A Escola Austríaca e a refutação cabal do socialismo
O fracasso do socialismo como princípio de ordenamento social é hoje evidente
para qualquer pessoa sensata e informada -- o que exclui, é claro, os
socialistas. Estes, porém, insistem que
o malogro coletivista foi um mero acidente histórico, que a teoria é
fundamentalmente correta e que pode funcionar no futuro, se presentes as
condições apropriadas. Tentarei
demonstrar nesse texto, recorrendo na medida das minhas limitações aos
ensinamentos da escola austríaca de economia, que absolutamente não é esse o
caso, que a teoria econômica (para não falar dos fundamentos filosóficos,
éticos, sociológicos e políticos!) do socialismo é insustentável em seus
próprios termos, e que ipso facto os resultados calamitosos
constatados pela experiência histórica são, e sempre serão, uma consequência
inevitável de uma ordem (rectius: desordem!) socialista. Não é preciso enfatizar a importância de se
ter plena consciência da natureza perniciosa dessa corrente política e de suas
funestas implicações, uma vez que em nosso país um poderoso movimento
totalitário está muito próximo de tomar o poder.
O erro dos clássicos
O núcleo do pensamento econômico socialista está na concepção do valor como
decorrente do volume de trabalho necessário para a produção das mercadorias, e
isso não só em Marx como também em outros teóricos como Rodbertus, Proudhon
etc. Essa teoria do valor constitui a
premissa elementar da qual a mais-valia e a exploração são deduzidas.
Marx, como se sabe, não inventou a teoria do valor-trabalho. Ela foi exposta bem antes por Adam Smith e David Ricardo e, dada a autoridade desses mestres, ganhou foros de ortodoxia. É difícil entender como esses dois pensadores notáveis, cujas descobertas foram realmente magníficas, puderam fracassar tão cabalmente justamente na questão crucial do valor. Talvez por causa dos avanços das ciências naturais, que estavam revelando propriedades antes insuspeitadas nas coisas, eles imaginaram que era mais "científico" considerar o valor também como um atributo da coisa.
Vários pensadores antes de Smith já tinham tido o insight correto: o valor das coisas depende da avaliação subjetiva de sua utilidade. O valor está na mente dos homens. Hoje se sabe que os filósofos escolásticos e os primeiros economistas franceses, Cantillon e Turgot, haviam concebido uma teoria econômica superior em muitos pontos a dos clássicos britânicos, sobretudo quanto ao valor. Smith e Ricardo, porém, puseram a economia na pista errada com uma teoria do valor falaciosa e, nesse aspecto, causaram um grave retrocesso no pensamento econômico.
Mas
não por muito tempo. Enquanto Marx e outros pensadores socialistas faziam da
teoria objetiva do valor a pedra fundamental de sua doutrina, diversos
estudiosos já haviam constatado o desacerto dessa teoria e, independentemente,
buscavam alternativas. Em todo caso, não seria exagero afirmar que Marx foi um
economista clássico ortodoxo e que seus mestres, Ricardo em especial, podem ser
considerados os fundadores honorários involuntários do socialismo
"científico". Por ironia, o
"revolucionário" Marx foi um conservador extremado em teoria econômica,
enquanto que os economistas "burgueses" austríacos empreenderam uma
verdadeira revolução nesse campo científico.
A redescoberta da subjetividade do valor
Vários economistas, entre eles o austríaco Carl Menger, chegaram basicamente à
mesma conclusão que seus esquecidos antecessores pré-clássicos: o valor é
subjetivo. A teoria subjetiva do valor --
ou teoria da utilidade marginal -- resolve o problema satisfatoriamente, sem
deixar lacunas. O valor nada tem a ver
com a quantidade de trabalho empregada na produção da coisa, mas depende de sua
utilidade para a satisfação de um propósito de uma determinada pessoa. A utilidade decresce à medida que mais
unidades de um dado bem são adquiridas, posto que a primeira unidade é
empregada na função mais urgente segundo a escala de valores de cada um, a
segunda unidade exerce a função imediatamente menos urgente etc.
Para
um sujeito que já tem uma televisão, por exemplo, ter outra já não tem a mesma
urgência -- dito de outra forma, as TVs são idênticas, exigiram a mesma
quantidade de trabalho na sua produção, mas não têm o mesmo valor. Cada indivíduo tem uma escala de valores
diferente, e o que é valioso para um pode não valer nada para outro. Até para o
mesmo indivíduo a utilidade -- e daí o valor -- de um determinado bem varia no
tempo.
Isto posto, é fácil verificar que os preços refletem a interação entre
ofertantes e demandantes, cada um com sua respectiva escala de valores.
Compradores e vendedores potenciais expressam suas preferências no mercado,
condicionadas por suas valorações pessoais e intransferíveis, e dessa interação
surge uma razão de troca, um preço, que vai variando para igualar oferta e
procura ao longo do tempo, de modo que em um determinado instante todos os que
valoram o que querem adquirir (no caso a TV) mais do que o que se propõem a dar
em troca (no caso um preço monetário x) conseguem comprar o produto.
O
fabricante de TVs, segundo Marx, primeiro fabrica o produto e da quantidade de
trabalho por unidade sai o valor e, consequentemente o preço. Isso é
precisamente o inverso do processo real. Na verdade, o fabricante inicialmente faz uma
estimativa de um certo preço que ele espera que atraia compradores e esgote o
estoque -- compradores que valorem mais a TV do que o dinheiro correspondente
ao preço. Em seguida, ele calcula o
custo de produção aos preços correntes e, se for suficientemente inferior à
receita final prevista, aí sim ele contrata e combina os fatores de produção
para obter o produto. Não é pois o
trabalho ou de modo geral o custo de produção que determina o valor e o preço. É justamente o contrário: o preço projetado
determina o custo de produção.
O emaranhado de falácias marxistas
Visando definir o valor com mais rigor do que Ricardo e levar a teoria às suas
últimas consequências lógicas, Marx acaba demonstrando involuntariamente a
invalidade das proposições pertinentes. Como
seus antecessores, Marx distingue entre valor de uso e valor de troca. Para ele, as trocas só ocorrem quando coincide
a quantidade de trabalho empregada no que se dá e no que se recebe. Só há troca, pois, nos termos marxistas,
quando há coincidência de valor, que por sua vez é função do volume de trabalho
despendido. Ocorre que essa linha de
raciocínio logo esbarra em um obstáculo insuperável: o trabalho é heterogêneo.
Na ausência de homegeneidade, não há como tomar o trabalho como unidade de
conta e medida de valor. Marx tenta superar o problema com os conceitos de
trabalho "simples" e trabalho "complexo", fixando uma
proporção entre eles, mas falha totalmente. Como os preços flutuam, Marx
decreta que essas variações são ilusórias; o real é um certo "preço
médio" que equivale ao valor, que equivale ao volume de trabalho
despendido na produção do bem.
Ao procurar fugir da rede de falácias que vai tecendo, Marx incorre em uma
óbvia petição de princípio que até hoje engana os ingênuos: a medida do valor
seria a quantidade de trabalho "socialmente necessário" para a
produção de determinada mercadoria. Ora,
só podemos saber o que é "socialmente necessário" investigando o que
leva os indivíduos que compõem uma sociedade a valorar uma coisa o suficiente
para que sua fabricação seja "socialmente necessária". Por que são produzidos mais CDs de axé do que de
música clássica? Por que o pagode é mais
"socialmente necessário" do que a música erudita? Porque há muito mais gente que gosta de pagode
do que os que preferem música erudita.
Fica claro que o que foi dado como provado, que o valor depende da quantidade de trabalho "socialmente necessário", é precisamente o que se necessita provar. O que é "socialmente necessário"? É aquilo que os indivíduos desejam. Sendo assim, é evidente que temos que procurar o valor das coisas nas preferências individuais, não no custo de produção. Ademais, o trabalho não é o único fator de produção. Marx evidentemente sabe que o trabalho sem o fator terra -- os recursos naturais -- é inútil e vice-versa. Ele assevera que só o trabalho humano cria valor, pois a natureza é passiva.
Mas
se o trabalho isolado é incapaz de criar valor, o que nos impede de afirmar que
o valor depende da quantidade de recursos naturais "socialmente
necessários" à produção disso ou daquilo? E, como toda produção demanda tempo, por que
não pode ser o valor definido como a quantidade de tempo "socialmente
necessário" para a fabricação de uma mercadoria? Nessa ordem de idéias,
mais lógico seria conceber o valor como função da quantidade de trabalho,
terra, tempo e capital "socialmente necessários" para a produção de
um bem. No fim das contas, é isso mesmo que Marx faz no vol. III de O Capital,
relacionando o valor ao custo de produção, contradizendo sua própria concepção
do valor-trabalho exposta no vol. I.
Para a teoria subjetiva, todavia, não há mistério e não há exceções: o
"valor de troca" não é função do trabalho ou do custo de produção, e
jamais pressupõe igualdade de valor. Se
eu dou tanto valor ao que me proponho a trocar quanto ao que me é oferecido,
simplesmente não troco. Só há troca
quando os valores são diferentes, quando cada parte quer mais o que recebe do
que o que dá. O contrato de trabalho não
foge à regra. Cada contratante valora mais o que recebe do que o que dá, logo
não há exploração. De fato, provando-se
a falsidade da teoria do valor-trabalho, invalida-se inexoravelmente a
exploração e a mais valia, e todo o edifício teórico deduzido dessa teoria
desaba como um prédio de Sergio Naya.
Ademais, baseando-se na "lei de ferro dos salários", segundo a qual
sempre que a remuneração do trabalho subisse acima do nível de subsistência os
"proletários" aumentariam a sua prole, trazendo os salários de volta
para o nível de subsistência original, Marx assegurou que o capitalismo
engendrava a miserabilização crescente do proletariado. Trata-se de uma tese
contraditória em seus próprios termos, vez que se a tendência fosse a de que a
remuneração do trabalho permanecesse estagnada num patamar de miséria não
haveria uma miserabilização "crescente", e sim uma
"miserabilidade constante".
Na verdade, o padrão de vida dos trabalhadores não cessou de aumentar nos países capitalistas avançados, o que é o resultado natural da liberdade individual de maximizar a utilidade -- o valor -- nas trocas livres, voluntárias e mutuamente benéficas travadas no que se chama economia de mercado. A consequente acumulação de capital investido per capita em grau maior do que o aumento demográfico da força de trabalho torna o trabalho cada vez mais escasso em relação ao capital -- e os salários reais cada vez mais altos.
Marx, como é comum entre os intelectuais, odiava a divisão do trabalho. Mas foi o aprofundamento da divisão do trabalho que permitiu o aumento da produtividade do trabalho e o consequente aumento do poder aquisitivo real dos salários. O "alienado" operário que aperta parafusos na linha de montagem é recompensado pelo fato de que a produtividade do seu trabalho é tal que lhe permite adquirir produtos antes sequer existentes e ter um padrão de vida muito superior ao artesão autônomo do passado que controlava todo o processo de produção.
Marx
acreditava que a livre concorrência levaria a uma superconcentração do capital.
Na verdade, a concorrência força sem parar a redução de custos e preços,
resultando em uma melhor utilização de recursos escassos e os liberando para
emprego em novas linhas de produção. Marx
não distinguiu o capitalista do empreendedor. Na realidade, capitalista é todo aquele que
consome menos do que produz -- que poupa. Hoje, nos países civilizados, os trabalhadores
são capitalistas e suas poupanças reunidas em grandes fundos de pensão e
investimentos capitalizam empresas no mundo todo. O empreendedor é todo aquele
que vislumbra um desequilíbrio entre a valoração corrente de custos e preços
futuros de um produto qualquer, e enxerga nele uma oportunidade de oferecer aos
consumidores coisas que eles valoram mais do que o seu custo de produção. A figura do empreendedor é insubstituível -- o
estado não pode exercer esse papel. Isso
os comunistas (e não apenas os comunistas!) puderam verificar na prática, para
sua tristeza.
No sistema de Marx, como vimos, as trocas pressupõem igualdade de valor entre
os bens negociados. Acontece que, como demonstrado acima, as trocas pressupõem
precisamente o contrário: desigualdade de valor. Ou não há troca alguma. Assim, se a realidade se comportasse como na
teoria de Marx, não haveria trocas. Na realidade, ninguém trabalharia sequer
para si mesmo, posto que tal atividade envolve uma substituição de um estado
atual considerado pelo agente como insatisfatório por um estado futuro reputado
como mais satisfatório. Quer dizer, até
o trabalho autônomo envolve uma troca e valores desiguais. O mundo de Marx
seria povoado por seres autárquicos, autísticos e estáticos. Um mundo morto. Não admira que os regimes socialistas sofram
invariavelmente de uma tendência para a completa estagnação e paralisia da
atividade econômica.
A lei da preferência temporal
Outra descoberta fundamental, feita por um discípulo de Carl Menger chamado
Eugen von Bohm-Bawerk, relaciona-se com a influência do tempo no processo
produtivo. Ele percebeu uma categoria
universal da ação humana: as pessoas dão mais valor a um bem no presente do que
o mesmo bem no futuro, posto que o tempo é escasso, e logo é um bem econômico. Os indivíduos ao agirem elegem determinados
fins e quanto mais cedo puderem alcançá-los, melhor.
Partindo
desse axioma, ele obteve a explicação definitiva do fenômeno do juro, e mais,
que o juro nas operações de crédito financeiras é um caso especial de um
fenômeno geral. A produção demanda
tempo; do início da produção até a venda do produto há uma demora, sem falar no
risco de o produto não ser vendido. Ocorre
que ninguém quer esperar até que a venda ocorra para receber sua parte no total
-- isso se a venda realmente acontecer, e o preço for recompensador. Os proprietários dos fatores de produção -- os
trabalhadores, os proprietários do espaço alugado, os fornecedores de insumos,
os donos dos bens de capital -- querem receber logo sua parte sem partilhar dos
riscos. Dito de outra forma, eles
preferem bens presentes a bens futuros. Mas os bens presentes sofrem um
desconto. Daí receberem menos agora do
que receberiam no futuro. Ficam livres
do risco, que é assumido pelo empreendedor e pelos poupadores que lhe
outorgaram seus recursos.
A parcela que um determinado trabalhador agrega ao produto final -- o valor do
produto marginal, como dizem os economistas -- pode ou não ser remunerado
integralmente. Há frequentemente casos em que o trabalhador recebe mais do que
produziu, quando o preço não cobre os custos, o que não tem explicação pela
teoria marxista. O capitalista paga a mais-valia ao proletário! O que é certo é que na economia de mercado há
forças operando incessantemente para igualar o salário ao valor do produto
marginal. Tanto o lucro quanto o prejuízo são sinais de desequilíbrio. Os prejuízos
significam que os compradores não valoram um determinado bem mais do que o dispêndio
mínimo corrente para produzi-lo. Os
trabalhadores estão recebendo mais do que o seu trabalho produz. O empresário tem que reduzir custos para
reduzir o preço do seu produto, ou quebra.
O
lucro significa que os consumidores valoram um dado bem a um dado preço mais do
que o custo de produzi-lo. Os
trabalhadores estão recebendo menos do que o valor do produto marginal. Isso quer dizer que os compradores querem mais
desse produto. O retorno alto atrai a
concorrência, o que aumenta a demanda por fatores de produção -- trabalho
incluso -- e faz cair o preço pelo aumento da oferta do produto. A taxa de lucro baixa e os salários tendem a
igualar o valor do produto marginal, descontada a taxa social de preferência
temporal -- o juro.
Marx nunca compreendeu -- ou não quis compreender -- que o empreendedor é um
preposto dos consumidores e que são estes quem determinam indiretamente o nível
de remuneração dos fatores de produção -- salários inclusos. A tarefa dos empreendedores é satisfazer os
caprichos dos consumidores. Nessa função
ele deve assumir riscos pois o futuro é sempre incerto. Nota-se, pois, o absurdo da condenação da
produção "para o lucro" pelos marxistas vulgares e sua veneração pela
produção "para o uso". Sucede
que toda produção sempre tem por fim o consumo, i.e., o uso. A produção não é
um fim em si mesmo, e sim um meio para se alcançar um fim: o consumo. O lucro e
as perdas monetários são sinais fundamentais que orientam os empresários a
organizar eficientemente a produção de modo a satisfazer os usos mais
urgentemente desejados pelos usuários (pressupondo-se a ausência de privilégios
concedidos pelo governo aos produtores em detrimento dos consumidores, tais
como tarifas, monopólios, subsídios, licenças etc).
A lei da preferência temporal exerce um papel determinante no processo produtivo. Se todos os proprietários de fatores (os empregados donos de sua força de trabalho, os fornecedores de insumos, o proprietário do espaço onde a fábrica ou loja se situa, os capitalistas) decidissem partilhar do risco e aguardar até a efetiva venda do produto final total para então dividirem pro rata a receita total, todos eles seriam empreendedores. Como, porém, o ser humano prefere o mesmo bem agora ao futuro (que é sempre incerto), surge a necessidade social de que um indivíduo, ou grupo de indivíduos reunidos (empresa), exerça essa função empreendedorial, que é absolutamente indispensável para o progresso da sociedade.
O
empreendedor, assim, paga agora aos proprietários de fatores com bens presentes
em troca de receber os mesmos bens (dinheiro) no futuro, correndo o risco de
não receber. Esse desconto dos bens presentes em termos de bens futuros, como
já assinalado, é o que se chama de juro.
A impossibilidade do cálculo econômico no socialismo
Tendo demonstrado satisfatoriamente que a crítica marxista ao capitalismo é
inteiramente equivocada, resta empreender por nosso turno a crítica ao sistema
socialista, conforme idealizado por Marx, seus sucessores e outras correntes
socialistas. Esse sistema exige a propriedade pública dos meios de produção --
terra, trabalho e capital -- e o consequente planejamento central de todas as
atividades econômicas.
A
primeira objeção que vem à mente é a questão dos incentivos: quem planeja e
quem obedece às ordens do planejador ou planejadores? Quem determina o padrão de remuneração dos
serviços e que padrão é esse? Numa
sociedade que se presume igualitária, a remuneração deve ser igual para todos
os tipos de trabalho? Nesse caso, o
neurocirurgião terá o mesmo incentivo para exercer suas funções que o
lixeiro? Segundo os marxistas, cada um
contribui para a coletividade segundo as suas possibilidades e recebe de um
fundo comum segundo suas necessidades. Já é possível até aqui imaginar a
complexidade do problema.
Pois um discípulo de Bohm-Bawerk, Ludwig von Mises, foi mais além, atingindo a
raiz do problema do socialismo, que é ainda mais profunda do que a complicação
dos incentivos permite vislumbrar. Mises descobriu que a
atividade econômica em uma economia complexa depende de um cálculo prévio que
leve em conta os preços monetários dos fatores de produção. Impossível esse
cálculo, impossível a atividade econômica.
Ocorre que, em uma sociedade socialista pura, todos os fatores de produção pertencem a um único dono: o estado. Sem propriedade privada, os fatores de produção não são trocados e, logo, não têm preço. A escassez relativa dos fatores de produção e seus usos alternativos fica oculta e o planejador central inexoravelmente é levado a agir às cegas. Mises admitiu, para argumentar, que a questão dos incentivos não apresentasse nenhum obstáculo, que todos se empenhassem diligentemente em suas tarefas. Ou seja, postula-se que a natureza humana seja aquela que os teóricos socialistas quiserem que ela seja, não o que ela de fato é. Mesmo assim, na ausência de preços para os fatores de produção, o cálculo econômico é impossível e a atividade econômica se torna caótica, vez que não se pode discernir entre os vários tipos de combinação de fatores aquele que é o mais econômico.
Dado um determinado estado de conhecimento tecnológico, sempre existem inúmeras maneiras de se empreender um projeto econômico qualquer, digamos uma siderúrgica, mas somente se a escassez relativa dos fatores de produção for expressa em preços monetários será possível escolher dentre as soluções técnicas possíveis aquela que é mais econômica, ou seja, a que representa os menores custos em relação ao preço futuro do produto final, e só assim será possível avaliar ex ante se o projeto sequer é economicamente viável no momento.
Como
nada disso é a priori possível em uma
sociedade socialista, todos os empreendimentos tocados pelo estado não passam
de um gigantesco desperdício de recursos que mais cedo ou mais tarde leva ao
colapso econômico. A experiência
comunista comprovou tudo isso, muito embora não tenha nunca existido uma
sociedade socialista realmente pura. A
URSS podia usar o sistema de preços do mundo capitalista como referência e
copiar seus métodos de produção, e um florescente e gigantesco mercado negro
supria até certo ponto as monumentais falhas do planejamento estatal. Mesmo
assim, a economia soviética sempre foi um caos. Funcionou por algum tempo graças ao uso
sistemático do terror como "incentivo". Mas o terror não pode durar para sempre. Quando arrefeceu, foi-se o incentivo e a
economia comunista anquilosou rapidamente e morreu.
A natureza dispersa do conhecimento
A crítica de Mises publicada em 1920 causou consternação na intelligentsia socialista.
Ao menos o desafio foi levado a sério e muitas respostas foram aventadas. Nos anos 1930, alguns economistas socialistas
(Oskar Lange, Abba Lerner) formularam a teoria do "socialismo de
mercado", baseada nas idéias do economista do século XIX Léon Walras, que
concebeu um método de equações matemáticas capazes de permitir a compreensão do
estado geral de equilíbrio de uma economia. Tudo o que se fazia necessário, pois, era
outorgar certa autonomia aos gerentes das unidades produtivas de modo que
igualassem o preço do produto ao custo marginal para que o comunismo
funcionasse tão bem como o capitalismo.
Muitos
economistas liberais eminentes, como Joseph Schumpeter e Frank Knight,
aceitaram a validade dessa solução e se convenceram de que não havia obstáculos
econômicos ao socialismo. Ainda outro
economista austríaco, contudo, Friedrich Hayek, discípulo de Mises, desenvolveu
certos aspectos implícitos na análise de seu mestre para refutar a
"solução" socialista. O
esquema walrasiano padece de um defeito fatal: é estático. O conhecimento técnico, os recursos e as
informações são considerados dados no sistema. Hayek argumentou que o conhecimento é disperso
na sociedade e a sua utilização racional é levada a efeito por cada indivíduo
traçando seus próprios planos segundo circunstâncias personalíssimas e
intransferíveis. O mercado coordena
esses planos espontaneamente, sobretudo por intermédio do sistema de preços, de
forma muito mais racional e útil do que um planejamento central poderia esperar
fazer. O planejamento central implica a supressão dos planos individuais. Os indivíduos tornam-se instrumentos do
planejador central, mas esse não pode ter jamais a esperança de coordenar a
produção racionalmente. O estado de equilíbrio é uma quimera que não tem lugar
no mundo real, dinâmico por natureza, e o conhecimento, as oportunidades e a
informação nunca estão "dados". Ao contrário, estão sendo incessantemente
criados e ampliados através das iniciativa individuais e suas interações.
Mesmo assim, Mises e Hayek foram tidos como refutados e relegados ao ostracismo
pela comunidade dos economistas. Mises
morreu esquecido em 1973, mas Hayek viveu o suficiente para rir por último
quando o comunismo soçobrou e todas as análises de ambos se revelaram certas. Ele morreu em 1992, após testemunhar a queda
do Muro de Berlim e o colapso soviético.
Conclusão
Provar que na economia de mercado não existe mais-valia nem exploração,
todavia, não é o mesmo que dizer que a exploração não existe. Existe. Ela ocorre quando somos forçados a dar alguma
coisa em troca de nada, como no caso dos tributos recolhidos pelo estado. O estado é a máquina perfeita de exploração. E o marxismo, por conferir um poder absoluto
ao estado, é o veículo insuperável da exploração sistematizada.
A
doutrina socialista por ser intrinsecamente falsa leva inevitavelmente a uma
perversão e inversão do sentido das palavras, como notou Orwell -- por ironia
ele mesmo um socialista convicto. Liberdade
é escravidão e escravidão é liberdade; democracia é ditadura e ditadura é
democracia; cooperação voluntária é coerção e coerção é cooperação voluntária. O estado socialista é dono de tudo, o que
traduz a triste realidade de que os que comandam o governo são os senhores
implacáveis, os proprietários absolutos dos comandados. Socialismo é mais do que uma restauração da
escravidão; é seu aperfeiçoamento e culminância.
Vale lembrar ainda que a análise acima vale para qualquer espécie de
socialismo, seja o comunismo (socialismo de classe), nazismo (socialismo de
raça) ou fascismo (socialismo de nação).
Tudo o que foi exposto aqui é conhecido há décadas. Contudo, pouca gente sabe pois a intelligentsia de
esquerda bloqueia a sua divulgação. É
uma vergonha, pois uma das tarefas principais dos intelectuais -- os que se
dedicam ao estudo das idéias -- deveria ser justamente a de esclarecer a
sociedade a respeito das idéias certas a serem adotadas para o bem comum, e
advertir do perigo de se aceitar teorias erradas. Mas não é isso que acontece, infelizmente.
Parece que os intelectuais sofrem de uma propensão irreprimível para o socialismo, certamente porque nele vislumbram a chance de empalmar o poder absoluto em causa própria. Em termos marxistas, o próprio marxismo não passa de ideologia, a falsa consciência, que uma classe -- a intelligentsia -- difunde em função de seus próprios interesses. Essas falsas idéias se propagam e iludem -- alienam -- as futuras vítimas da classe "revolucionária". É um dever inadiável de todo cidadão consciente denunciar esse esquema podre, desmascarar a falácia socialista e esclarecer a opinião pública na medida de suas possibilidades.
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Leituras indispensáveis que complementam o artigo acima (obrigatórias para aqueles que adoram vir aqui insultar):
O cálculo econômico sob o socialismo
O que é realmente o socialismo e qual o seu maior problema
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