quinta-feira, 29 nov 2012
Quais
são as diferenças essenciais, do ponto de vista metodológico, entre as ciências
naturais e as ciências sociais? A
primeira e mais direta resposta pode soar estranha e difícil de acreditar, mas
é a mais perfeita definição da diferença entre ambas: as ciências naturais
estudam fenômenos relativamente
simples e
fáceis. Já as ciências da ação
humana estudam fenômenos relativamente
complexos. Ou, ainda mais apropriado, fenômenos
extremamente complexos.
Logo,
em termos mais práticos, o que distingue um praticante das ciências naturais —
como um químico, um físico, um biólogo, um médico — de um economista é o fato
de que o químico, o físico, o biólogo e o médico estudam fenômenos simples e
fáceis, em termos relativos, ao passo que estudiosos das ciências sociais lidam
com fenômenos de extrema complexidade.
É
isso mesmo? Procede dizer que, por
exemplo, físicos que estudam assuntos aparentemente herméticos e esotéricos,
como mecânica quântica, gravitação quântica, teoria quântica de campos, buraco
negro, termodinâmica de buracos negros, quantum de energia, fótons, magnetismo,
cargas elétricas, mecanismo de Higgs etc. executam uma tarefa mais fácil do que
a daqueles que se propõem a estudar a sociedade, algo que aparentemente todo e
qualquer político e burocrata está sempre fazendo? O que pode haver de difícil em determinar se
se deve subir o salário mínimo, aumentar impostos, reduzir impostos,
intensificar regulamentações, diminuir regulamentações, desburocratizar,
expandir a oferta monetária, reduzir juros, elevar juros, aumentar subsídios,
cortar subsídios etc.? Tal tarefa certamente
não deve exigir o mesmo intelecto exigido de um físico, que, para ser um bom
físico, tem de se entregar a vários anos de intensos e pesados estudos. Certo?
Apesar
das aparências, a realidade é exatamente contrária. Digo mais: são tão complexos os fenômenos estudados
pelas ciências sociais, que quase ninguém os entende de fato. E isso, paradoxalmente, faz com que eles
pareçam simples e irresistíveis demais para não se dar palpites a respeito. É justamente por isso que todos os ignorantes
se atrevem a pontificar com desenvoltura e segurança sobre assuntos
aparentemente simples, mas genuinamente complexos, dos quais não possuem os
mais básicos conhecimentos a respeito.
Quanto mais aparentemente simples um assunto, maior a gama de ignaros
que ele atrai.
Ninguém
se atreve a palpitar resolutamente sobre fissão nuclear sem ser um especialista
doutorado em física atômica. Tampouco é
comum ver um leigo perorando profundamente sobre as reações de um organismo em
decorrência de uma quimioterapia. No
entanto, todas as pessoas falam com total pretensão e afetação sobre o que deve
ser feito a respeito de salários, previdência social, relações trabalhistas,
regulamentações, juros, impostos, tarifas de importação, bancos centrais, ajuda
aos pobres etc., desconsiderando que os fenômenos sociais são extremamente mais
complexos e completamente mais imprevisíveis do que os do mundo da física, da
astronomia, da química ou da medicina.
Justamente
por serem mais complexos, somos capazes de entender apenas uma mínima fração
deles. E é exatamente por isso, por
entenderem tão pouco, que a imensa maioria das pessoas se atreve a dar palpites
sobre o assunto. É difícil ser
genuinamente consciente da complexidade daquilo que se ignora totalmente.
Os
fenômenos do mundo da economia são extremamente mais complicados que os do
mundo das ciências naturais porque o grau de complexidade conceitual e
categórico é infinitamente maior. Ao
passo que na física você pode isolar variáveis e trabalhar com constantes, nas
ciências sociais são sete bilhões de seres humanos interagindo entre si de
forma espontânea, imprevisível e criativa.
Cada interação humana cria um conhecimento que antes simplesmente não
existia. Nenhum átomo, nenhum elétron,
nenhuma supernova é capaz de ter ideias, de criar, de descobrir, de compor
sinfonias, de projetar novos modelos de televisão ou de carros, de conceber
novos sistemas operacionais para computadores etc.
Hayek
sempre dizia que, de longe, a ordem mais complexa do universo é o processo da ordem espontânea de um mercado.
E o grande paradoxo, nunca é demais
repetir, é que, quanto menos o ser humano realmente entende a respeito desse
complexo processo espontâneo, mais ele se julga apto a parolar sobre um assunto
do qual absolutamente nada sabe ou entende.
Dependendo dos poderes que um indivíduo ou um conjunto de indivíduos
possua, sua intromissão nesta ordem espontânea pode trazer danos
irreversíveis. No extremo, pode destruir
toda uma civilização. Uma única
regulamentação, um único tributo, um único processo burocrático pode impedir
que um determinado ser humano venha a interagir de forma criativa com outro ser
humano, e, como consequência desse impedimento, deixem de pôr em prática uma
ideia empreendedorial. É impossível
quantificar quantas coisas benéficas à humanidade não foram criadas por causa
de intromissões engendradas por cientistas sociais nas interações
empreendedoriais humanas.
Uma
segunda diferença entre as ciências naturais e as ciências sociais é que o
objeto de estudo das ciências naturais são as coisas, as matérias, as
substâncias: uma pedra, um mineral, uma planta, uma vesícula biliar. Já o objeto de investigação ou estudo das
ciências humanas não são coisas, mas
sim ideias
— as ideias que os seres humanos têm a respeito de seus objetivos e dos meios
com os quais alcançar esses seus objetivos.
Esta é uma diferença essencial entre o mundo da ciência natural e o
mundo da ciência social. Nas ciências naturais, seus profissionais estão sempre fazendo experimentos em laboratório,
observando e analisando como reagem coisas externas a nós; nas ciências
sociais, investigamos as ideias que outros indivíduos têm, investigamos como
agem e o que fazem — ou seja, investigamos seus objetivos e os meios
utilizados para alcançarem estes objetivos.
Em
seu livro The Counter
Revolution of Science, Hayek fornece o seguinte exemplo: um cosmético,
como um creme de rosto, não é um cosmético por causa de seu composto químico
(os elementos descritos em seu rótulo); ele é um cosmético porque determinados
seres humanos, homens e mulheres, acreditam
que esse creme que passam em seu rosto todas as noites possui uma utilidade —
acreditam que fará bem à sua pele, revigorando-a para o dia seguinte, reduzindo
as rugas etc. O creme pode muito bem não
ter eficácia nenhuma, mas não importa; basta que um indivíduo acredite que o
creme lhe trará um benefício para que aquele composto de produtos químicos
passa a ser visto como um cosmético. Em
termos econômicos, esse cosmético não é classificado de acordo com seu composto
químico, mas sim de acordo com a ideia
que outros têm a respeito dele; de acordo com a maneira como elas acreditam que
esse cosmético irá servir para elas alcançarem um determinado fim.
O
cosmético, portanto, é um meio para
se alcançar um objetivo (uma pele revigorada).
Como todo meio, ele possui a sua utilidade. A utilidade é a valoração subjetiva que um
indivíduo dá a um meio em função do valor (também subjetivo) do fim que ele
pode alcançar com aquele meio.
Um
exemplo que particularmente gosto de fornecer, pois ilustra esse princípio à
perfeição — e que virou curiosidade no YouTube —, é um vídeo em que rasgo uma
cédula de 10 euros.
Quem vê uma pessoa
rasgando uma cédula de dinheiro fica compungida não pelo composto de celulose e
tinta que foi rasgado, mas sim por inevitavelmente pensar em tudo aquilo que aquele pedaço de papel
poderia lhe propiciar. Isso
significa que aquela cédula é um meio
para se adquirir coisas de valor; é um meio para se alcançar múltiplos fins. Como todo meio, ela também possui uma utilidade.
Para
muitas pessoas, esta utilidade é extremamente alta, pois aquela cédula é um
meio necessário para que consigam se alimentar, se locomover ou mesmo para se
divertir indo ao cinema. A destruição de
uma cédula de dinheiro gera pesar em muitas pessoas justamente pelas ideias que elas têm a respeito dos
desejos que poderiam ser satisfeitos com aquela cédula. Ao rasgar uma cédula de papel, destruí algo
que a outra pessoa faz falta.
As
pessoas concedem uma categoria econômica à cédula não em função de seu composto
de celulose e tinta, mas sim em função das ideias
que podem satisfazer com aquela cédula, dos fins
que podem alcançar com aquela cédula. A
cédula, portanto, é um meio e seu valor é subjetivamente determinado por um
indivíduo de acordo com o contexto de sua ação.
Conclusão
A
ciência econômica, que é a ciência da ação humana, lida com as ideias que
outros seres humanos possuem a respeito do que fazem, do que querem alcançar, e
dos meios que utilizam para tal. Já as
ciências naturais lidam com coisa externas às relações e ações humanas. Embora esta última tenha a fama de ser
hermética e inalcançável para a maioria dos mortais, é a primeira que realmente
não pode de maneira alguma ser confiada a leigos, aventureiros, ou
idealistas. O estrago pode ser
irreversível para toda uma civilização.