quarta-feira, 13 fev 2013
Libertários
podem ser divididos em duas classes bastante amplas: aqueles que defendem uma
sociedade livre porque sabem que ela gera resultados melhores do que uma sociedade
tirana, e aqueles que defendem uma sociedade livre porque acreditam que é
errado negar ou suprimir o direito de um indivíduo de ser livre (a menos, é
claro, que tal indivíduo esteja suprimindo o mesmo direito de outros de serem
livres).
"Consequencialistas
versus deontologistas" é
a rotulagem mais comum dada a essa diferença.
É de se lamentar que tanta energia tenha sido desperdiçada em brigas
entre esses dois grupos.
Quando
me tornei um libertário, comecei abraçando posturas consequencialistas ou
utilitaristas, talvez por causa de minha formação como economista. Estava convencido de que uma sociedade livre
seria mais rica, mais saudável e mais feliz — certamente no longo prazo, se
não imediatamente — do que uma sociedade controlada. Com base na teoria econômica e na história da
economia, pude compreender os apavorantes fracassos das economias centralmente
planejadas da URSS, da China, do Camboja e de outros países. Essa compreensão me impressionou e me pareceu
ser um fundamento perfeitamente adequado para que qualquer um se tornasse
adepto do libertarianismo.
Por
não possuir uma sólida formação em filosofia, não passei muito tempo pensando a
respeito do argumento moral em defesa do libertarianismo — ao menos não nos
primeiros estágios da minha jornada. No
entanto, ninguém realmente teve de me persuadir de que as pessoas, por sua
própria natureza humana, merecem ser livres; de que cada pessoa possui o
direito natural de controlar sua própria vida, desde que o exercício desse
direito não entre em conflito com o exercício deste mesmo direito pelas outras
pessoas. Logo, na primeira vez em que
fui perguntado — mais de vinte anos atrás, quando fui membro participante de
uma conferência libertária — se eu era um consequencialista ou um
deontologista em meu libertarianismo, respondi que era ambos: acreditava que as
pessoas deveriam respeitar o direito de outras pessoas de não serem agredidas
(de não sofrerem iniciação de violência ou ameaça de violência) e que, se todos
se comportassem dessa forma, as pessoas alcançariam os melhores resultados
sociais e econômicos possíveis para toda a sociedade.
No
decorrer do tempo, flagrei-me fazendo com cada vez mais frequência argumentos
morais em prol do libertarianismo. De
certa forma, estava apenas expressando minha ira contra algum tipo de maldade
coerciva que havia acabado de vivenciar.
Ainda assim, jamais abandonei minha crença de que uma sociedade livre
funciona melhor do que uma sociedade dirigida em termos sociais e
econômicos. Também havia sido persuadido
pelo grande utilitarista Leland
Yeager de que, no sentido mais profundo possível, todos nós temos de ser
consequencialistas. Nenhum indivíduo de
boa vontade pode aderir inflexivelmente à regra "fiat justitia ruat caelum" (faça-se
a justiça, mesmo que desabem os céus).
Se o mais empenhado e inflexível libertário deontologista soubesse com
toda a certeza que sua adesão a todos os elementos cruciais do libertarianismo
fosse gerar, digamos, a total destruição da raça humana, então até mesmo ele,
este obstinado e implacável libertário, teria de ceder e recuar, e basear sua
decisão nas consequências geradas por uma aderência sem exceções a uma regra
moral obrigatória.
Felizmente,
esse é um dilema que não enfrentamos na realidade. Com efeito, quase sempre, se não praticamente
sempre, podemos seguir a regra da liberdade perfeita e ainda termos a certeza
de que tal postura não apenas não gerará resultados destrutivos, como na
realidade irá contribuir para a concretização dos mais positivos e beneficentes
resultados possíveis.
Em
todo caso, após as mais recentes décadas de minha jornada libertária, vejo-me
hoje às voltas com um aspecto distinto deste longevo debate, aspecto este que
tem a ver com nossa estratégia de
como trazer pessoas para o libertarianismo.
A Estratégia 1 é persuadir estas pessoas de que a liberdade funciona, de
que uma sociedade livre será mais rica e melhor do que uma sociedade dirigida;
que um livre mercado fará, por assim dizer, com que os trens cheguem e partam no
horário, e sejam mais bem geridos do que por uma burocracia estatal. A Estratégia 2 é persuadir as pessoas de que
ninguém, nem mesmo um funcionário do governo, possui o direito de tolher a
liberdade de empreendimento de pessoas inocentes; que nenhum de nós nasceu com
uma sela em suas costas para carregar alguém montado nela.
Em
nosso mundo, tantas pessoas foram enganadas ou confundidas por alegações
errôneas sobre moralidade e justiça, que a maioria dos libertários,
especialmente de institutos liberais e de outras organizações que carregam o
fardo de educar as pessoas sobre libertarianismo, concentram seus esforços em
alcançar a Estratégia 1 da maneira mais efetiva possível. A consequência é que eles produzem e publicam
uma abundância de estudos políticos, cada um deles mostrando como o governo
afetou o mercado por meio de suas leis e regulamentações ostensivamente bem
intencionadas. É claro que os 98% ou
mais da sociedade (principalmente no aspecto político) que de uma forma ou de
outra se opõem à liberdade perfeita respondem com argumentos e publicações que
seguem sua própria ideologia, cada um deles mostrando por que uma suposta
"falha de mercado", uma "injustiça social" ou algum outro problema justificam a
interferência do governo sobre a liberdade de ação das pessoas, sempre
prometendo corrigir os malefícios percebidos.
Qualquer
um que já tenha prestado atenção aos debates políticos está familiarizado com
esta interminável guerra entre intelectuais e apologistas do regime. Dado que eu mesmo já dediquei muito tempo e
esforço a tal atividade, não a estou condenando. À medida que um indivíduo se dedica a expor
impiedosamente as falhas dos argumentos anti-liberdade e os fracassos dos
esforços governamentais em tentar "solucionar" uma gama de problemas, é de se esperar
que pelo menos alguém será persuadido e se tornará mais propenso a dar uma
chance à liberdade.
Não
obstante, exatamente pelo fato de essa batalha entre intelectuais e apologistas
— que envolve professores universitários, colunistas de jornal, todos os tipos
de palpiteiros da mídia, políticos populistas, e pistoleiros "assassinos de
reputação" a serviço do regime — ser interminável, jamais se pode descansar na
certeza de que, tão logo um indivíduo tenha sido persuadido de que a liberdade
é melhor do que o dirigismo, ao menos no que tange à situação X, esse indivíduo
já aderiu por completo e de maneira permanente ao libertarianismo.
Se
um indivíduo chegou ao libertarianismo somente por causa de algum argumento ou
evidência apresentado ontem por um intelectual pró-liberdade, ele pode, tão
facilmente quanto veio, ir embora amanhã e voltar a defender a intervenção
estatal com base em evidências e argumentos feitos por um intelectual
anti-liberdade. Como certa vez disse
John Maynard Keynes em uma resposta
sagaz a alguém que lhe havia perguntado sobre seus instáveis e flutuantes
pontos de vista, "Quando os fatos mudam, eu mudo minhas ideias. E o senhor, como age?".
Se
os libertários decidirem defender a liberdade em termos unicamente
consequencialistas, eles estarão nesta guerra para sempre. Embora seja possível aceitar esse panorama
tendo por base o fato de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância", esse
tipo de batalha é profundamente desestimulante, uma vez que as forças
contrárias à liberdade, as quais os libertários têm de enfrentar, possuem
centenas de vezes mais tropas e milhares de vezes mais dinheiro para adquirir
suas munições. Há vários e poderosos
interesses corporativos e sindicais por trás de ideias intervencionistas e
dirigistas, interesses estes que jamais abrirão mão de seus privilégios
facilmente.
Por
outro lado, tão logo o libertário tenha persuadido alguém de que a
interferência governamental é moralmente errada — se não uniformemente, pelo
menos em um determinado âmbito —, há uma probabilidade muito menor de esse
convertido algum dia voltar a defender medidas estatais coercivas contra
pessoas inocentes. O libertarianismo
solidificado em pilares morais é muito mais forte e duradouro do que o
libertarianismo construído sobre a areia movediça dos argumentos
consequencialistas, os quais, por definição, são convincentes apenas enquanto
os argumentos e as evidências visíveis do momento atual assim o fazem. Consequentemente, se realmente desejamos
alargar as fileiras libertárias, seria muito aconselhável fazer com que argumentos
morais se tornem pelo menos uma parte
de nossos esforços. Não atrapalhará em
nada, é claro, mostrar às pessoas por meio de argumentos utilitaristas que a
liberdade realmente funciona melhor do que o controle estatal; mas confinar
nossos esforços a argumentos puramente intelectuais e utilitaristas irá
condená-los a ter, na melhor das hipóteses, um sucesso apenas temporário.
Se
nossa intenção é realmente algum dia alcançarmos uma sociedade livre, temos de
persuadir uma grande quantidade de nossos conterrâneos de que é simplesmente
errado que qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, por meio da violência ou
da ameaça de violência, imponha suas demandas sobre todos os outros cidadãos
que não cometeram crime nenhum e que não violaram os direitos de ninguém. Temos também de persuadi-los de que tal
postura é tão errada se feita por pessoas que compõem o estado quanto o é para
você e para mim.
No
passado, as grandes vitórias de liberdade advieram exatamente de tal abordagem
— a campanha anti-escravidão, a luta contra restrições ao livre comércio, e a
batalha para se abolir restrições legais sobre o direito feminino de trabalhar,
de ter propriedade e de serem tão livres quanto os homens. No mínimo, os libertários jamais deveriam conceder
qualquer superioridade moral àqueles que insistem em interferir coercivamente
na liberdade alheia: o ônus da prova tem de estar sempre sobre aqueles que
querem agredir pessoas inocentes, que querem confiscar sua renda e regular seus
empreendimentos, e não sobre aqueles que querem simplesmente ser deixados em
paz para viver suas vidas da forma que acharem melhor, sempre respeitando esse
mesmo direito para os outros.