam por último — aqueles que arcam
com a redução de seu poder de compra — são majoritariamente aqueles que estão
no chamado de "grupo de renda fixa".
Sacerdotes, professores e assalariados em geral estão notoriamente entra
aqueles que são os últimos a receber este dinheiro recém-criado. Aposentados, pensionistas, pessoas
dependentes de algum seguro de vida, senhorios com contratos de aluguel de
longo prazo, portadores de títulos e credores em geral, aqueles que portam
dinheiro em espécie — todos arcarão com o fardo da inflação. Eles são os únicos "tributados".[1]
Mas
a inflação também gera outros efeitos desastrosos. Ela distorce aquele pilar básico da economia:
o cálculo empreendedorial. Dado que os
preços não se alteram de maneira uniforme e com a mesma velocidade, torna-se
muito difícil para os empreendedores distinguir aquilo que é duradouro daquilo
que é transitório, e mensurar corretamente as verdadeiras demandas do
consumidor ou o custo de suas operações.
Por
exemplo, a norma da prática contábil é registrar o "custo" de um ativo pelo
valor em que ele foi pago. Porém, com a
inflação, o custo de repor este ativo quando ele já estiver exaurido será bem
maior do que aquele valor registrado nos livros contábeis quando o ativo foi
adquirido. Como resultado, a
contabilidade das empresas irá sobrestimar
acentuadamente seus lucros durante um processo de inflação – podendo até mesmo
chegar ao ponto de estar consumindo seu capital ao mesmo tempo em que se
imagina estar aumentando os investimentos.[2]
Do
mesmo modo, os detentores de ações, papeis e imóveis auferirão ganhos de
capital durante a inflação que não são de modo algum ganhos reais. Eles podem até acabar consumindo parte destes
ganhos sem perceber que estão consumindo seu capital original.
Ao
criar lucros ilusórios e distorcer o cálculo econômico, a inflação suspenderá o
processo – feito automaticamente pelo livre mercado – de penalização das
empresas ineficientes e de recompensa das eficientes. Quase todas as empresas irão aparentemente prosperar. Essa atmosfera geral de "mercado propício ao
consumo" levará a um declínio na qualidade dos bens e serviços ofertados aos
consumidores, uma vez que os consumidores tendem a oferecer menos resistência a
aumentos de preços quando estes ocorrem na forma de redução da qualidade.[3]
A
qualidade da mão-de-obra também será pior durante uma inflação e por um motivo
mais sutil: as pessoas serão cativadas por esquemas que prometem enriquecimento
rápido, os quais, durante uma época de preços em ascensão, parecem estar ao
alcance de praticamente todos. Ao mesmo
tempo, várias pessoas passarão a desdenhar o esforço e a prudência. A inflação também penaliza a poupança e a
frugalidade, premia o consumismo e encoraja o endividamento, pois qualquer soma
tomada emprestada hoje será paga no futuro com um dinheiro cujo poder de compra
será menor do que aquele em que o empréstimo originalmente ocorreu. O incentivo, consequentemente, passa a ser o
de se endividar para pagar mais tarde, em vez de poupar e investir. A inflação, portanto, diminui o padrão de
vida geral ao mesmo tempo em que cria uma falsa e opaca atmosfera de
"prosperidade".
Felizmente,
a inflação é um processo que não pode continuar para sempre. Com o tempo, as pessoas inevitavelmente acordarão
para esta forma insidiosa de tributação; elas perceberão a contínua redução do poder
de compra do seu dinheiro e exigirão providências.
No
entanto, um processo de inflação pode chegar a extremos.
Por
exemplo, no início, quando os preços sobem, as pessoas dizem: "Bem, isso não é
normal; é certamente fruto de alguma emergência. Adiarei minhas compras e esperarei até os
preços baixarem". Essa é a atitude comum
durante a primeira fase de uma inflação.
Essa postura ajuda a conter a subida dos preços e oculta os efeitos da
inflação, dado que houve um aumento na demanda por dinheiro. Mas, à medida que a inflação monetária
prossegue, as pessoas começam a perceber que os preços irão aumentar
perpetuamente como resultado de uma inflação perpétua.
Neste
momento, as pessoas passam a dizer: "Embora os preços estejam 'altos', comprarei
agora porque, se esperar mais, os preços ficarão ainda mais altos". O resultado dessa postura é que a demanda por
dinheiro diminui e os preços passam a crescer, em termos proporcionais, mais do que o aumento na oferta monetária. Neste ponto, o governo normalmente é
conclamado para aliviar a 'escassez' de moeda gerada pelo crescimento acelerado
dos preços e inflaciona ainda mais aceleradamente. Em pouco tempo, o país chega ao ponto de
descontrole absoluto dos preços, e é aí que as pessoas dizem: "Tenho de comprar
qualquer coisa agora — qualquer coisa para me livrar deste dinheiro que só
desvaloriza". A oferta monetária dispara,
a demanda por dinheiro despenca e os preços sobem astronomicamente. A produção cai de forma dramática, pois as
pessoas agora dedicam grande parte do tempo tentando descobrir formas de se
livrar do seu dinheiro. O sistema
monetário entra em total colapso, e a economia recorre a outras moedas, caso existam
– metais ou moedas estrangeiras caso esta inflação seja em um único país; no
extremo, a população tem de retornar ao escambo. O sistema monetário se desintegrou sob o
impacto da inflação.
Esta
situação de hiperinflação foi
observada durante a Revolução Francesa com os assignats, durante a Revolução Americana com os continentais e,
especialmente, durante a crise alemã de 1923 com o marco. Foi também vivenciada pela China e por outros
países após a Segunda Guerra Mundial.[4] Mais recentemente, hiperinflações devastaram
os principais países da América Latina.
Por
fim, uma última condenação da inflação é o fato de que, sempre que o dinheiro
recém-criado é utilizado para conceder empréstimos, essa inflação gera os pavorosos
"ciclos econômicos". Esse processo
silencioso, porém mortal, e que passou despercebido por gerações, age da
seguinte maneira: o dinheiro é criado pelo sistema bancário de reservas
fracionárias, que opera sob os auspícios do governo, e é emprestado para
financiar empreendimentos. Para os empreendedores,
esses novos fundos parecem ser investimentos genuínos; mas o problema é que
esses fundos não surgiram, como os investimentos que ocorreriam sob um sistema
bancário com 100% de reservas, de poupanças voluntárias.
Após
esse dinheiro novo ter entrado na economia e ter sido investido por empreendedores
em vários projetos, os preços e os salários começam a subir. O dinheiro novo é também utilizado para pagar
os agora mais altos salários dos trabalhadores e os agora também mais caros
fatores de produção. No entanto, após
esse novo dinheiro ter perpassado toda a economia, as pessoas tendem a restabelecer
suas antigas e voluntárias proporções entre consumo e poupança. Em suma, se as pessoas desejam poupar e
investir cerca de 20% de sua renda e consumir o restante, esse novo dinheiro
criado pelo sistema bancário e emprestado para empreendimentos irá primeiramente
fazer com que a fatia destinada à poupança pareça maior. Quando o novo dinheiro já houver chegado a
todo o público, as pessoas restabelecem a antiga proporção de 20/80, o que faz
com que muitos investimentos se revelem insolventes e não-lucrativos, pois
nunca houve de fato uma real demanda por eles.
A liquidação destes investimentos insolventes, que só se originaram por
causa do boom inflacionário, constitui a fase da depressão dos ciclos econômicos.
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Para
explicações mais detalhadas sobre essa mecânica dos ciclos econômicos, veja os
seguintes artigos:
Manipular juros não gera
crescimento econômico
Explicando a recessão
europeia
[1] Virou moda ridicularizar a preocupação
demonstrada pelos "conservadores" para com "os pobres, as viúvas e os órfãos"
prejudicados pela inflação. E, no entanto, esse é exatamente um dos principais
problemas que devem ser enfrentados. Será que é realmente "progressista" roubar
pobres, viúvas e órfãos e utilizar os proventos para subsidiar fazendeiros ricos
e empresários poderosos?
[2] Esse erro será maior
naquelas empresas com equipamentos mais velhos e nas indústrias mais
pesadamente capitalizadas. Um excessivo número de empresas, por conseguinte,
irá fluir para essas indústrias durante uma inflação.
[3] Nesta
época em que se dá atenção extasiada a "índices do custo de vida" (o que gera,
por exemplo, contratos em que os salários variam de acordo com a inflação), há
um forte incentivo para se aumentar preços de uma maneira que não seja
explicitada pelo indicador.
[4] Sobre o exemplo
alemão, veja este artigo: A
hiperinflação alemã, 1914-1923