O autor Anthony Ling será o nosso entrevistado
da próxima sexta-feira em nossos podcasts semanais. Não deixe de conferir todas
as entrevistas aqui.
Uma maneira de tentar encontrar a
finalidade lógica para um imposto ou taxa de serviços públicos que pagamos é
considerar que cada um deles é revertido para investimentos públicos naquela
área respectiva, embora isso não aconteça na prática.
Desta forma, podemos considerar que a
nossa conta de luz seria justificada com investimentos na área de energia, de
água e esgoto para o abastecimento e até para a drenagem urbana, já que
normalmente é feita com a mesma tubulação através do chamado esgoto pluvial
(lembrando que cidadãos ainda são obrigados a contribuir extra com áreas
permeáveis nos seus terrenos ao construir).
Nosso IPVA e multas de trânsito seriam
usados para a manutenção de vias; e a taxa de lixo, embora calculada com
o IPTU como base, é paga separadamente para a coleta de lixo, construção de
aterros e centrais de triagem para reciclagem.
VTs de prefeituras alegam que o IPTU é
o responsável pelo financiamento das obras públicas, mas o fazem de forma um
tanto enganosa já que o dinheiro de vários outros impostos também é utilizado
para tal finalidade, juntamente com as taxas mencionadas acima. Sendo assim, depois de alguma pesquisa sobre
direito urbanístico aqui e aqui, concluo
que o IPTU, aos olhos do estado, acaba
tendo duas funções principais: a redistribuição de renda e a diminuição da
especulação imobiliária.
O efeito redistributivo acontece já que
a cobrança é feita de acordo com a localização e o tamanho do imóvel,
aumentando o IPTU quanto maior o tamanho do imóvel e quanto mais nobre o bairro
como regra geral. Assim, a meu ver, a
lei primeiro pressupõe a falácia de que moradores de grandes apartamentos são
necessariamente ricos. Sabemos que um
apartamento grande pode acomodar uma grande família ou mais de uma família, em
que a renda per capita não é necessariamente alta. Depois, pressupondo que apenas pessoas ricas
moram em bairros ricos, ela acaba oficializando uma segregação de bairros por
classes sociais ao tributar bairros inteiros como nobres ou como pobres. Fica claro que esta não é a melhor maneira de
redistribuição, que poderia ser feita sobre um cálculo de renda e patrimônio,
se é este o objetivo que se pretende atingir.
Passamos então para a prerrogativa da
diminuição da especulação, algo defendido pela maioria dos urbanistas de hoje. Já comentada em meu blog, a
especulação é mal vista pois muitas vezes deixa terrenos parados, à espera de
um investimento lucrativo que cubra os custos e o risco tomado na compra. Nestes casos, é aplicado o IPTU progressivo,
aumentando o imposto quanto mais tempo ele ficar sem uso, até o limite de 15%
do valor do terreno.

|
Porto Alegre espera arrecadar R$509 milhões de IPTU em 2012
|
Indo mais além na justificativa
urbanística, urbanistas veem esse "problema" dos terrenos baldios no espaço
urbano como sendo tão prejudicial para a cidade quanto um shopping que se vê
prejudicado se uma loja está em reforma ou fechada, mesmo que esta siga pagando
o aluguel (equivalente ao custo do terreno em si). Porém, o que não se percebe é que investidores
têm o incentivo natural de especular corretamente, já que caso contrário eles
terão prejuízo.
Especular, expandindo o que foi dito em post anterior especificamente sobre o assunto, significa tentar prever um resultado. Se não há perspectiva de ter pessoas dispostas
a pagar um valor razoável por empreendimentos a serem realizados naquele
terreno, seu valor será baixo, já que o terreno tem pouca demanda. Assim, o especulador aguarda o aparecimento de
um empreendedor criativo para transformar o terreno em algo útil, algo que as
pessoas valorizem.
Tendo esta perspectiva de retorno por
parte do empreendedor, ele oferecerá um preço maior ao especulador. O
especulador, por sua vez, pode rejeitar a oferta e aguardar uma maior ainda,
mas lembremos que esta atitude é de alto risco, já que o capital imobilizado no
terreno naturalmente está tendo prejuízo — capital parado que poderia estar
rendendo juros em uma conta-poupança. A
crença de que o terreno sempre vai valorizar mais que um juro de poupança e que
quanto mais tempo ele for 'mantido ocioso' maior será o lucro é simplesmente
falsa.
O IPTU acaba então sendo redundante no
papel de conter especuladores, já que o próprio risco que eles tomam ao
especular é um incentivo natural contra essa atitude. Pior ainda, ele incentiva a execução de
projetos arquitetônicos ruins, já que o proprietário do terreno tem que se
livrar do terreno mais rapidamente do que ele teria com o risco natural. Os projetos que acabam atraindo os
especuladores acabam sendo aqueles mais conservadores, que prometem um retorno
mais garantido, fórmulas do mercado imobiliário que arquitetos tanto odeiam.
Outro argumento dado por alguns
urbanistas para defender o IPTU é aquele que vê seu uso como forma de aumentar
a densidade, incentivando famílias pequenas a morarem em apartamentos menores. Mas então por que defenderiam também os
limites rígidos existentes para a densificação de uma construção? Esta alternativa se torna paradoxal já que
normalmente o grande desafio legal dos construtores é colocar gente demais no
terreno, e não gente de menos.
Além disso, a arrecadação pública do IPTU
se torna moeda de troca para negociação com grupos lobistas, aumentando a corrupção
em nível municipal. Como o imposto segue reajustes ao longo do tempo, há sempre
grupos privados mais ou menos beneficiados com o aumento ou redução das
alíquotas.
Minha conclusão é que o IPTU é somente
mais uma forma de arrecadação pública ineficiente e desnecessária. Mesmo para aqueles intervencionistas que creem
que ele seja importante para manter o ambiente urbano sempre 100% construído, o
imposto só seria justificável para terrenos baldios e não para toda a área que
está construída, equivalente à maior parte da arrecadação. Os supostos objetivos do IPTU divulgados por
praticamente todas as prefeituras são falsos e diferentes da legislação: ele
não cumpre os efeitos redistributivos almejados no papel e na prática ele
distorce tanto o mercado imobiliário quanto o resultado arquitetônico de uma
cidade.
Texto originalmente publicado no site Caos Planejado