O
governo americano parece realmente determinado a apagar as luzes da era
digital. E ele quer fazer isso com ou
sem SOPA, PIPA ou outros projetos de lei que foram vigorosamente confrontados
pela comunidade digital global
na quarta-feira da semana
passada. Exatamente no dia seguinte,
já na quinta-feira, após o apoio do Congresso americano àquelas legislações ter
ruído após as impressionantes manifestações em massa exibidas na internet, o
FBI e o Departamento de Justiça mostraram que são completamente imunes a todos
esses tolos clamores, e que operam em um mundo paralelo. Congresso, legislação, pesquisas de opinião,
debates, políticos, a vontade do povo — tudo isso é completamente
desimportante para essa gente.
O
FBI e o Departamento de Justiça, agindo de maneira completamente autônoma,
fecharam o site MegaUpload.com, o maior dos sites
de compartilhamento de arquivos da internet, e prenderam seus principais
responsáveis. O site foi confiscado pelo
governo americano e sua homepage foi convertida em um alerta antipirataria
criado pelo FBI.

Seu fundador, um
empreendedor chamado Kim Dotcom (sim, ele legalmente alterou seu nome), foi
preso na Nova Zelândia após suas propriedades terem sido atacadas e seus
ativos, confiscados. O FBI ainda está à
procura de três outras pessoas também responsáveis pelo site. Para todas elas foi emitido um mandado de
extradição e uma condenação de 20 anos de prisão.
Para
a batida policial, os federais emitiram 20 mandados de busca e os policiais
chegaram às casas destes "criminosos" de helicóptero. Ato contínuo, os imóveis foram invadidos,
seus proprietários foram ameaçados com armas, seus ativos totalizando US$50
milhões foram confiscados e 18 domínios de internet, bem como vários
servidores, foram completamente roubados pelo governo.
Só
mais um lembrete de que essa tal democracia é apenas uma ilusão.
E
qual foi o grave crime cometido por essas pessoas? O site MegaUpload foi acusado de incitar a
violação de direitos autorais — isto é, permitir a criação de cópias de ideias
que foram expressadas na mídia. Nenhuma
violência, nenhuma fraude, nenhuma iniciação de força, nenhuma vítima (mas
vários magnatas corporativos alegando, sem nenhuma prova, que seus lucros estão
menores em decorrência desta prática de compartilhamento de arquivos).
O
MegaUpload possuía milhões de usuários plenamente satisfeitos. Ele era o 71º mais popular website do
mundo. Apenas 2% de seu tráfego era
oriundo de motores de
busca, o que significa que a base de seus clientes era totalmente leal e
havia sido conquistada por meio do trabalho duro e do espírito empreendedor dos
proprietários do site. Para os usuários,
tratava-se de um serviço totalmente legítimo.
Para os proprietários, os lucros eram duramente adquiridos por meio de
anúncios publicitários.
Mas
o governo, obviamente, viu tudo isso de maneira distinta. E, contrariamente ao que muitos acreditam, as
leis já existentes permitem ao governo americano fazer praticamente o que
quiser, como bem ilustra este fato. O
governo baseou-se em uma lei de 2008 para fazer acusações criminais em vez de
civis. Uma recém-criada força tarefa de
proteção à propriedade intelectual trabalhou em conjunto com governos estrangeiros
para selar o acordo.
No
final, o que houve foi exatamente a materialização do pesadelo que os
manifestantes anti-SOPA disseram que iria ocorrer casa o SOPA fosse
aprovado. A realidade é que, como já bem
sabiam as mais profundas esferas do estado, tudo isso seria possível mesmo sem
o consentimento do Congresso. O
Congresso e a política não têm poder algum.
As pessoas podem assistir aos debates políticos, ir às urnas, eleger
pessoas para representá-las e efetuar todos os rituais desta religião cívica
chamada democracia. Nada disso
importa. Elas estarão apenas chancelando
uma farsa. O poder já existe, está
ativo, é opressivo, está no comando e veio para ficar, independentemente
daquilo em que você acredita.
É
possível que algum conteúdo compartilhado pelos usuários do MegaUpload era
protegido por direitos autorais? É claro
que sim. Hoje, é praticamente impossível
não violar alguma lei de direito autoral, como foi hilariamente comprovado pelo
próprio autor do SOPA, o deputado Lamar Smith, que, em seu site de campanha,
utilizou uma imagem de fundo sem creditar seu autor, desta forma tecnicamente
violando sua própria lei. O principal
oponente da pirataria era ele próprio um pirata!
Porém,
no que diz respeito ao MegaUpload, seu propósito era claramente o de utilizar
seu espaço para lançar novos artistas com novos conteúdos — ou seja, o intuito
não era a pirataria, mas sim a criatividade. Como escreveu o site wired.co.uk, esta
punição,
veio imediatamente após o MegaUpload anunciar o produtor
musical Swizz Beatz — casado com Alicia Keys — como seu diretor
executivo. O site já havia arregimentado
o apoio de um seleto grupo de músicos, entre eles Will.i.am, P. Diddy, Kanye
West e Jamie Foxx, que endossavam seus serviços. O MegaUpload estava construindo um sistema
legítimo por meio do qual artistas podiam ganhar dinheiro e os fãs poderiam
obter conteúdo.
Logo,
o que está por trás de tudo isso? Tudo
se resume a alguns poderosos lobistas da indústria do entretenimento tentando
impedir o surgimento de um sistema alternativo de fornecimento de música e de
outras artes; um sistema gerido pelas pessoas, e não pelos bem conectados com o
poder.
A
grande glória da internet é essa sua aparentemente mágica capacidade de
distribuir universalmente informação de todos os tipos, em capacidade
infinita. A ideia por trás da regulamentação
estatal sobre a difusão de informação — algo que data do século XIX — é que tal
atividade é profundamente perigosa e deve ser interrompida a todo
custo. O estado não gosta de ver a
circulação de informações não chanceladas.
Logo, é inevitável que os poderes constituídos tentem fechar a internet
ou restringi-la ao máximo. Leis de
direitos autorais são apenas a desculpa mais conveniente.
Estamos
em uma batalha cujos antagonistas estão bem definidos: de um lado, aqueles que
acreditam que a era digital deve existir em uma atmosfera de liberdade de
expressão, liberdade de associação, livre empreendedorismo e direitos de
propriedade genuínos; de outro, aqueles que acreditam que ela deve ser controlada
pelo governo em conluio com magnatas decadentes de uma mídia decrépita,
oligarquista, corporativista e monopolista.
As fronteiras estão claramente delineadas e a batalha está ocorrendo em
tempo real.
Um
exemplo: minutos após os donos do MegaUpload terem sido presos, um grupo global
de hackers chamado Anonymous fechou o website do Departamento de Justiça
americano, bem como os sites da Motion
Picture Association of America, da Recording
Industry Association of America, da Universal Music e
da BMI
— as principais forças lobistas em prol da restrição da internet.
Em
um outro palco desta grande batalha acerca da liberdade de informação, a Suprema
Corte americana, exatamente no mesmo dia das manifestações contra o SOPA,
promulgou uma decisão que pode ter um efeito devastador nos meses e anos
vindouros. Ela permitiu que obras que já
estão sob domínio público readquiram seus direitos autorais, de modo que as
leis nacionais sejam iguais às leis internacionais. Se isso não parece ser grande coisa, apenas
considere que várias orquestras locais já alteraram suas apresentações sazonais
com o intuito de remover grandes obras de seus repertórios, pois elas não mais
podem bancar as taxas de licenciamento.
É
difícil rotular isso de outra coisa que não seja masoquismo cultural.
Independentemente
de como essa batalha legal vai terminar, o fato é que uma cultura de medo
racional e irracional já dominou a internet.
Já havia notado o crescimento deste fenômeno nos últimos meses; porém,
na semana passada, a coisa piorou, chegando ao ponto da paranóia. As bem sucedidas manifestações contra o SOPA
fizeram apenas com que os censores redobrassem seus esforços, de modo que a
mensagem já se espalhou: praticamente qualquer coisa que você queira fazer
online pode ser ilegal.
Uma
pequena amostra do que quero dizer: na manhã de sexta-feira, recebi o seguinte
email: "A BBC 4 recentemente exibiu um documentário incrivelmente bonito
chamado O Compositor de Deus (Tomás Luis de Victoria), apresentado por Simon
Russel Beale. Um amigo de Roma me enviou
um link para o documentário, mas não sei se tenho a permissão para compartilhá-lo. Você já viu esse documentário? É impressionante tanto visualmente quanto
musicalmente."
Não
tem a permissão para compartilhar um link?
Só para constar, não sei se ele queria me mandar um link para o site da
BBC ou para algum outro site que possua uma cópia adicional deste
documentário. Independentemente, é a
isso que chegamos: à crença de que cada email é rastreado, cada website é
monitorado, cada ato de escolha individual na internet pode ser um crime, todo
website está suscetível a ser fechado da noite para o dia, e qualquer
proprietário de um domínio está sujeito a ir para a cadeia.
A
batalha entre poder e liberdade data desde o início da história documentada, e
hoje estamos testemunhando seu desenrolar na era digital. É como se, no início da Idade do Bronze, o
chefe da tribo proibisse a fundição de minério; ou se, durante a transição do
ferro para o aço, a elite governante impusesse um limite para a temperatura do
forno de refinação; ou se, no início da era da aviação, algum déspota declarasse
que tal empreendimento era muito arriscado e economicamente prejudicial para a
indústria que dependia de viagens terrestres.
Na
atual versão, a questão da "propriedade
intelectual" está no primeiro plano desta batalha. A primeira vez que a maioria das pessoas
ouviu falar deste assunto foi na quarta-feira da semana passada, a 'quarta-feira
negra', quando a Wikipédia em inglês voluntariamente fechou seu site em forma
de protesto. Estamos vivenciando apenas
uma antecipação de como será o futuro em um mundo no qual o poder conquista
sucessivas vitórias enquanto o resto do mundo se encolhe de medo em uma nova
era das trevas.