A
denúncia dos males provocados pelos monopólios sempre foi uma das tarefas
centrais da teoria econômica. A despeito disso, o economista moderno defende
com surpreendente frequência esquemas que envolvem monopólios. Como isso é
possível?
Por
que tão poucos economistas preferem mercados livres a privatizações
acompanhadas de regulação rígida? Se de fato as firmas não têm interesse em
ofertar bens ditos públicos, por que tanto zelo em proibir que elas tentem? Por
que os economistas se irritam tanto diante da simples menção à proposta de
Hayek de introduzir competição na esfera monetária? Por que tanta relutância
para aplicar a teoria de monopólio na atividade política e estatal?
Existem
várias causas para esse fenômeno, algumas das quais explorarei neste artigo. Argumentarei
que certos aspectos da evolução da teoria econômica fizeram com que o monopólio
passasse a ser considerado, na visão dos economistas, um predador banguela, na
medida em que a teoria econômica moderna alimenta a impressão de que os
monopólios poderiam ser satisfatoriamente regulados e utilizados para melhorar
o desempenho que seria obtido em mercados livres "imperfeitos".
Em
termos mais específicos, destacarei duas características da teoria
microeconômica que sustentam a ilusão de monopólios domáveis pela regulação:
(i) a crença de que as curvas de custos da teoria de equilíbrio estático teriam
contrapartidas literais no mundo real, de modo que poderiam ser estimadas
empiricamente e (ii) a crença de que essas curvas de custo seriam invariantes em
relação à estrutura de mercado, ou seja, o conhecimento a respeito das formas
mais baratas de produzir um bem não dependeria da existência de um grau maior
ou menor de competição.
Em
termos mais gerais, essas duas características são derivadas (a) do gradual
abandono de uma concepção de competição associada à ideia de rivalidade em
favor de outra calcada na noção de equilíbrio, (b) do gradual abandono de uma
concepção institucionalista de economia em favor de outra calcada na busca pela
especialização técnica e (c) do gradual abandono de uma concepção metodológica
que interpretava as relações teóricas como entidades abstratas em favor de
outra calcada na busca de conceitos empiricamente operacionais.
Em
termos mais abstratos, essas três tendências são redutíveis a uma só: o
progressivo domínio da visão de mundo positivista na Economia. Para que essas
afirmações todas sejam entendidas e discutidas, façamos o caminho de volta:
examinarei inicialmente as tendências (a), (b) e (c) ao longo do
desenvolvimento da teoria de competição e monopólio e em seguida criticarei as
características (i) e (ii).
Ao
longo da evolução da teoria, a variação no tratamento dado ao monopólio reflete
a mudança gradual que sofreu a noção de competição: de processo de rivalidade
empresarial a uma alocação de equilíbrio eficiente, obtida sob as hipóteses de
produto homogêneo, livre entrada e conhecimento perfeito.[1]
Durante
o período da escola clássica, a partir de Adam Smith, a crítica aos monopólios
tratava em larga medida de monopólios legais: as regulações impostas pelos
governos, tanto no comércio exterior quanto nos mercados internos de cada país,
refletiam a busca por privilégios monopolísticos, que bloqueavam a atividade
competitiva. Esta última, por sua vez, era essencialmente vista como a
atividade pela qual os empresários rivalizavam entre si na tentativa de lucrar
com sua produção oferecida aos consumidores.
Depois
da revolução marginalista de 1871, a compreensão de como isso é feito foi
aprofundada: a nova teoria do valor mostrou como os recursos escassos de uma
sociedade tendem a ser alocados às necessidades mais urgentes, com o auxílio do
sistema de preços. Essa nova concepção apenas reforçou a visão clássica de
competição: em um mercado competitivo os empresários são livres para sugerir
aos consumidores diferentes usos possíveis dos limitados recursos e o lucro é a
recompensa aos empresários que melhor antecipam as soluções que geram mais
valor do que o custo de oportunidade dos recursos empregados. O monopólio, como
antes, é associado às restrições impostas pela regulação estatal ao processo
competitivo de experimentação e não pela busca de equilíbrios competitivos eficientes.
De fato, como relata DiLorenzo[2], a
implementação da legislação antitruste nos Estados Unidos no final do século
dezenove não refletiu a opinião dos economistas do período, que não
consideravam a mera concentração de firmas em um instante do tempo ou outras
coisas que viriam a ser violações a lei antitruste como ameaças ao processo
rival de competição.
A
partir da década de trinta, porém, com a formalização da Economia, a
preocupação exclusiva com a descrição do equilíbrio competitivo
fez com que aatividade competitiva fosse ignorada. A competição
deixou de ser um verbo para descrever um estado: um mercado competitivo seria
aquele caracterizado pelo preço igual ao custo marginal de produção. Com isso,
os economistas deixaram de perceber que os dados descritos pela teoria de
equilíbrio não existiriam sem a atividade competitiva que antecede o
equilíbrio. Práticas como publicidade ou a experimentação com qualidade e
preços, antes vistas como parte essencial do processo competitivo, passaram a
ser vistas como sinais de atividade anticompetitiva. A visão clássica de
competição, abandonada a partir de então, sobreviveu na teoria moderna apenas entre
os austríacos, que não aderiram a revolução formalista na disciplina.
O
formalismo moderno, por outro lado, favoreceu o abandono de uma visão de mundo
institucionalista que caracterizava a economia até então. A obtenção de
alocações eficientes nos mercados passou a ser vista como um problema técnico.
Isso permitiu que economistas pudessem ignorar o entorno institucional, como se
este fosse uma questão à parte do problema técnico de encontrar soluções
alocativas eficientes. Confiar a uma instituição estatal, monopolista, a tarefa
de regulação do monopólio deixou então de soar paradoxal.
Finalmente,
associado a esse tecnicismo temos o abandono da postura filosófica tradicional
a respeito da natureza da teoria econômica, em favor de uma interpretação
positivista dessa ciência. Para autores como Mill, Senior, Menger, Keynes (pai
e filho) ou Hayek, representantes da tradição antiga, as relações entre as
variáveis da teoria não representam grandezas observáveis na prática, mas
apenas relações abstratas, que desconsideram todas as outras variáveis que
influenciam o fenômeno complexo concreto estudado pela economia. Para esses
autores, a teoria pura teria caráter puramente "algébrico"[3],
na medida em que nunca poderíamos substituir valores concretos nas fórmulas.
Nessa
ótica, tudo o que um economista quer dizer quando afirma que uma curva de custo
médio de curto prazo tem forma de U é que, em uma determinada planta industrial
de tamanho fixo, produzir nela apenas algumas unidades ou uma quantidade muito
grande seria muito caro (pois o custo fixo médio seria alto no primeiro caso e
o custo variável médio seria alto no segundo), de modo que existe uma quantidade
intermediária que é produzida a custo unitário menor. Isso não significa, no
entanto, que possamos conhecer a forma concreta da curva, digamos, por uma
auditoria. Hayek nota que o economista moderno tende a confundir o conhecimento
abstrato do teórico com o conhecimento prático do agente, ignorando o fato
trivial de que minimizar custos é uma batalha diária. Na verdade, não existiria
algo como "a" função de produção do setor e portanto uma relação bem conhecida
denominada função custo: a cada instante os dados locais se alteram, de modo
que, se o gerente ligasse o "piloto automático" e saísse de férias, as curvas
de custo rapidamente se deslocariam para cima!
A
partir da década de trinta, porém, influenciados por uma visão operacionalista
de ciência, as grandezas econômicas passaram a fazer sentido apenas quando
mensuráveis em
princípio. Temos então economistas sugerindo que o estado,
por meio de mandamentos centrais, regule o comportamento das firmas de forma a
emular o equilíbrio competitivo, ordenando que as firmas produzam até que o
custo marginal (CMg) se iguale ao preço. Mas, pergunta Hayek, como as firmas
conheceriam o custo que prevaleceria em competição, se o processo competitivo
necessário para que isso fosse conhecido foi bloqueado pela regulação? Nesse
ponto, o analista moderno, por falta de sofisticação filosófica, comete uma
petição de princípio: supõe conhecido de início a própria solução do problema
alocativo.
Esse
erro ignora a assimetria entre explicação e previsão no que se refere à análise
de fenômenos complexos: quando a tarefa era explicar o funcionamento dos
mercados, podemos utilizar as curvas usuais na interpretação algébrica. Quando
a tarefa é substituir ou regular os mercados, porém, é necessário que tais
curvas sejam interpretadas de forma operacional. As duas interpretações
metodológicas contrárias, porém, convivem na visão de mundo do economista
moderno. Tome como ilustração o problema do controle de preços, ilustrado na
figura. Em um mercado competitivo, o economista mostra que um controle de
preços não funciona, pois se o preço for fixo em B, por exemplo, a demanda (D)
será maior do que a oferta (S). Para o argumento, não importa o conteúdo
concreto das curvas de demanda e custos. Afinal, se essas curvas fossem
conhecidas, poderíamos dispensar o uso do sistema de preços! Só faz sentido a
liberdade no mercado porque de fato desconhecemos os custos e benefícios
envolvidos.

Agora,
considere no gráfico da direita uma firma monopolista operando em regime de
concessão pública. O gráfico ainda é útil para dizer que o preço de monopólio C
será superior ao competitivo D, coeteris paribus. O problema surge
quando o economista acredita que, como regulador, poderia forçar a firma a
operar em D. Isso,
como vimos, requer duas ilusões. Em primeiro lugar, reguladores e regulados
precisam conhecer as magnitudes envolvidas no mundo real, o que não é possível
em um sistema econômico minimamente complexo, cujos fundamentos se alteram a
cada instante. Em segundo lugar, é necessário nutrir a esperança de que essa
economia seja habitada por anjos que não irão regular o preço em C, maximizando
o lucro do monopolista, repartido entre reguladores e regulados. Nem a retomada
desse tema clássico pela moderna escola da escolha pública, porém, demove o
economista de sua fé na capacidade de controlar (de forma monopolista) os
monopólios.
Vista
a primeira característica da microeconomia moderna que facilita a crença de que
monopólios podem ser domados, a saber, a crença de que as curvas de custo da
teoria podem ser observadas na realidade, passamos agora a considerar a
segunda, que afirma que os custos não dependem da estrutura de mercado. Essas
duas características podem ser ilustrada por meio de uma disparate encontrado
em qualquer livro-texto da área: "se o governo fixar o preço de um bem, o
monopolista passa a se comportar como se fosse uma firma competitiva,
produzindo até que o custo marginal seja igual a esse preço".
Se
o governo de fato conhecesse todas as curvas do nosso diagrama da direita, isso
teria sentido. Mas por que a análise do diagrama anterior deixou de valer? Se
as curvas se alterarem continuamente, poderíamos ter por exemplo um preço fixo
menor do que D e teríamos novamente um excesso de demanda. Será que ao longo do
tempo teríamos efetivamente alocações mais eficientes?
Além
disso, imaginar que os custos unitários de produzir em monopólio seriam
idênticos aos custos que ocorreriam sob competição é algo que soa
verdadeiramente extraordinário para alguém não comprometido com a teoria, mas é
algo necessário para que o dirigismo inerente à visão tradicional seja mantido.
Se os custos fossem dados de forma automática, de forma independente da
atividade empresarial, poderiam-se expurgar da teoria as características
necessárias para que a competição de fato ocorra, como a propriedade privada,
que permite a liberdade para experimentar cursos de ação não imaginados
anteriormente.
Aqui,
entram em contraste as visões austríaca e neoclássica sobre competição. Para a
primeira, o mercado funciona como um processo de descoberta e a competição é um
estímulo à atividade empresarial que busca novas formas de melhor atender às
necessidades dos consumidores. Para a segunda, por outro lado, não existe nada
a ser descoberto: os agentes sempre maximizam funções conhecidas e o mercado é
apenas um mecanismo de computação. Ao dispensar a função empresarial, relegada
a uma análise exógena da inovação, esta concepção burocratiza o funcionamento
dos mercados, de modo a abrir caminho para uma análise que ignora os problemas
gerados por monopólios dirigidos, tornando possível a crença de que as "falhas
de mercado" poderiam ser corrigidas por monopólios regulados.
[1] Para uma
excelente história da transformação da noção de competição, ver MACHOVEC, F.M. Perfect
Competition and the Trasformation of Economics. Londres: Routledge, 1995.
[2] DiLORENZO,
T. The Origins of Antitrust: an interest-group perspective.International
Review of Law and Economics, vol. 5, pp. 1985.
[3] HAYEK,
F.A. The Theory of Complex Phenomena, in Studies in Philosophy,
Politics and Economics, London, UK: Routledge & Kegan Paul. 1967, nota
de rodapé 14.
Publicado originalmente no site do Ordem Livre.