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Economia

A suicida política monetária do Irã

08/10/2012

A suicida política monetária do Irã

Não há nenhuma necessidade de um ataque aéreo contra o Irã para debilitar o país.  O próprio governo iraniano já está fazendo voluntariamente este serviço para Israel.

O seguinte relato foi feito pelo professor Dr. Steve Hanke.

Desde que os EUA e a União Europeia promulgaram as primeiras sanções contra o Irã em 2010, o valor do rial, a moeda iraniana, despencou, impondo incalculáveis angústia e sofrimento ao povo iraniano.  Quando uma moeda entra em colapso, pode ter a certeza de que vários outros indicadores econômicos também estão se movendo para uma direção negativa.  Com efeito, utilizando dados recentes do câmbio paralelo do Irã, estimo que a inflação mensal do país atingiu 69,6%.  Com uma inflação mensal neste nível (acima de 50%), o Irã está indubitavelmente vivenciando uma hiperinflação.

Quando o presidente Obama assinou o Comprehensive Iran Sanctions, Accountability, and Divestment Act, em julho de 2010, a taxa de câmbio oficial entre o dólar e o rial era muito próxima à do mercado paralelo.  Porém, como mostra o gráfico abaixo, desde então, as taxas de câmbio oficial e de mercado paralelo passaram a divergir crescentemente.  Esta desvalorização do rial acelerou-se no mês passado, quando os iranianos vivenciaram uma dramática queda de 9,65% no valor do rial durante apenas um fim de semana (8 a 10 de setembro de 2012).  Depois, a queda livre continuou intensa.  No dia 2 de outubro de 2012, a taxa de câmbio no mercado paralelo chegou a 35.000 riais por dólar -- uma taxa que reflete um declínio de 65% no rial perante o dólar desde julho de 2010.

(A linha contínua denota a taxa de câmbio oficial; a linha pontilhada, o câmbio no mercado paralelo.  Só em 2012, o rial se desvalorizou de 15.000 riais por dólar para 35.000 riais por dólar)

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A espiral de morte do rial está aniquilando o poder de compra da moeda.  Como consequência, o Irã está hoje vivenciando um aumento devastador em seus preços -- hiperinflação.

O que o Irã está realmente nos fornecendo é um exemplo clássico de política governamental suicida.  Está fornecendo também uma lição que provavelmente não será aprendida pela vasta maioria dos jornalistas e comentaristas econômicos.

Todos os jornalistas estão partindo do pressuposto de que as causas da hiperinflação são as sanções impostas ao Irã (Ver aqui e aqui).  Isso é economicamente incorreto.  As sanções impostas ao Irã reduziram a oferta de bens importados pelo Irã.  Sendo assim, se a demanda permanecer a mesma, os preços destes bens no mercado iraniano irão aumentar substancialmente.  Porém, quando preços aumentam substancialmente, a quantidade demandada cai.  É exatamente essa a função dos preços: eles estimulam a alocação mais eficiente de recursos escassos.  Preços mais elevados restringem a compra de determinados bens.

Quando os preços de bens importados aumentam e consequentemente forçam mudanças orçamentárias na vida das pessoas, elas passam a ter de decidir se continuarão ou não comprando estes bens importados.  Se elas decidirem não continuar comprando o mesmo tanto de bens importados que compravam antes, elas irão ou ficar sem eles ou comprar substitutos domésticos para estes bens.  Muito provavelmente elas optarão por uma combinação de ambos.

Embora a redução nas importações tenha de fato um efeito sobre o preço dos bens importados -- no caso, seu encarecimento no mercado interno do país importador --, o dinheiro extra direcionado para a compra destes bens importados (que agora estão mais caros) tende a diminuir a quantidade de dinheiro que será gasto em bens domésticos ou em outros bens importados que não estão sofrendo restrições.  Ou seja, as pessoas são forçadas a fazer alterações em seus orçamentos.  É exatamente isso que você faz na sua família.  Se algo que você compra rotineiramente começa a encarecer, você irá ou comprar menos deste bem ou passará a comprar menos de outros itens.  Mas esta alteração na demanda não provoca uma inflação generalizada de preços.  O único fator que pode causar uma alta generalizada e contínua nos preços de toda a economia -- especialmente uma alta hiperinflacionária -- é a contínua criação de volumosas quantias de dinheiro pelo Banco Central do país, dinheiro este que o governo, ou outros tomadores de empréstimos, gastam e colocam em circulação.

Está havendo uma hiperinflação no Irã porque o Irã é um estado assistencialista.  O governo iraniano é o dono de todas as reservas petrolíferas do país.  Logo, quando ele vende petróleo, é ele quem recebe o dinheiro.  O governo sempre utiliza o dinheiro para projetos assistencialistas ou para projetos militares.  Isso, aliás, é verdadeiro para todos os países autossuficientes e exportadores de petróleo.  Dado que o petróleo é propriedade exclusiva do governo, o aumento da receita oriunda da venda de petróleo expande as operações governamentais.  É por isso que países exportadores de petróleo são estados assistencialistas.  A vasta maioria da população se torna dependente dos gastos assistencialistas do estado.

Dado que quem controla este gasto é o governo, sua reputação fica em risco quando a continuidade destes gastos é ameaçada.  E foi isso que aconteceu.  Os EUA cortaram o acesso do Irã aos mercados de crédito -- na prática, prometeram cortar relações comerciais com os países que negociassem com o Banco Central do Irã --, o que significa que ficou mais caro para o Irã exportar seu petróleo.  Como consequência desta queda na exportação de petróleo, o governo iraniano tornou-se o maior perdedor, pois sua fonte majoritária de receita secou.

Como o governo iraniano, por questões estratégicas, não pode admitir que foi o principal perdedor em decorrência das restrições à venda de petróleo, ele se recusa a reduzir seus gastos, não obstante o fato de suas receitas terem despencado.  O governo iraniano não irá admitir que sua tentativa de criar um maciço estado assistencialista -- que beneficia uma grande quantidade de eleitores -- não deu certo.  Logo, o governo recorreu à única opção que tinha: imprimir dinheiro, manter os gastos assistencialistas e dar a impressão de que tudo continuava como antes. 

Mises jamais se cansou de explicar que, sempre que há inflação monetária, a taxa de câmbio é a primeira variável a se alterar.  A brusca queda do rial no mercado paralelo mostra que a taxa de inflação monetária tornou-se galopante, especialmente desde o início de 2012.  A prova de que o governo optou pela destruição da moeda está no gráfico acima.  As sanções começaram em julho de 2010, mas foi apenas em setembro de 2012 que o câmbio realmente mergulhou.  Isso é consequência pura de inflação monetária.  Mas, obviamente, os políticos jamais irão admitir que suas políticas são as responsáveis pela inflação de preços.

Não há a menor dúvida de que os Estados Unidos estão usando de coerção contra o governo iraniano.  Porém, em termos econômicos, o governo iraniano poderia ter adotado uma resposta completamente diferente.  O governo poderia ter simplesmente cortado os gastos assistencialistas.  Ele poderia cancelar os projetos que vem subsidiando há décadas.  Mas ele não fará isso.  Seria admitir derrota política.  Logo, em vez de acusar o golpe, o governo ordenou ao Banco Central que acelerasse a criação de dinheiro e aumentasse as compras de títulos do governo.  O governo então utilizou esse dinheiro para continuar subsidiando seus programas.

É isso que os governos sempre fazem.  Mas, em algum momento, eles têm de interromper a expansão da oferta monetária.  Neste ponto, há uma enorme onda de calotes e inadimplência.  No caso do Irã, o governo decidiu não parar com a expansão monetária.  Ele inevitavelmente terá de fazê-lo em algum momento, mas o fato é que ele já permitiu que a inflação saísse de seu controle e se tornasse uma hiperinflação.  A inflação, sempre e em todo lugar, é uma política de governo.

Culpar as sanções pela hiperinflação é economicamente ignaro.  As sanções inquestionavelmente reduziram a riqueza do Irã, mas a maneira como esta redução de riqueza foi distribuída foi uma decisão política.  E a decisão política foi a de destruir a moeda, destruindo principalmente o poder de compra das pessoas que vivem de renda fixa.  Tal política fez com que o sofrimento imposto pelas sanções ficasse ainda pior.  Ao destruir a unidade monetária do país, o governo e o Banco Central iraniano passaram a atuar em conjunto para arruinar o sistema de preços, desta forma destruindo todas as informações sobre alocação de recursos transmitidas pelo sistema de preços.  Esta forma de inflação destrói qualquer pessoa ou empresa que tenha emprestado dinheiro a uma taxa de juros fixa.  Ela aniquila os investidores capitalistas.

O governo do Irã está literalmente destruindo a economia iraniana.  Isso é o que todos os estados assistencialistas são obrigados a fazer a partir de determinado momento.  A menos que o país abandone suas políticas assistencialistas, os políticos irão recorrer ao aumento contínuo da inflação monetária como forma de manter o estado assistencialista operante.  Mas, em algum momento, tal política tem de ser revertida.  Ela será revertida ou pela estabilização da moeda (a interrupção da inflação) -- o que provoca uma depressão -- ou pela destruição da moeda após um período de hiperinflação.

Não há dúvidas de que isso tornou mais difícil para o governo iraniano produzir uma bomba nuclear -- supondo que o governo realmente esteja tentando construir uma, algo sobre o qual não há provas conclusivas.  A inflação irá desorganizar e abalar a oferta de recursos de alta tecnologia.  A divisão do trabalho se torna imprevisível quando o sistema monetário é distorcido pela inflação. 

Paradoxalmente, os políticos iranianos e seu estado assistencialista tornaram-se os maiores aliados de Israel.


Sobre o autor

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite http://www.garynorth.com

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