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Economia

Não há um Banco Central no Panamá

13/04/2012

Não há um Banco Central no Panamá

Em nosso atual arranjo monetário pós-Bretton Woods, dominado por políticas monetárias inflacionistas conduzidas coordenadamente pelos principais bancos centrais mundiais, muitas pessoas normalmente simpáticas a todos os argumentos contrários à existência de bancos centrais ainda assim acreditam que a eliminação destas instituições centralizadoras é algo impraticável, um sonho utópico.

Para um exemplo prático e real de um sistema cuja política monetária é aquela escolhida pelo mercado, sem o comando de um banco central, não é preciso olhar para o passado; o exemplo existe atualmente na América Central, na República do Panamá, um país que, desde sua independência em 1903, não possui um banco central, e que, não obstante (ou por causa disso), usufrui um ambiente macroeconômico estável e bastante exitoso.

A ausência de um banco central no Panamá faz com que a oferta monetária do país seja completamente determinada pelo mercado.  Neste caso, o mercado do Panamá escolheu o dólar americano como sua moeda de fato.  Para comprar ou obter dólares, o país tem de produzir ou exportar bens e serviços; o governo não tem como criar dinheiro do nada.  Desta forma, o sistema é um tanto similar ao velho padrão-ouro.  Desde 1984, a inflação média anual tem sido de 1%.

A inflação de preços panamenha normalmente é de 1 a 3 pontos percentuais menor que a inflação americana; ela é causada majoritariamente pelo efeito gerado pelo Federal Reserve (o Banco Central americano) sobre os preços mundiais.  Este sistema conduzido pelo mercado criou um ambiente macroeconômico extremamente estável.  O Panamá é o único país da América Latina que nunca vivenciou um colapso financeiro ou uma crise monetária desde sua independência.

Inflação de preços ao consumidor no Panamá (Fonte: FMI)

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Assim como a maioria dos países das Américas, a moeda do Panamá no século XIX era baseada no ouro e na prata, com uma variedade de moedas metálicas de prata e cédulas de papel lastreadas em ouro em circulação.  O Peso Prata (do México) era a moeda que havia sido escolhida.  No entanto, por causa da ferrovia ístmica -- a primeira ferrovia a ligar o Atlântico ao Pacífico --, que fora construída por uma empresa americana em 1855, o dólar americano também circulava parcialmente no país. 

O Panamá originalmente se tornou independente da Espanha em 1821, mas foi integrado à Grande Colômbia.  Sendo um país pequeno, ele não conseguiu se separar da Colômbia, como haviam conseguido a Venezuela e o Equador.  Em 1886, o governo colombiano publicou vários decretos forçando a aceitação de cédulas de papel produzidas pelo governo central.  A economia do Panamá, que era aberta e baseada no transporte e no comércio, claramente não tinha como se beneficiar deste arranjo imposto.  Um editorial do principal jornal do país, datado de 1886, declarou o seguinte:

Não há nenhum país no globo, certamente nenhum centro comercial, em que a introdução de uma moeda de papel irredimível e sem lastro traria consequências mais desastrosas que no Panamá.  Tudo o que nós consumimos é importado.  Não temos nenhum produto para ser exportado, de modo que a única coisa que podemos mandar para fora em troca de nossas importações é dinheiro.

Em 1903, o país se tornou independente, apoiado pelos EUA por causa do interesse americano na construção de um Canal atravessando o Panamá.  Os cidadãos do novo país, ainda receoso do experimento de 1886 com as cédulas de papel colombianas, decidiram incluir o artigo 114 na Constituição de 1904 dizendo que,

Nenhum dinheiro de papel será imposto como a moeda oficial da República.  Portanto, qualquer indivíduo pode rejeitar qualquer cédula que ele porventura considere indigna de confiança.

Com este artigo, qualquer moeda em circulação seria gerenciada pelo mercado e não seria de curso forçado.  No entanto, ainda em 1904, o governo do Panamá assinou um acordo monetário permitindo que o dólar americano se tornasse moeda corrente e fosse de curso forçado.  De início, os panamenhos não aceitaram o dólar; eles não confiavam na moeda americana, preferindo continuar utilizando o Peso Prata.  A Lei de Gresham, no entanto, se encarregou de tirar as moedas de prata de circulação.[1][2]

Em 1971, o governo aprovou uma lei abrindo e liberalizando o sistema bancário.  Não haveria nenhuma agência governamental supervisionando o setor, e nenhum imposto poderia ser cobrado sobre juros ou transações originadas no sistema financeiro.  O número de bancos pulou de 23 em 1970 para 125 em 1983, a maioria deles formada por bancos estrangeiros.  Esta lei bancária estimulou empréstimos internacionais e, em decorrência de o Panamá ter um sistema tributário restrito apenas ao seu território, os lucros obtidos com transações ou empréstimos feitos no exterior são isentos.

Isto, em conjunto com a presença de numerosos bancos estrangeiros, gerou uma total integração internacional do sistema.  Ao contrário de outros países da América Latina, o Panamá não possui controle de capitais.  Sendo assim, quando o capital internacional porventura decide inundar o sistema bancário panamenho, os bancos emprestam este excesso de capital aos mercados estrangeiros, evitando assim os corriqueiros desequilíbrios e a alta inflação que outros países vivenciam quando também recebem volumosos influxos de capital.

A política fiscal tem pouco espaço para manobras, dado que o Tesouro não pode contar com um Banco Central para monetizar seus déficits.  Sendo assim, a política fiscal não influencia a oferta monetária; se o governo tentar aumentar a quantidade de dinheiro na economia durante uma recessão vendendo títulos no mercado internacional e trazendo o dinheiro arrecadado para a economia panamenha, os bancos irão contrabalançar esta medida pegando este dinheiro adicional e o enviando para o estrangeiro na forma de empréstimos (que, como dito, não são tributáveis).  Logo, não haverá alterações significativas na oferta monetária.

Adicionalmente -- e ao contrário do que ocorre nas economias cujos sistemas bancários são controlados por bancos centrais --, os bancos do Panamá não têm como combinar uma expansão coordenada da oferta monetária via reservas fracionárias, pois, como mencionado acima, o número de bancos é enorme, e a concorrência entre eles é forte.  Ademais, por não existir um banco central, não há como socorrer aqueles bancos que expandirem excessivamente o crédito sem terem uma quantidade minimamente segura de dinheiro guardado em seus cofres.  Pânicos e corridas bancárias, muito comuns no sistema bancário americano durante todo o século XIX, nunca ocorreram no Panamá.  As eventuais quebras bancárias que já ocorreram não se espalharam para outros bancos.  Vários bancos que passaram por problemas foram comprados -- antes que ocorresse qualquer corrida bancária -- por bancos maiores, atraídos pelos lucros possibilitados por esta obtenção de ativos a preços reduzidos.

Como não há seguros federais para depósitos bancários e nem um emprestador de última instância para socorrer os bancos, todo o sistema bancário tem de atuar de maneira bastante responsável.  Qualquer empréstimo ruim que resulte em calote será pago pelos acionistas do banco; ninguém irá socorrer os bancos que fizerem trapalhadas e entrarem em apuros.

No entanto, este sistema não é imune a ciclos econômicos -- afinal, o sistema bancário ainda tem liberdade para expandir o crédito artificialmente via reservas fracionárias, o que gera períodos de euforia econômica que resultam em um acúmulo de investimentos insustentáveis.  Porém, o período de correção dos ciclos econômicos é muito mais eficiente no sistema panamenho.  Após o período de euforia gerado pela expansão artificial do crédito, o que gera um acúmulo de investimentos insustentáveis, os próprios bancos dão início ao processo de inevitável liquidação dos empréstimos ruins.  Como não há um banco central para intervir e prolongar a expansão artificial do crédito, a recessão começa sem nenhuma obstrução criada por políticas monetárias contracíclicas.  Os bancos simplesmente são forçados pelas próprias leis de mercado a criar a contração creditícia necessária para pôr fim à euforia e, com isso, corrigir os desequilíbrios gerados na estrutura de produção da economia -- caso não o fizessem, sua própria solvência estaria em risco.  As recessões no Panamá geralmente resultam em inflação de preços praticamente nula, o que alivia o fardo dos consumidores e facilita o processo de recuperação ao reduzir os custos de produção.

O único fato que atrapalha os processos de correção é a lei do salário mínimo, que não permite a flexibilização para baixo dos salários, o que faz com que as recessões sejam mais longas do que o necessário.  Não obstante, as recessões ocorrem sem absolutamente nenhuma das terríveis consequências que os economistas keynesianos afirmam que haverá caso não seja adotada uma política monetária expansionista para amenizar a recessão. 

Portanto, aquelas pessoas que dizem que a abolição do banco central é algo utópico e impraticável devem apenas olhar para o ambiente macroeconômico do Panamá -- o qual tem sido auspicioso há mais de 100 anos -- para constatar que, de fato, a abolição não apenas é algo possível, como na realidade é algo extremamente benéfico.  Claramente, a ausência de uma moeda de papel controlada pelo governo nacional, a inexistência de um banco central, e uma inflação de preços desprezível estão funcionando muito bem neste pequeno país.  Quem pode argumentar que estas mesmas políticas não funcionariam em economias maiores?



[1] Carlos E. Ramirez, Monetary History of Panama, p. 5.

[2]lei de Gresham -- em homenagem ao financista e comerciante inglês Thomas Gresham -- diz que, a uma dada paridade cambial, o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom de circulação. Ou seja: em um sistema monetário em que há mais de uma moeda em circulação, a moeda de valor inerente mais baixo (uma moeda artificialmente valorizada) será a preferida para ser usada como moeda corrente, ao passo que a moeda de valor inerente mais alto (aquela que está artificialmente desvalorizada) será estocada para ser usada apenas em eventualidades ou contingências.


Sobre o autor

David Saied

É mestre em política econômica pela Suffolk University, Boston, Massachusetts, e foi membro da Comissão de Valores Mobiliários da República do Panamá.

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