segunda-feira, 12 set 2011
O
que distingue a Escola Austríaca e lhe proporcionará fama imortal é,
precisamente, o fato de haver desenvolvido uma teoria de ação econômica e não
de "não ação" ou "equilíbrio econômico".
Ludwig
von Mises
1.
Introdução
A ciência econômica é o
processo de construção mental de um arcabouço axiomático lógico-dedutivo para a
compreensão da realidade, composta pela ação humana (e interações humanas) e
pelos fenômenos da natureza. No entanto,
nesse processo de compreensão, simplesmente não sabemos de que forma os
acontecimentos externos — físicos, químicos e fisiológicos — afetam o
pensamento humano, as idéias e os juízos de valor. O fato de humildemente reconhecer essa
ignorância nos remete à necessária divisão do reino do conhecimento em dois
campos distintos: o campo dos acontecimentos externos ou da natureza, e o reino
do pensamento e da ação humana. Assim, o
dualismo metodológico torna-se não uma preferência, um capricho, mas sim algo
necessário na construção do conhecimento.
É por não compreender
essa necessidade do dualismo metodológico que os economistas do maisntream (escola neoclássica e os que
dela derivam, sobretudo a keynesiana e monetarista) colocaram a ciência
econômica em tempos turbulentos, com uma infinidade de explicações
insuficientes e até mesmo contraditórias sobre a realidade, e teorias falsas
que se perpetuam no meio acadêmico. É,
na verdade, uma crise de método, a crise do paradigma walrasiano[1].
O positivismo na ciência
econômica não é possível porque a sociedade não pode ser experimentada em
laboratório, isolando fenômenos sociais para então submetê-los à observação. Não se pode, portanto, estabelecer uma teoria
econômica a posteriori. Logo, somente é possível estabelecer uma
teoria a priori, com leis de
tendência geradas por teoremas válidos e relevantes.[2]
Mas o mainstream utiliza-se do positivismo. E é exatamente por ferir esse princípio
metodológico, que suas teorias são equivocadas. Seu princípio fundamental de eficiência alocativa de recursos leva em
conta a idéia de eficiência estática por
meio de pressupostos como recursos dados e conhecimento perfeito. Com isso, o futuro torna-se um mero e
predizível desenrolar de uma situação inicial. A história prediz o futuro. Consequentemente, o comportamento humano está
sendo interpretado como um mero fenômeno da natureza, sujeito a teoremas e
previsões estabelecidas a posteriori, por observação e análise de fatos e
dados históricos.
Tais pressupostos da
teoria neoclássica, no entanto, ignoram dois aspectos humanos fundamentais: a
criatividade e as escolhas humanas. Uma
teoria como a neoclássica nos subjuga a um comportamento de gado, sujeitos aos
sabores da natureza. Mas não somos
gado. Somos seres dotados de
criatividade e livre-arbítrio[3].
E considerar essa realidade como um
axioma ou um pressuposto na construção de uma teoria econômica faz toda uma
diferença. A eficiência alocativa de
recursos não pode ser estática,
mas sim dinâmica. Vejamos por
quê.
2. Criatividade
Criar é uma atividade do pensamento humano. Pode ser definida tomando por base a concepção
de São Tomás de Aquino: como fazer algo a partir do nada (ex nihilo). É a origem da
serendipidade (do inglês serendipity),
que consiste na capacidade de fazer descobertas importantes por acaso; em
dar-se conta de algo que não se havia percebido até então (HUERTA DE SOTO,
2010, p.61).
Mas o importante em relação à criatividade no
conceito da ciência econômica e, especificamente, no conceito da eficiência dinâmica,
não advém do seu aspecto psicológico. O
que importa são seus efeitos no meio social — ou seja, a criatividade é um
elemento gerador de mudanças quando colocada em prática através da ação
humana. É a ação fruto de uma ideia que
cria novos recursos, novas informações, novo conhecimento. Ação essa tipicamente empresarial.
Para tornar mais claro a importância desses
efeitos no desenvolvimento da sociedade, basta observar a origem etimológica da
palavra empresa. Ela procede do latim in prehendo, que significa descobrir, dar-se conta de; e a palavra in prehesa leva à ideia de ação,
significando tomar, agarrar. Em suma, empresa é sinônimo de ação. Consequentemente, o termo empreendedor remete
a uma atividade contínua da ação empresarial. Não obstante, este conceito está
ligado ao capitalismo, pois deriva da palavra capital, esta de origem etimiológica caput (cabeça), que remete ao significado de pensar, exercício
mental. Em síntese, é a ação criativa
(empresarial) que resolve os problemas econômicos. Logo, qualquer negação ou limitação do
capitalismo nega ou limita, consequentemente, o livre exercício mental do ser
humano, a subsequente ação criativa — e, consequentemente, também nega ou
limita a resolução dos problemas econômicos.
Porém, o exercício mental, e a subsequente ação,
não é um processo automático. Da
concepção da idéia, inerente ao pensamento humano, até sua efetivação através
da ação, existe uma escolha. A ideia
pode existir, mas pode não ser executada; e, se executada, a escolha implica uma
renúncia de diversas outras possibilidades. É uma questão de livre-arbítrio baseado em
fins, juízos de valor. Ou seja,
preferências ordinais do indivíduo em determinada conjuntura. O livre-arbítrio seleciona a preferência, e
ela é revelada por meio da ação.
3. Livre-arbítrio
Uma definição de senso
comum da consciência equipara-se à experiência consciente. O senso comum diz que experiências conscientes
ocorrem com numerosos concomitantes: alguns internos, outros externos. Vejamos um exemplo:
Você está lendo este
artigo e parou para refletir sobre o parágrafo anterior. Ao mesmo tempo em que reflete, escuta um
barulho vindo da rua. Isto o leva a uma
opção: verificar a origem do barulho ou ignorar o fato ocorrido.
Isso é um concomitante
externo e é de fácil compreensão. O
leitor não se identifica com a ida até a janela caso fosse verificar a origem
do barulho. Logo, esse concomitante não
é um elemento fundamental da consciência. No entanto, quando o leitor passa ao escopo
interno da mente (verificar ou ignorar o barulho), as coisas se tornam muito
menos claras.
Isso porque verificar ou ignorar são opções de
ação do indivíduo. As opções antecedem e
criam o contexto para os subsequentes atos humanos — e, portanto, a
possibilidade de um novo contexto surge quando ele opta. E é justamente essa possibilidade de saltar
para fora do velho contexto e entrar em outro, que proporciona a sua liberdade
de escolha. Em todos os momentos, o ser
humano enfrenta literalmente miríades de possibilidades alternativas. Escolhe entre elas e, quando escolhe,
reconhece o curso do seu devenir. Dessa
maneira, a opção e o reconhecimento da opção definem o seu "eu".
Assim, todas as experiências conscientes envolvem
uma abertura para o futuro; ou seja, estabelecem possibilidades. Nesse
processo, devem-se distinguir dois termos com frequência utilizados como
sinônimos, mas que diferem na construção do futuro: opção e livre-arbítrio. Enquanto a opção aplica-se a todos os casos em
que o indivíduo escolhe conscientemente ou não entre as alternativas, o
livre-arbítrio aplica-se a todos os casos em que uma ação subsequente é praticada com origem em uma iniciativa causal
própria; ou seja, há uma deliberação inerentemente consciente do indivíduo.
O Sujeito é aquele que escolhe. Não é o Cogito,
ergo sum, como pensava Descartes, mas o Opto,
ergo sum: Escolho, logo existo.
O livre-arbítrio, consequentemente, contrapõe
qualquer doutrina determinística, pois "é
o agente capaz de dizer não a respostas condicionadas e aprendidas pela experiência." (GOSWAMI, 2007, p. 243). A experiência aqui mencionada pode ser
encontrada em registros históricos, tradições e costumes populares
(conhecimento disperso e não sistematizado), não deixando de estar sujeita à
interpretação. Ela pode ser um exemplo,
um condicionante da escolha, mas não a obriga de forma determinística. Sendo
assim:
Se as condições iniciais
não determinam para sempre o movimento de um objeto [e o curso das ações]; se,
em vez disso, em cada ocasião que observarmos há um novo começo, então o mundo
é criativo no nível básico. (GOSWAMI, 2007, p. 63).
4. Ação humana e eficiência
dinâmica
Devido à criatividade e o livre-arbítrio, a ação
humana caracteriza-se como um processo constante de novas experiências. Quando
um agente escolhe um determinado curso de ação, as consequências irão depender,
em parte, dos cursos de ação que outros escolheram, estão escolhendo ou ainda irão
escolher. Por isso, parece inevitável a
plausibilidade do argumento segundo o qual, em um mundo com decisões autônomas,
"o futuro não apenas é desconhecido, mas desconhecível." (IORIO, 2007,
p.47).
Sendo assim, o futuro deixa de ser um mero "porvir", um mero decorrer determinístico
inexorável a partir de circunstâncias dadas e perfeitamente conhecidas, tal
qual se apresenta na teoria neoclássica. O futuro, na verdade, é um "por fazer", incerto e mergulhado na
concepção de tempo real[4].
A alocação de recursos não é,
portanto, uma mera conta de otimização
predizível, mas sim, um processo
dinâmico de ação em virtude da criatividade e das escolhas humanas,
propiciando um processo constante de novas descobertas (e novos fins que
implicam, naturalmente, novos meios para se atingi-los).
Eis aqui o ponto fundamental. A eficiência dinâmica ultrapassa o conceito
neoclássico de eficiência estática e acrescenta a possibilidade não só da
criação de recursos no decorrer do tempo,
como também da criação e escolha de novas maneiras de alocação, por meio da
ação empresarial. Ou seja, a descoberta e a escolha de novos meios para
atingir os mesmos ou novos fins. É
isso que caracteriza a eficiência
dinâmica. A economia é, por esse
motivo, um processo dinâmico, e não um jogo de "soma zero".
5. A retomada e
consolidação do conceito de eficiência dinâmica
Naturalmente,
com a exposição dos argumentos sobre a eficiência dinâmica, ela será
reincorporada na teoria econômica. Ela
condiz com o dualismo metodológico necessário no estudo da ciência econômica,
sendo um importante contribuinte para resolver a crise metodológica que a
ciência econômica vive desde os tempos de Walras até hoje.
Porém,
muitos
economistas, condicionados pela antiga visão da teoria, não compreendem o
processo da eficiência dinâmica, contribuindo para perpetuar os equívocos:
Poucas pessoas se dão ao
trabalho de estudar as origens das próprias convicções. Gostamos de continuar crendo no que nos
acostumamos a aceitar como verdade. Por
isso, a maior parte do nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos para
continuar a acreditar no que cremos. (ROBINSON apud ARAÚJO 2008 p.13)
Para mudar essa visão, basta que esses
economistas usem da introspecção e reconheçam que o ser humano não é um gado
que deve ser subjugado a uma engenharia alocativa de recursos, tal qual advoga
a teoria neoclássica. Cada pessoa tem a
sua própria hierarquia de fins segundo seus próprios juízos de valor, segundo suas
escolhas, e isso não é diferente para os próprios economistas do mainstream. Eles estão submetidos ao
processo da eficiência dinâmica e, por isso, precisam reconhecer que é o
conceito válido. O conceito é inerente à
ação humana.
________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, C. História do Pensamento Econômico: uma
abordagem introdutória. São Paulo: Atlas, 2008.
GOSWAMI, A. O universo autoconsciente. São Paulo: Aleph,
2007.
HUERTA DE SOTO. Estudios de Economía Política. 2.ed. Madrid: Unión Editorial,
2004.
__________________. Socialismo, Cálculo Económco y Función Empresarial. 4.ed. Madrid:
Unión Editorial, 2010.
__________________. The Theory of Dynamic Efficiency. New York: Routledge foundations
of the market economy, 2009.
IORIO, U. Economia
e Liberdade: a escola austríaca e a economia brasileira. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.
KIRZNER, I. Competição e atividade empresarial;
Rio de Janeiro: Insituto Liberal, 1986.
MISES, L.; Ação Humana: um tratado de economia;
3.ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990.
_________;Teoría e História. Madrid: Unión
Editorial, 2003.
VARIAN, R.
Microeconomia:
conceitos básicos. Rio de Janeiro
[1]
Tanto o conceito
de eficiência estática como o de eficiência dinâmica são conhecidos desde a
concepção do próprio conceito de economia por XENOFONTE, na Grécia antiga. No
entanto, a partir do século XIX, houve a grande influência das ciências
naturais sobre a ciência econômica, que resultou na exaltação do enfoque
estático de eficiência (principalmente com León Walras) e na supressão do
enfoque dinâmico (ver HUERTA DE SOTO, 2009, p.2). Esse conceito estático
conduziu a ciência econômica ao positivismo e a estudos de maximização. Eis a origem do paradigma walrasiano.
[2]
O esquema da pirâmide é apresentado na aula 09 da disciplina de "Principios
Básicos de la
Escuela Austríaca I" pelo proprio Prof. Huerta de Soto (http://www.anarcocapitalista.com/JHSLecciones9.htm).
[3]
Tanto a criatividade como o livre arbítrio podem ser axiomas, pois, no
primeiro, para negar a existência da criatividade é necessário criar um argumento para contestá-la; no
segundo, faz-se uso do próprio livre- arbítrio para reconhecê-lo ou ignorar sua
existência.
[4] Ver
IORIO, 2007, p. 50.