Em
um artigo seminal publicado em 1920,
"O cálculo econômico sob o
socialismo", Ludwig von Mises demonstrou que existe apenas uma única
maneira de se saber se a produção de algo gera um benefício para a sociedade
como um todo: os recursos, quando utilizados para produzir um bem que satisfaça
as preferências de algumas pessoas, têm de ter um valor maior do que quando
utilizados para produzir um outro bem que satisfaça as preferências de outras
pessoas. Quando esta premissa é
satisfeita, o produtor obtém lucros; quando ela não é observada, o produtor
colhe prejuízos.
A
produção deixada a cargo do mercado é a única que satisfaz o teste de lucros e
prejuízos, o qual mostra se uma produção é socialmente benéfica ou não. Esta é a implicação do famoso argumento de
Mises de que planejadores centrais não têm como utilizar de maneira eficaz e racional os
recursos de uma sociedade.
Para
que Tim Cook [atual presidente da Apple]
possa obter chips computacionais, vidros para as telas de seus iPads,
mão-de-obra e outros recursos para fabricar seus produtos, ele tem de oferecer
preços que sejam altos o suficiente para conseguir retirar estes recursos de outros
empreendedores que, caso contrário, teriam utilizado estes recursos para
produzir outros bens. Ao incorrer nestes
custos de produção, a Apple compensa os proprietários destes recursos em um
montante maior do que o valor dos outros bens que eles poderiam ter produzido
para satisfazer um outro grupo de consumidores.
A Apple, então, utiliza estes recursos para produzir iPads, que são valorados
muito favoravelmente por seus consumidores, como demonstrado pelo fato de que
suas vendas geram receitas para a Apple mais do que suficiente para cobrir seus
custos.
O
teste de lucros e prejuízos se aplica a toda e qualquer produção feita no
mercado, inclusive a mineração de ouro e a cunhagem de moedas. Uma empresas mineradora de ouro irá produzir
sempre que as receitas da venda de seu produto excederem os custos da compra de
fatores de produção necessários para produzir seu produto. Nesta situação, a empresa irá oferecer
salários altos o suficiente para retirar mão-de-obra de outros setores da
economia, bem como preços altos o suficiente para retirar equipamentos de
mineração e outros recursos daquelas aplicações que os consumidores atualmente
consideram menos valiosas, e irá direcionar esta mão-de-obra, estes
equipamentos de mineração e estes outros recursos para o setor de mineração de
ouro, o qual os consumidores consideram mais valioso.
Uma
empresa que faz cunhagem de moedas de ouro irá produzir sempre que as receitas
da venda de seus serviços de certificação de ouro forem maiores que os custos
de compra de seus fatores de produção. A
empresa irá igualmente retirar mão-de-obra, equipamentos de cunhagem, terra e
outros recursos de aplicações que os consumidores atualmente consideram menos
valiosas e direcioná-los para a cunhagem de moedas, atividade esta que os
consumidores atualmente consideram mais valiosa.
Assim
como a produção de todos os outros bens, a produção de dinheiro, quando deixada
a cargo do mercado, é regulada pelo sistema de lucros e prejuízos. Uma quantidade adicional de dinheiro será
produzida quando a demanda por dinheiro aumentar ou quando a demanda por outros
bens produzidos com estes mesmos recursos diminuir. Se a demanda por dinheiro aumentar, o valor
das moedas de ouro irá aumentar. Ato
contínuo, as empresas de cunhagem de moedas irão aumentar a produção para capturar
este lucro adicional. À medida que elas
aumentassem oferta de serviços de certificação de ouro, o preço deste serviço
iria diminuir; e à medida que sua demanda por recursos que possibilitam a
certificação de ouro aumentasse, os preços destes recursos subiriam e os lucros
seriam dissipados.
Se
a demanda por outros bens diminuísse, os preços de seus fatores de produção
diminuiriam. Empresas mineradoras de
ouro iriam aproveitar esta queda nos preços dos fatores de produção para
aumentar sua produção e, com isso, aumentar seus lucros. Ao fazerem isso, os lucros oriundos de uma
produção adicional serão eliminados.
Desta maneira, a produção de dinheiro no mercado sempre será socialmente
ótima. Foi por isso que Mises disse que
fazer com que a produção de dinheiro se desse de acordo com a lucratividade da
atividade e não com politicagens não era um defeito do padrão-ouro; era a sua
principal virtude.
O
teste de lucros e prejuízos também se aplica à produção de substitutos monetários
no mercado. Substitutos monetários — ou
certificados de dinheiro — são títulos de propriedade sobre o dinheiro
metálico. Eles são emitidos por bancos e
servem como substitutos para o dinheiro-commodity. As pessoas podem considerar mais conveniente
e seguro utilizar contas-correntes bancárias em vez de terem de carregar
dinheiro metálico consigo quando forem transacionar. Neste caso, os bancos irão criar e manter
contas-correntes para seus clientes caso eles estejam dispostos a pagar tarifas
bancárias que gerem receitas suficientes para cobrir os custos da administração
de tais contas. Se a demanda por
contas-correntes aumentar, os bancos irão expandir sua oferta para capturar
este lucro adicional. À medida que eles
aumentarem sua oferta de serviços de conta-corrente, as tarifas irão
diminuir. E à medida que eles aumentarem
sua demanda por recursos necessários para a administração de contas-correntes, os
preços destes recursos subirão. Como
consequência, os lucros serão dissipados e a produção adicional deste serviço
seria interrompida em um ponto socialmente ótimo.
O
teste de lucros e prejuízos também se aplica à intermediação financeira. Bancos efetuam a função de intermediadores no
mercado de crédito ao pegarem emprestado recursos de poupadores e emprestarem
estes recursos a investidores. Bancos agrupam
a poupança de seus clientes, verificam a solvência e o histórico de crédito de
investidores, e assumem o risco de calotes.
Se os clientes dos bancos considerarem tais serviços valiosos, então
eles, ao emprestarem sua poupança aos bancos, estarão dispostos a aceitar taxas
de juros menores do que aquelas que os investidores estarão dispostos a pagar
aos bancos para obterem recursos emprestados.
Os
bancos fornecerão serviços de intermediação financeira se as receitas obtidas
com este diferencial de juros forem altas o bastante para cobrir os custos
deste serviço. Se a demanda por estes
serviços aumentar, os bancos irão aumentar sua produção. O aumento de sua demanda por poupança de
poupadores irá aumentar os juros que eles estarão dispostos a pagar aos
poupadores, e o aumento da oferta de poupança para investidores irá reduzir os
juros que os bancos cobrarão deles. Haverá
uma redução no diferencial de juros. O
contínuo aumento desta demanda por recursos dos poupadores irá aumentar o preço
pago por esta poupança até que finalmente os lucros sejam dissipados e a
produção adicional deste serviço de intermediação seja interrompida no ponto
socialmente ótimo.
Ao
sujeitar toda a produção, inclusive a de dinheiro e de serviços bancários, ao
teste de lucros e prejuízos, o mercado produz um sistema integrado de produção
que economiza otimamente o uso de todos os recursos da sociedade como um todo.
Inflação monetária e expansão do crédito
Uma
moeda elástica, que pode ser produzida a custos ínfimos e de acordo com
conveniências políticas, rompe toda esta integração da produção no mercado,
pois é um elemento alheio ao teste de lucros e prejuízos. Uma moeda elástica possui duas
características: um banco central com autonomia de poder para emitir
papel-moeda fiduciário e de curso forçado e bancos comerciais autorizados a
emitir meios fiduciários.
A
produção de papel-moeda fiduciário e de curso forçado não pode ser regulada
pelo sistema de lucros e prejuízos. É e
sempre será lucrativo produzir dinheiro de papel. O custo médio de produção de um cédula de
dinheiro é de $0,091. Sendo assim, um lucro
de aproximadamente $4,90 pode ser obtido com a simples impressão de uma cédula
de $5. Se o banco central continuar
ordenando a impressão de cédulas de dinheiro enquanto tal atividade for
lucrativa, então, no final, os preços dos fatores de produção necessários para
a produção irão subir a tal ponto que custaria mais de $5 imprimir uma cédula
de $5. Consequentemente, o banco central
ordenaria a impressão de cédulas de $20, depois de $50 e daí por diante,
indefinidamente, exatamente como vimos em hiperinflações como as do Zimbábue
recentemente, da Alemanha da década de 1920, da Hungria da década de 1940 e do
Brasil nos anos 1980 e 1990. Para evitar
a destruição da hiperinflação, a produção de papel-moeda fiduciário e de curso
forçado tem de ser regulada por políticas, adotando-se regras que serão
inevitavelmente arbitrárias com relação ao uso de recursos escassos da
sociedade como um todo.
Da
mesma maneira, a produção de meios fiduciários não pode ser regulada pelo
sistema de lucros e prejuízos. Meios fiduciários são títulos
de restituição em dinheiro lastreados apenas fracionadamente por uma reserva de
dinheiro. São depósitos bancários que
podem ser utilizados como meios de pagamento e que não estão lastreados por
dinheiro padrão, seja esse dinheiro alguma commodity como ouro ou simplesmente
cédulas de papel-moeda. Ou seja, trata-se da moeda escritural que não tem
nenhuma reserva lastreando-a, pois foi criada do nada pelo sistema
bancário. Os bancos criam meios fiduciários ao criarem empréstimos. Por exemplo, um cliente vai ao seu banco e
pede um empréstimo de $40.000 para a compra de um automóvel. Se o banco concordar em conceder o
empréstimo, ele simplesmente cria um saldo de $40.000 na conta-corrente deste
cliente. Tal empréstimo irá gerar uma
receita de juros para o banco ao mesmo tempo em que o custo de criação de meios
fiduciários é simbólico. Sempre será
lucrativo para um banco criar outro empréstimo emitindo mais meios
fiduciários. Se, por ser esta uma
atividade lucrativa, um banco continuar emitindo meios fiduciários por meio da
criação de mais crédito, ele tenderá a se tornar ilíquido e insolvente, pois
haverá uma grande demanda pela restituição destes meios fiduciários em dinheiro
padrão. Haverá uma corrida bancária e o
banco entrará em
falência. Para evitar
tal destruição, um banco tem de regular sua emissão de meios fiduciários por
meio de políticas e regras que serão inevitavelmente arbitrárias com relação ao
uso de recursos escassos da sociedade como um todo.
Os
defensores de uma moeda elástica sabem que sua produção não pode ser submetido
ao, e muito menos ser aprovada pelo, sistema de lucros e prejuízos. Como disse F.A. Hayek,
Não há nenhuma justificativa histórica para a atual posição
do governo como monopolista da criação de dinheiro. Jamais foi proposto, muito menos provado, que
o governo pode nos fornecer um dinheiro de melhor qualidade do que o livre
mercado.
Defensores
de uma moeda elástica meramente alegam que tal arranjo monetário pode alcançar
um resultado mais desejável do que aquele gerado por um sistema de
dinheiro-commodity. A história, porém,
mostra o contrário. Desde a abolição
completa da moeda-commodity e massificação do papel-moeda fiduciário de curso
forçado, não apenas a inflação de preços se tornou contínua e constante, como também
os ciclos econômicos se tornaram mais profundos e prolongados.
Conclusão
Ninguém
pode descrever hoje como seria a configuração de um sistema monetário criado
por empreendedores operando livremente no mercado, assim como ninguém poderia
prever, em 1900, como seria o desenvolvimento da indústria automotiva do século
XXI, ou prever, em 1950, como seria a indústria de eletrônicos no século
XXI. O que podemos saber de antemão é
que a produção de dinheiro seria regulada pelo sistema de lucros e prejuízos e
que, portanto, ela resultaria na satisfação das preferências dos consumidores,
seus usuários. A inflação monetária e a
expansão artificial do crédito, características constantes e deletérias de
nosso vigente sistema monetário elástico, seriam eliminadas e, com elas, os
ciclos econômicos que se tornaram uma calamidade em nosso mundo atual.