quarta-feira, 12 out 2011
O
mundo está enfrentando a pior crise financeira desde pelo menos os anos 1930,
"se não a pior de todas", disse o presidente do Banco Central da Inglaterra na
semana passada, enquanto tentava explicar para um crescentemente cético e
fatigado público a decisão do Banco da Inglaterra de imprimir ainda mais
dinheiro para comprar ainda mais títulos do governo. Duvido que suas palavras ou suas ações
ajudarão a restaurar a confiança. E
obviamente elas não significarão o fim desta crise.
Que tipo de crise é esta?
Esta
certamente é uma crise financeira. Suas
origens estão firmemente localizadas no sistema financeiro e monetário:
dinheiro, crédito, endividamento e setor bancário. E não creio que o presidente do Banco da
Inglaterra tenha exagerado quando especulou sobre a magnitude da crise. Esta definitivamente é a maior de todas.
Dado
que todos nós concordamos que o que estamos vivenciando não é apenas mais um
ciclo econômico corriqueiro, a pergunta é: com o que exatamente estamos lidando
aqui? Como devemos definir esta crise e
em qual contexto ela pode ser mais bem compreendida?
Esta
crise é sistêmica, e não cíclica. É uma
crise de instituições. É uma crise de
políticas. É uma crise da nossa
arquitetura financeira.
Quando
a crise começou em 2007 e se intensificou ao longo de 2008, ela foi
frequentemente rotulada como sendo uma "crise do capitalismo". Hoje você não mais ouve esse slogan com tanta
frequência. É verdade que ainda há
aqueles lapsos ocasionais, tristemente pronunciados até mesmo por economistas,
mas quanto mais a crise se prolonga e quanto mais os holofotes permanecem
direcionados sobre os sistemas bancários e financeiros, mais se torna explícito
para o público o tanto que a atual arquitetura financeira é evidentemente
conduzida não pela "mão invisível" do mercado, mas sim pela mão controladora do
estado.
Sempre
que uma nova rodada de "recapitalização" de bancos é anunciada, presumivelmente
à custa dos pagadores de impostos — explicitando assim mais uma vez o fato de
que os bancos estão acima do status de empresas capitalistas normais e falíveis
—, e quando se anuncia pela enésima vez que a salvação de nossa extremamente
endividada economia dar-se-á por meio de ainda mais endividamento do governo ou por meio
de mais injeções de dinheiro criado do nada pelo banco central (um monopólio
estatal) — o qual será entregue às pessoas como um aparente incentivo para
elas se endividarem ainda mais —, o público começa a imaginar se as
autoridades econômicas não estão completamente perdidas, e se não deveríamos
temer mais os "pacotes de estímulo" do que o mercado desregulamentado.
Por que estamos nessa bagunça?
"Bancos
descapitalizados" é um eufemismo para bancos que emprestaram demasiadamente,
mais do que deveriam. Como podem os
bancos ter emprestado tanto assim — algo que eles obviamente vêm fazendo há
anos, até mesmo há décadas, e o fizeram ao redor de todo o mundo nesta que foi
a mais duradoura e persistente farra creditícia da história — estando todos
eles sob o controle de seus respectivos bancos centrais estatais? Afinal, sabe-se que, em um sistema de
dinheiro de papel, os bancos centrais possuem o monopólio da impressão
(ilimitada) de reservas bancárias, e são eles que administrativamente decretam
as taxas básicas de juros da economia, o que significa que eles podem controlar
as condições em que são realizados empréstimos.
Logo, por que o atual colapso não é mais adequadamente rotulado de falha
estatal, em vez de falha de mercado?
Lembrem-se
de que a mudança de um sistema monetário apolítico, inflexível e baseado em uma
commodity pra um sistema monetário em que há impressão ilimitada de dinheiro de
papel, tudo sob total controle do estado, foi uma decisão puramente política, e
não o resultado de forças de mercado. E
tudo isso só desabrochou completamente com a abolição dos últimos resquícios do
padrão-ouro, por obra e graça de Richard Nixon, em 1971. O atual sistema financeiro é resultado de
planejamento político e de teorias macroeconômicas populares, ambas as quais
foram criadas para proveito próprio dos governos e que agora se revelam
completamente falhas, justamente por não serem resultado da espontânea
cooperação humana que ocorre nos mercados.
A
adoção de um sistema monetário cuja moeda é fiduciária e totalmente elástica
libertou tanto os governos quanto seus protegidos — o setor bancário — dos
grilhões impostos por uma moeda-commodity naturalmente inelástica, como era o
ouro. Sem a camisa de força de um
padrão-ouro, os governos obtiveram controle irrestrito sobre as impressoras de
dinheiro, o que lhes permitiu "gerenciar" a economia, socorrer bancos, impedir
ou encurtar recessões, e determinar as condições dos empréstimos — condições
mais generosas, é claro, inclusive para si próprio.
Após
40 anos de moeda totalmente controlada pelo governo, eis aí o resultado.
Esta
crise é o inevitável resultado da perigosa crença de que baixas taxas de juros,
investimentos e prosperidade duradoura podem ser estimulados por meio do atalho
fornecido pela impressão de dinheiro e por seus dois filhos gêmeos: empréstimos
a juros artificialmente baixos e criação infinita de crédito bancário. A intenção era justamente abolir a maneira
mais difícil (a maneira capitalista) de se enriquecer: o tradicional método de
poupar e acumular capital genuíno.
Esta
não é uma crise do capitalismo. Meu bom
amigo Brian
Micklethwait criou uma frase muito melhor para defini-la: estamos
vivenciando a segunda crise do socialismo. Estamos testemunhando a morte do
padrão-dinheiro-de-papel, 40 anos após o sistema financeiro global ter perdido
seu último elo com o ouro e todo o sistema monetário ao redor do mundo ter se
tornado simplesmente um monopólio territorial e irrestrito dos governos. O que estamos descobrindo agora é isto: o
estado e os bancos precisam de uma camisa de força, caso contrário eles irão,
mais cedo ou mais tarde, arrastar todos nós para um buraco negro.
Por que este sistema é socialista?
Há
duas maneiras pelas quais um sistema monetário pode ser organizado: ou o
mercado escolhe qual será seu dinheiro, ou o estado o faz.
O
dinheiro escolhido pelo livre mercado, pelo capitalismo, sempre foi uma
moeda-commodity que estivesse fora do controle político. Sempre que o público teve liberdade de
escolha, ele optou por utilizar como dinheiro commodities cuja oferta fosse
razoavelmente inelástica. Quase todas as
sociedades, em todas as culturas e civilizações, utilizaram metais preciosos
como dinheiro.
Um
dinheiro baseado em commodity é um dinheiro apolítico. Ninguém pode criá-lo à vontade para se
financiar a si próprio ou para manipular a economia. De maneira crucial, a cooperação humana por
meio do comércio não acaba nas fronteiras políticas, de modo que a
moeda-commodity sempre transcendeu tais fronteiras. Se o ouro era a moeda de um lado da
fronteira, ele normalmente também era dinheiro do outro lado da fronteira,
independentemente de qual imagem ou figura estava estampada nele.
Em
contraste, sistemas baseados completamente em um dinheiro de papel que não
possui elos a nenhuma commodity são e sempre serão criação de políticos. Em tais sistemas, o dinheiro pode ser
"imprimido" essencialmente a custo zero — e, logo, praticamente sem
limite. Mas não por qualquer
pessoa. Impressão de dinheiro é
privilégio exclusivo do estado e de seu banco central. O dinheiro, neste sistema, é totalmente
elástico. No entanto, trata-se de um
dinheiro político e estreitamente ligado às autoridades políticas. Em um mundo de dinheiro de papel, se você
cruza uma fronteira política você tem de trocar seu dinheiro por um dinheiro
diferente. Toda a eficiência dos atuais
mercados de câmbio, que funcionam 24 horas por dia e movimentam vários trilhões
de dólares, e que tão facilmente impressionam o observador leigo — para quem ele
exemplifica o próprio capitalismo global —, nada mais é do que a tentativa do
mercado de lidar da melhor maneira possível com a ineficiência do nacionalismo
monetário e da segregação monetária, que são resultado do fato de todos os
governos nacionais quererem ter seu próprio dinheiro de papel sob seu próprio
controle político e territorial.
Chamar
este sistema de capitalista significa despojar a palavra capitalismo de qualquer
significado.
Neste
admirado novo sistema de papel-moeda fiduciário e totalmente elástico, deixamos
nossas questões financeiras não nas mãos do mercado livre e desimpedido, mas
sim nas mãos do estado, de políticos e de bancos centrais. Seria muito mais adequado rotular este
sistema de socialista, e não de capitalista.
E este sistema fracassou.
Novamente.
Quem são os beneficiários?
Por
décadas, este sistema beneficiou o estado, os bancos, a ampla indústria
financeira — todos os quais cresceram muito mais do que qualquer outra área da
sociedade —, e todos aqueles que possuem ativos que são utilizados como
colateral para alavancar os balancetes dos bancos: imóveis, ações, opções. Os custos deste sistema foram difundidos para
todo o público por meio de inflação e de ocasionais pacotes de socorro
financiados pelo contribuinte. Isto é
socialismo para os ricos.
Exatamente
como a primeira crise do socialismo — o colapso das economias planejadas sob
orientação soviética em 1989 —, esta atual crise, a crise das finanças
controladas pelos governos, também irá testemunhar a derrubada do atual establishment, embora as lideranças
partidárias continuem nos dizendo que está tudo sob controle: "Não há nada a
temer, camaradas! Bastam mais alguns
déficits e novas rodadas astutas de impressão de dinheiro, e a produção de
tratores rapidamente voltará aos níveis de antes."
E
assim como ocorreu durante o colapso dos estados socialistas, a burocracia do
papel-moeda estatal também possui seus crentes fervorosos, que se negam a
enxergar o óbvio. Pessoas como o
economista Adam Posen, grande entusiasta das políticas de "afrouxamento
quantitativo" do Banco da Inglaterra mantêm um otimismo e uma fé pueris no
poder mágico da impressora. Se 200
bilhões de libras criadas pelo Banco Central inglês, engenhosamente colocados
nos cofres dos bancos e do governo, não solucionaram a crise, então certamente
as próximas 75 bilhões de libras irão. E
por que parar por aí? Com mais 175, ou
275 ou 375 bilhões de libras, todos os britânicos irão novamente encontrar bons
empregos, com bons salários. Para
pessoas como Posen, o problema com uma economia planejada não é que ela seja
planejada, mas sim que o planejamento não esteja sendo suficientemente ousado.
Já
o presidente do Banco Central da Inglaterra, Mervyn King,
parece fazer as vezes de Gorbachev: ele não é um descrente, mas é cético e
esperto o bastante para não se apresentar como um membro completo deste
Politburo. Há uma fascinante entrevista
sua, de setembro do ano passado, que não ganhou a atenção que deveria nos
círculos financeiros, presumivelmente porque era parte de um programa de
história da BBC sobre o papel-moeda da China e não sobre as políticas
monetárias atuais. Você pode conferi-la aqui,
vale muito a pena. Se você for ao marco
de 11 minutos e 58 segundos, verá a seguinte pergunta lhe sendo feita: estariam
todos os sistemas baseados em dinheiro de papel fadados ao colapso? King responde que não, crê ele, nem todos
(embora absolutamente todos de fato já tenham fracassado), mas admite que a
recente crise fez com que ele se tornasse um pouco mais cauteloso quanto a essa
sua afirmação. Talvez o júri que irá
decidir sobre o destino do dinheiro de papel ainda não tenha retornado à
bancada. Pensamento notável para um
banqueiro central.
Em
meu novo livro Paper Money
Collapse - The Folly of Elastic Money and the Coming Monetary Breakdown,
demonstro — conclusivamente, creio eu — que sistemas baseados em dinheiro
elástico são sempre inferiores a sistemas baseados em dinheiro inelástico, e
que sistemas de dinheiro elástico não podem se manter estáveis; eles sempre,
inevitavelmente, desorganizam e perturbam o mercado, levando a um acúmulo de
desequilíbrios ao longo do tempo. Eles
inevitavelmente acabam em desintegração econômica e caos. O dinheiro de papel não é apenas ineficiente;
ele é insustentável.
Esta
crise ilustra simplesmente o fim da mais recente encarnação de um sistema
monetário fiduciário e estatal. Assim
como a primeira crise do socialismo, esta crise também irá afetar as vidas de
inúmeras pessoas, irá causar revoltas, sublevações e irá desalojar toda uma
elite financeira de sua arraigada e bem estabelecida posição de poder e
privilégio. Assim como a primeira crise
do socialismo, temos uma oportunidade de liberdade.
Porém,
ao contrário da primeira crise do socialismo, desta vez não há um Muro de
Berlim a ser derrubado, e nem um canteiro lamacento no interior da Hungria com
um buraco na cerca, por meio do qual podemos atravessar. O atual socialismo monetário é global. E o colapso deste sistema também será global.
Obviamente,
os estados têm tudo a perder, e o poder estatal tem o hábito de não aceitar
pacificamente perdas de poder. Sabe-se
lá o que pode acontecer. Talvez haja
estatizações de bancos, imposição de controles de capital, confisco de ouro em
posses privadas ou mesmo uma pesada tributação do metal, banimento total da
Bitcoin e a imposição de que todos os fundos de pensão comprem mais títulos do
governo.
Neste
caso, pode-se argumentar que não estamos no verão de 1989, mas sim na primavera
de 1968. Não mudaria o estágio final,
apenas a linha do tempo. Mas ainda assim
creio que já é tarde demais. Estamos
mais próximos do 'momento Muro de Berlim' do atual sistema do que muita gente
imagina.
Até
lá, a devastação do papel-moeda vai continuar.