"Meu
marido é um bom homem!"
Tal
afirmação indignada chegou a mim por meio de um email enviado por uma conhecida
para quem eu havia explicado o motivo de eu ter rejeitado o sistema público
educacional — a saber, em vez de educar as crianças, o sistema público as
doutrina e ensina a prestar obediência servil e irrefletida ao estado. Por acaso, o marido dela era professor do
sistema público.
Minha
posição não é pessoal. Fazer uma análise
do papel desempenhado por um indivíduo quando ele se alista no aparato estatal
não é o mesmo que fazer uma condenação de seus motivos ou de seu caráter. Se fosse, tudo seria muito mais fácil. Eu apreciaria enormemente se todos os agentes
do estado adotassem aquele bigode encurvado nas pontas, utilizassem chapéu
preto e gargalhassem como a Bruxa Malvada do
Oeste. Seria mais fácil
reconhecê-los e muito mais divertido desprezá-los. Porém, como as coisas são hoje, compreendo
que boas pessoas com ótimas intenções queiram se tornar professores e
policiais. Mas isso não altera o papel
que elas irão desempenhar ao aceitar tais posições.
Uma
análise institucional examina a dinâmica por meio da qual as instituições da
sociedade expressam suas leis, seus costumes e sua cultura. Qual o propósito de uma instituição, quais as
regras que a regem, qual o seu impacto real?
E, principalmente, no que consiste uma instituição?
O
dicionário Random House define uma
"instituição" como sendo "um padrão de comportamento ou de relações bem
estabelecido e bem estruturado, que é aceito como parte fundamental da cultura
— por exemplo, o casamento". Uma
instituição é qualquer mecanismo que seja estável e amplamente aceito dentro de
uma cultura para a realização de objetivos sociais, econômicos e
políticos. O termo se aplica a conceitos
amplos e variados, como "a família", "o livre mercado", "direito comum",
"religião" e "o estado".
A
estrutura e os procedimentos singulares de uma instituição específica irão
determinar os resultados que ela produz.
Enquanto os procedimentos forem seguidos, as reais intenções daquelas
pessoas que participam da instituição são irrelevantes. Um homem pode trabalhar em uma fábrica de
doces com a intenção declarada de produzir latas de atum; porém, enquanto ele
seguir as regras do local de trabalho, ele irá produzir doces. Da mesma maneira, um policial pode
genuinamente querer promover uma visão mais livre-mercadista da justiça; porém,
enquanto ele estiver impondo as leis decretadas pelo estado, ele estará
promovendo sua antítese. É a instituição
e não o caráter de seus servidores o que define os resultados gerais. É somente quebrando as regras que "homens
bons" podem incidentalmente produzir bons resultados.
A
irrelevância das intenções pode ser um fator salutar. Por exemplo, enquanto todos respeitarem as
regras do livre mercado, ele irá funcionar como um mecanismo de liberdade e
prosperidade, mesmo que alguns de seus participantes sejam seres humanos
vis. Você pode comprar bens de um homem
que você jamais permitiria entrar em sua casa, e ele pode lhe desprezar
profundamente ao mesmo tempo em que o dinheiro troca de mãos.
Em
termos gerais, as instituições podem ser divididas em dois tipos. A primeira divisão é entre instituições
espontâneas e instituições planejadas.
Um exemplo de uma instituição espontânea é a família. Ao menos na cultura ocidental, ninguém
predetermina quem irá casar e quem irá ter filhos; tais decisões permanecem
totalmente a cargo dos indivíduos envolvidos.
Já
um exemplo de uma instituição planejada é o sistema de ensino público, o qual é
totalmente definido por regras que uma autoridade centralizada impõe desde o
alto sobre todos os indivíduos que dele participam. Instituições planejadas podem ser
ulteriormente subdivididas em dois tipos, pois nem todas elas são
coercivas. Por exemplo, para se produzir
um produto específico, como um automóvel Toyota, uma empresa tem de estabelecer
regras rígidas e impô-las sobre seus trabalhadores. E, ainda assim, tal empreendimento continuará
totalmente voluntário. Ninguém é
obrigado a fazer parte da empresa. Esta
é a segunda distinção geral entre as instituições: uma instituição planejada é
voluntária ou coerciva?
Todas
as instituições espontâneas e não-coercivas são libertárias em seu funcionamento. De novo, as intenções daqueles envolvidos são
irrelevantes para esta conclusão. Uma
instituição pode ser repugnante em seus propósitos — ela pode promover
intolerância religiosa ou fanatismo racial —, mas enquanto ela não empregar
coerção e não utilizar de violência contra inocentes, seu meio de funcionamento será libertário.
Igualmente,
todas as instituições planejadas que dependem da coerção para funcionarem são
antitéticas ao libertarianismo. De novo,
um homem pode se juntar a um odioso aparato estatal, como o sistema de ensino
público, com a cônscia intenção de fazer o "bem". O economista austríaco F.A. Hayek popularizou
a noção de consequências não premeditadas ao observar que atos ou intenções
conscientes frequentemente produzem resultados não antecipados. Isto explica por que homens bons que agem por
meio de más instituições irão gerar resultados perversos. Homens bons agindo por meio do estado irão
apenas fortalecer sua legitimidade e seu arranjo institucional.
Talvez
ainda mais importante, a participação de um homem bom em um sistema coercivo
tende a enfraquecer as alternativas concorrentes: no caso, as instituições que
poderiam satisfazer as necessidades individuais sem recorrer à coerção.
Um
assunto que vale muito a pena ser estudado é o anarquismo individualista do
século XIX nos EUA. Radicais de todos os
lados estavam clamando por novos sistemas de governo e por organizações sociais
específicas. Por exemplo, dizia-se que a
humanidade necessitava da visão anarco-sindicalista das relações industriais:
era necessário um admirável mundo novo.
Enquanto isso, os individualistas tiveram um notável vislumbre. Eles afirmaram que a instituição necessária
para assegurar a justiça já existia: o livre mercado.
Os
individualistas anarquistas argumentaram que era desnecessário inventar novos
esquemas ou projetos. O que era
realmente necessário era se livrar do estado e permitir que o livre mercado (o
qual já existia) funcionasse. E o
mecanismo que garantiria seu correto funcionamento seria "o contrato" — a
materialização do consentimento de um indivíduo. Com efeito, eles acreditavam tão
veementemente no poder do contrato, que a sociedade ideal era chamada de
"sociedade por contrato". O livre
mercado poderia satisfazer não apenas objetivos econômicos, mas também sociais,
como a justiça. Por exemplo, houve
várias e excelentes discussões entre eles sobre os vários meios pelos quais um
sistema de tribunais privados poderia arbitrar e adjudicar conflitos.
Portanto,
a solução para a injustiça e a tirania não era a hercúlea tarefa de criar
alguma nova instituição totalmente inédita.
A solução era remover todos os obstáculos existentes às instituições da
liberdade; predominantemente, isto significava remover o estado. Nesta tarefa, homens "bons" que emprestassem
sua respeitabilidade ao estado compreensivelmente estavam entre os piores
obstáculos. No mínimo, eles estavam
entre aqueles que faziam os obstáculos funcionarem. Eles produziam injustiça.
Então,
para a mulher que diz "Meu marido é um bom homem!" devo relutantemente
responder: "Não importa".