Na
primeira semana de setembro, o Banco Central Europeu (BCE)
anunciou
aquilo que vários ao redor do mundo esperavam que ele anunciasse: um plano que
permitiria ao Banco "fazer todo o necessário" para dar sustentação ao euro. Sem nenhuma surpresa, as bolsas nos EUA e na
Europa subiram vigorosamente em decorrência da sensação de que o BCE havia
finalmente se juntado em definitivo ao Fed para que ambos coordenassem seus
esforços de reflacionar suas respectivas economias por meio de uma infinita
criação de dinheiro.
Vários
analistas e comentaristas econômicos saudaram a nova posição do BCE como se ela
representasse uma fundamental e inegável derrota para o Bundesbank, o banco
central alemão, ferrenho e inflexível defensor da austeridade monetária na zona
do euro.
A
realidade, no entanto, parece ser um pouco diferente do que se imagina.
O
novo plano do BCE contém várias concessões ao ponto de vista da Alemanha. Talvez a mais importante seja a revogação do
objetivo anterior do BCE, que era o de 'estipular um teto' para os juros dos
títulos dos países membros da zona do euro.
Em vez do compromisso aberto de agir como um ilimitado "comprador de
última instância", o que faria com que os juros dos títulos de países
problemáticos se mantivessem artificialmente baixos, o novo plano agora
estipula condições bem mais estritas e uma seletividade muito mais rigorosa
para a compra de títulos — bem ao estilo alemão.
Houve
também várias outras grandes concessões à Alemanha. As principais:
- Qualquer país membro da zona do euro que queira recorrer ao
BCE para que este compre seus títulos no mercado secundário — ou seja, quando
os títulos estão em posse do sistema bancário — terá de fazer um pedido formal
por escrito. Naturalmente, tal
requerimento público trará custos políticos, constrangimento, desconfiança e
até mesmo uma mácula para o governo em questão. Considerando-se que os
preços de ativos, como ações e títulos públicos, são influenciados pela
percepção, tal pressão irá dissuadir vários países de recorrerem a esta medida.
- Todo e qualquer país requerente terá de concordar em
apresentar uma redução germânica em seus déficits e um completo programa de
reestruturação econômica, ambos os quais provavelmente virão acompanhados de
grandes custos políticos e uma grande dose de turbulência econômica no curto
prazo.
- O BCE irá comprar títulos no mercado secundário para ajudar
países problemáticos somente se o Fundo
Europeu de Estabilização Financeira e o Mecanismo
Europeu de Estabilização Financeira, ambos os quais estão bastante carentes
de recursos, se comprometerem a atuar em conjunto e utilizar seus fundos na
operação. O Bundesbank há muito tempo
vem afirmando que o BCE não deve ter carta branca para abusar de seu poder de
criar dinheiro artificial. Sempre que
isso for feito, os custos serão espalhados para o resto da Europa e também para
o resto do mundo através do FMI.
- O apoio do BCE será limitado à compra de títulos com
vencimento máximo de três anos. Desnecessário
dizer que nenhum membro problemático da zona do euro conseguirá resolver seu problema
de endividamento excessivo caso se limite a tomar continuamente empréstimos de
curto prazo na esperança de que esta ação do BCE irá ajudá-lo.
- Todas as compras de títulos realizadas pelo BCE serão executadas
exclusivamente no mercado secundário, desta forma realizando o objetivo alemão
de fazer com que o BCE não permita que um país seja compulsoriamente obrigado a
financiar diretamente qualquer outro membro da zona do euro (para entender como
funciona esse financiamento involuntário, veja aqui).
Enquanto
vários comentaristas econômicos conjeturaram que a Alemanha havia finalmente
cedido às demandas keynesianas de dinheiro farto e barato de seus países
vizinhos, a realidade parece indicar o contrário: a Alemanha foi especialmente
bem-sucedida em impor sua vontade financeira ao resto da zona do euro.
Estas
substanciais e importantes concessões feitas à Alemanha passaram amplamente despercebidas
pela grande mídia. Longe de oferecer um
alívio instantâneo aos países devedores da zona do euro, o novo pacote tornará
mais provável uma austeridade de inspiração alemã. Esta austeridade, caso seja feita por meio da
típica elevação de impostos — em vez do corte de gastos — fará com que a
recessão na Europa continue, ao menos no curto prazo. Isso, por sua vez, fará com que os bancos
centrais da Europa e de todo o continente americano continuem injetando
dinheiro em suas economias. E isso pode
ser bom para quem investiu em metais preciosos.
A
continuidade da fraqueza econômica da Europa pode, por sua vez, estimular políticos
europeus e até mesmo seus eleitores a aceitarem um controle político alemão
cada vez maior em troca daquilo que poderá acabar sendo visto como um
financiamento direto e 'redentor' da Alemanha.
A principal implicação de curto prazo dessa vitória alemã será a
continuidade da recessão caso a austeridade se dê por meio da elevação de
impostos. Já os resultados de longo
prazo do controle alemão do continente europeu são bem mais difíceis de prever.
Qualquer
investidor ou mero curioso que queira tentar entender as maquinações políticas,
econômicas e financeiras da zona do euro e da União Europeia faria bem em
concentrar-se nas ações alemãs, as quais são frequentemente ocultadas pelos
pronunciamentos do BCE. Muito frequentemente,
as posições e ações que realmente importam são completamente negligenciadas
pela grande mídia.