"Saíram algumas notícias destacando a melhoria da trajetória da dívida pública, dizendo que só foi possível por causa da menor taxa de juros. Entendo que estes mesmos juros menores estão afetando o câmbio, depreciando o Real. Como este Instituto sempre defendeu moeda forte e estável, fiquei com uma dúvida: do ponto de vista de melhora econômica, poderia essa melhor trajetória da dívida pública compensar, mesmo que parcialmente, o câmbio pior?"
Efeito é ínfimo. Vejamos: em 2018 houve gastos de juros em
R$ 379,184 bilhões.
Em 2019, as despesas foram de R$ 367,282 bilhões. No próximo ano, seriam de
R$ 312,427 bilhões. De 2019 para 2020, houve uma economia então de aproximados R$ 54,85 bilhões. Parece muito, não é? Não: isso não paga nem
metade do orçamento do Ministério da Saúde (e muito menos o que foi gasto com
auxílio emergencial). E outra coisa: banco central não faz política fiscal e sim monetária. O nosso, no caso, tenta misturar política cambial, fiscal e monetária. Óbvio que não dá certo. Claro que isso pode mudar com a digitalização do real brasileiro (estou curioso para saber como irão fazer isso, o que eu não entendi até hoje), mas por enquanto é assim que funciona.
Para piorar, não houve nenhuma austeridade aqui no Brasil: 2020 o governo federal fechou déficit nominal em 13,7 % do PIB (primário de 9,49 % do PIB). A dívida bruta do governo foi de 74,3 %, em 2019, para 89,3 % do PIB em 2020. Para compararmos em déficit nominal, basta dizer que a Alemanha ficou com déficit de
4,8 %, a Índia com
9,5 %, Israel com
11,7 %, Malásia com
3,2 % e Paquistão com
8,1 %. Desses mencionados acima, apenas Paquistão não possui grau de investimento.
Enquanto isso, o México fechou 2020 com superávit primário de
0,1 % do PIB e déficit nominal de 2,9 % do PIB (em 2019 o superávit primário foi de 1,1 % do PIB e o déficit nominal em 1,7 % do PIB). A dívida bruta ficou em 53,8 % do PIB (em 2019 a dívida estava em 46,8 % do PIB), uma subida considerável, mas ainda em níveis toleráveis para um país emergente, num país que ficou meses fechado e com um governo de esquerda. A Pemex teve um desempenho negativo, de - 0,5 % do PIB em suas receitas brutas, pior desempenho desde 2016. O orçamento, em valores nominais, mudou
pouca coisa (veja em comparação com o
Brasil). Vale lembrar que o Brasil não tem um mísero superávit primário desde 2014 (e está previsto para ter somente em
2026 ou 2017). Obrador cortou subsídios agrícolas,
fechou dez ministérios, cortou em 25 % os salários dos burocratas do governo, congelou contratações no funcionalismo estatal e também cortou
orçamento nas agências reguladoras do setor energético (além de o presidente ter cortado o seu próprio salário em
60 %). AMLO está dando uma aula de austeridade para o governo brasileiro, supostamente "de direita". Isso que o Obrador prometeu gastar bilhões em infraestrutura (que é algo que ele realmente está cumprindo).
"Outra coisa, e me corrijam se eu estiver errado, por gentileza. Vejo alguns sinais de aumento de demanda por algumas commodities produzidas no BR: a China vai adicionar 10% de etanol no combustível, o cacau e o café estão nos maiores preços do ano, as exportações de carne não param de crescer. Sei que exportações não são impulsoras de crescimento per si, e que se as exportações estão ocorrendo porque a moeda está ficando fraca, como é o caso do Real, então ocorrerá carestia em algum grau. Pergunto então o que poderia ser feito para que o BR aproveitasse essa demanda por mais commodities? Ou não há nada que poderíamos/deveríamos fazer?"
A China por enquanto suspendeu
a adição de 10 % de etanol no combustível. O ideal seria fazer uma abertura comercial para
commodities e fortalecer a moeda. Nesse caso, a exportação de
commodities seguiria uma trajetória natural. Mas como o governo brasileiro tem uma equipe econômica mercantilista e tem pavor de desagradar as grandes corporações do agronegócio (que se beneficiam com as tarifas de importação norte-coreanas e dos subsídios bilionários), ainda teremos carestia (basta ver o
índice de preços no setor alimentício no ano passado, dos maiores do mundo).