A
recente medida para conter a apreciação do real, anunciada pelo ministro Guido
Mantega na semana passada, surpreende o empresariado brasileiro e impõe mais um
imposto ao setor exportador, adicionando ainda mais incerteza a um cenário
internacional já repleto deste ingrediente.
A
desastrosa coletiva de imprensa comandada pelo dito ministro é um déjà vu ao
fatídico dia em que
Zélia Cardoso de Mello anunciava
o Plano Collor e seu criminoso confisco das contas correntes. Abundância de dúvidas e escassez de respostas.
Faz-nos refletir: é preciso ser
ignorante em economia para ocupar o cargo de ministro da fazenda?
E
o que falar do desentendimento dentro do próprio ministério da fazenda? Em um primeiro momento, Mantega afirmou que o
imposto não afetaria o exportador que tivesse um hedge casado com uma venda externa. Minutos depois, Nelson Barbosa,
secretário-executivo da Fazenda, confirmou que sim, os exportadores seriam
impactados. Mas, segundo Barbosa,
os efeitos seriam baixos, pois seriam compensados por um real desvalorizado. Ou seja, Barbosa assegura a priori que o
novo imposto desvalorizará o real. Esse
é o time que comanda o ministério mais importante do país. Importante no sentido do estrago que pode
causar.
É
notória a falta de sintonia interna do governo. De um lado temos Dilma sendo contrariada,
horas após afirmar que não haveria mais medidas para conter a alta do real. E do outro, Barbosa corrigindo Mantega
momentos depois de uma tragicômica coletiva de imprensa.
A medida e seus efeitos
A
medida
provisória 539 que instituiu a nova taxação tem um duplo efeito na
economia: o de onerar ainda mais o setor exportador e o de conceder maiores
poderes ao Conselho Monetário Nacional.
Sob
a justificativa de atrapalhar as "apostas" na queda do dólar, e consequentemente
frear a subida do real, o governo vai passar a taxar as posições líquidas
vendidas em dólar dos agentes do mercado. Ou seja, qualquer empresa que, a partir da
data da medida, passar a ter posições líquidas vendidas em dólar (acima de US$
10 milhões) sofrerá um IOF de 1% sobre tal posição, conforme estabelecido pelo decreto
7.536. Caso este percentual não seja
suficiente para conter a valorização da moeda brasileira, o CMN tem uma faixa
de 1 a 25% para aumentar o imposto.
Inúmeras
questões ficaram no vácuo, por exemplo: i) o parâmetro para justificar um
aumento do IOF dentro da faixa de 1 a 25%? Seria um dólar abaixo de 1,53? Ou abaixo de 1,50? ii) Se o dólar se apreciar acima de algum
patamar, a medida será retirada? iii)
como determinar o que é especulação e o que é hedge genuíno de exportadores? O mercado continua às escuras tentando decifrar
as questões de operacionalização da medida.
Mas
o que deve deixar o mercado preparado para o que pode vir é o inciso II do Art.
1° da MP 539, o qual define as novas atribuições do CMN:
"II
- fixar limites, prazos e outras[1]
condições sobre as negociações dos contratos."
Dito
de outra forma, o CMN pode fazer o que bem entender no mercado de derivativos.
Mas
que efeitos práticos esta medida terá? Para
uma empresa exportadora, estar "vendido" em dólar é algo bastante natural. São raros os casos de empresas que operam sem
proteção contra volatilidade do câmbio, o chamado hedge. O resultado efetivo é
que, quando um exportador fechar um contrato de hedge, haverá um novo componente onerando o custo da operação: o
IOF de 1%, ou eventualmente de até 25%. Isto
implica que, devido ao novo imposto, um exportador receberá menos reais pela
venda de seus dólares. Na prática, isto
equivale a "apreciar o real". Ou seja,
concluímos que o objetivo da medida é encarecer o real para que ele não
encareça.
Ademais,
com a arbitrariedade da faixa de IOF que pode incidir sobre a posição líquida,
o CMN se arroga o poder de decretar do dia para a noite a falência de empresas
voltadas ao mercado externo. Ou as
empresas fazem hedge mesmo com o imposto, diminuindo, mas garantindo, suas
margens, ou vendem ao exterior sem hedge e expostos a um câmbio volátil e com
tendência declinante. Ou simplesmente
param de exportar por não ser mais lucrativo operar neste mercado. Se os exportadores marginais praticamente não
conseguem competir com um câmbio nos níveis atuais, como conseguirão com um
real mais caro? Para quem já estava na
beira do precipício, esse era o empurrãozinho que faltava.
Podemos
agora entender a lógica da medida anunciada. O real está se valorizando e o setor
exportador está perdendo terreno. Então
é preciso desvalorizar o real para ajudar essas empresas. Como? Valorizando o real. E viva a contradição.
Portanto,
a medida anunciada é um tiro no pé. No
pé do exportador, óbvio, pois o governo jamais sai prejudicado. Se o dólar subir, é êxito da medida. Se baixar, é porque sem a mesma seria ainda
pior, abrindo a possibilidade de o CMN exercer seu poder discricionário e
aumentar o IOF cobrado e prejudicar ainda mais aquele que se afirma defender, o
exportador.
Uma nota sobre o hedge
Segundo
o governo, ao desincentivar as apostas na queda do dólar, este não se
desvalorizará. No entanto, é preciso
entender duas coisas: a natureza das "apostas" e se há uma relação de causa e
efeito entre estas e a desvalorização do dólar.
Um
exportador que procura proteger-se da volatilidade do câmbio, fechando um
contrato futuro, não está fazendo aposta nenhuma. Está garantindo suas margens. Aposta seria vender em dólares sem hedge e
ficar sujeito ao valor desta moeda no futuro, algo totalmente alheio ao seu
controle.
Mesmo
que haja empresas que definitivamente "apostem" num dólar baixo, fechando
contratos futuros sem nenhuma operação subjacente de venda ao exterior, estas desempenham uma função importante no
mercado, a de sinalizar uma tendência da moeda.
Mas se por acaso alguma empresa for levada à bancarrota por ingerência
com derivativos, que assim seja. Essa é
a forma que o mercado pune os maus gestores. O sucesso e a falência são ambos fundamentais
ao bom funcionamento do livre mercado.
Mas
pode a aposta no dólar determinar o seu preço à vista? Estudos empíricos apontam para os dois lados,
derivativos podem influenciar o preço do ativo base ou não. Por mais que seja teoricamente possível que o
mercado de derivativos exerça certa influência no mercado à vista, em última
instância somente as leis de oferta e demanda podem ser determinantes no seu
preço. Afinal de contas, o valor de
derivativo "deriva" ou depende de um ativo e não o contrário.
Ainda
que contratos futuros possam exercer uma pressão vendedora lá na frente, o
preço à vista do câmbio lá na frente ainda vai depender da oferta e demanda das
moedas, independendo do preço contratado previamente.
Conclusão
Assim
como qualquer bem, o preço do dólar é também determinado pela lei de oferta e
demanda. Pelo lado da oferta, todos os
sinais indicam que Bernanke e sua impressora continuarão garantindo uma
enxurrada de dólares no mercado mundial.
Do
lado da demanda, uma enxurrada de reais necessária para compensar a abundância
de dólares traria uma pressão nos índices de preços muito forte, comprometendo
ainda mais a obtenção da meta de IPCA a 4,5%. Acho que o atual governo não está disposto a
aceitar essa alternativa.
Infelizmente
não há nenhum sinal de reversão de curso do dólar. O teatro em torno da elevação do teto de
endividamento americano tem ofuscado o tamanho do problema que os EUA
enfrentam. Com o prognóstico de mais de
US$ 10 trilhões de déficits nos próximos 10 anos, e cortes de não mais do que
US$ 4 trilhões, o tal teto precisará ser elevado para acomodar pelo menos uns
US$ 6 trilhões a mais. Considerando o
montante que os países estrangeiros já carregam de Treasuries (títulos da dívida americana), é altamente provável que
Bernanke tenha que monetizar grande parte da dívida crescente. E desta forma o dólar não tem saída. A perspectiva é de uma contínua desvalorização
da moeda americana.
Com
esse cenário, o empresário brasileiro terá de se acostumar a um dólar
enfraquecido e importar o que for possível. E esta é a verdadeira definição do que está
ocorrendo. Não é o real que está forte e
caro. É o dólar que tem sido minado e
enfraquecido. E para piorar a situação,
o empresário também deve se acostumar a ficar sujeito às arbitrariedades de um
governo que nada faz para melhorar a competitividade do país. Apenas adota medidas desastrosas e em
desespero para manipular o câmbio, e adia como sempre as reformas estruturais e
a redução do gasto público.
Infelizmente
novas medidas virão. E elas não
conseguirão conter o enfraquecimento do dólar.
A
mais recente, a MP 539, é de fato um perfeito exemplo das demais políticas
públicas: ineficazes, contraditórias e arbitrárias, cujo principal resultado é
o aumento da arrecadação e do poder estatal.
Ou
o nosso ministério da fazenda está repleto de ignorantes em economia, ou eu sou
muito ingênuo em achar que o objetivo principal é mesmo ajudar os exportadores.
[1]
Uma lei não pode ter "outros" ou "etc.", muito menos noções vagas e imprecisas.
Não pode estar sujeita a interpretações.
A legislação deve ser clara, específica
e restrita no que tange aos seus fins e meios.