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Economia

O arsenal sem sentido da guerra cambial

02/08/2011

O arsenal sem sentido da guerra cambial

A recente medida para conter a apreciação do real, anunciada pelo ministro Guido Mantega na semana passada, surpreende o empresariado brasileiro e impõe mais um imposto ao setor exportador, adicionando ainda mais incerteza a um cenário internacional já repleto deste ingrediente.

A desastrosa coletiva de imprensa comandada pelo dito ministro é um déjà vu ao fatídico dia em que Zélia Cardoso de Mello anunciava o Plano Collor e seu criminoso confisco das contas correntes.  Abundância de dúvidas e escassez de respostas.  Faz-nos refletir: é preciso ser ignorante em economia para ocupar o cargo de ministro da fazenda?

E o que falar do desentendimento dentro do próprio ministério da fazenda?  Em um primeiro momento, Mantega afirmou que o imposto não afetaria o exportador que tivesse um hedge casado com uma venda externa.  Minutos depois, Nelson Barbosa, secretário-executivo da Fazenda, confirmou que sim, os exportadores seriam impactados.  Mas, segundo Barbosa, os efeitos seriam baixos, pois seriam compensados por um real desvalorizado.  Ou seja, Barbosa assegura a priori que o novo imposto desvalorizará o real.  Esse é o time que comanda o ministério mais importante do país.  Importante no sentido do estrago que pode causar.

É notória a falta de sintonia interna do governo.  De um lado temos Dilma sendo contrariada, horas após afirmar que não haveria mais medidas para conter a alta do real.  E do outro, Barbosa corrigindo Mantega momentos depois de uma tragicômica coletiva de imprensa.

A medida e seus efeitos

A medida provisória 539 que instituiu a nova taxação tem um duplo efeito na economia: o de onerar ainda mais o setor exportador e o de conceder maiores poderes ao Conselho Monetário Nacional.

Sob a justificativa de atrapalhar as "apostas" na queda do dólar, e consequentemente frear a subida do real, o governo vai passar a taxar as posições líquidas vendidas em dólar dos agentes do mercado.  Ou seja, qualquer empresa que, a partir da data da medida, passar a ter posições líquidas vendidas em dólar (acima de US$ 10 milhões) sofrerá um IOF de 1% sobre tal posição, conforme estabelecido pelo decreto 7.536.  Caso este percentual não seja suficiente para conter a valorização da moeda brasileira, o CMN tem uma faixa de 1 a 25% para aumentar o imposto.

Inúmeras questões ficaram no vácuo, por exemplo: i) o parâmetro para justificar um aumento do IOF dentro da faixa de 1 a 25%?  Seria um dólar abaixo de 1,53?  Ou abaixo de 1,50?  ii) Se o dólar se apreciar acima de algum patamar, a medida será retirada?  iii) como determinar o que é especulação e o que é hedge genuíno de exportadores? O  mercado continua às escuras tentando decifrar as questões de operacionalização da medida.

Mas o que deve deixar o mercado preparado para o que pode vir é o inciso II do Art. 1° da MP 539, o qual define as novas atribuições do CMN:

"II - fixar limites, prazos e outras[1] condições sobre as negociações dos contratos."

Dito de outra forma, o CMN pode fazer o que bem entender no mercado de derivativos.

Mas que efeitos práticos esta medida terá?  Para uma empresa exportadora, estar "vendido" em dólar é algo bastante natural.  São raros os casos de empresas que operam sem proteção contra volatilidade do câmbio, o chamado hedge.  O resultado efetivo é que, quando um exportador fechar um contrato de hedge, haverá um novo componente onerando o custo da operação: o IOF de 1%, ou eventualmente de até 25%.  Isto implica que, devido ao novo imposto, um exportador receberá menos reais pela venda de seus dólares.  Na prática, isto equivale a "apreciar o real".  Ou seja, concluímos que o objetivo da medida é encarecer o real para que ele não encareça.

Ademais, com a arbitrariedade da faixa de IOF que pode incidir sobre a posição líquida, o CMN se arroga o poder de decretar do dia para a noite a falência de empresas voltadas ao mercado externo.  Ou as empresas fazem hedge mesmo com o imposto, diminuindo, mas garantindo, suas margens, ou vendem ao exterior sem hedge e expostos a um câmbio volátil e com tendência declinante.  Ou simplesmente param de exportar por não ser mais lucrativo operar neste mercado.  Se os exportadores marginais praticamente não conseguem competir com um câmbio nos níveis atuais, como conseguirão com um real mais caro?  Para quem já estava na beira do precipício, esse era o empurrãozinho que faltava.

Podemos agora entender a lógica da medida anunciada.  O real está se valorizando e o setor exportador está perdendo terreno.  Então é preciso desvalorizar o real para ajudar essas empresas. Como?  Valorizando o real.  E viva a contradição.

Portanto, a medida anunciada é um tiro no pé.  No pé do exportador, óbvio, pois o governo jamais sai prejudicado.  Se o dólar subir, é êxito da medida.  Se baixar, é porque sem a mesma seria ainda pior, abrindo a possibilidade de o CMN exercer seu poder discricionário e aumentar o IOF cobrado e prejudicar ainda mais aquele que se afirma defender, o exportador.

Uma nota sobre o hedge

Segundo o governo, ao desincentivar as apostas na queda do dólar, este não se desvalorizará.  No entanto, é preciso entender duas coisas: a natureza das "apostas" e se há uma relação de causa e efeito entre estas e a desvalorização do dólar.

Um exportador que procura proteger-se da volatilidade do câmbio, fechando um contrato futuro, não está fazendo aposta nenhuma.  Está garantindo suas margens.  Aposta seria vender em dólares sem hedge e ficar sujeito ao valor desta moeda no futuro, algo totalmente alheio ao seu controle.

Mesmo que haja empresas que definitivamente "apostem" num dólar baixo, fechando contratos futuros sem nenhuma operação subjacente de venda ao exterior,  estas desempenham uma função importante no mercado, a de sinalizar uma tendência da moeda.  Mas se por acaso alguma empresa for levada à bancarrota por ingerência com derivativos, que assim seja.  Essa é a forma que o mercado pune os maus gestores.  O sucesso e a falência são ambos fundamentais ao bom funcionamento do livre mercado.

Mas pode a aposta no dólar determinar o seu preço à vista?  Estudos empíricos apontam para os dois lados, derivativos podem influenciar o preço do ativo base ou não.  Por mais que seja teoricamente possível que o mercado de derivativos exerça certa influência no mercado à vista, em última instância somente as leis de oferta e demanda podem ser determinantes no seu preço.  Afinal de contas, o valor de derivativo "deriva" ou depende de um ativo e não o contrário.

Ainda que contratos futuros possam exercer uma pressão vendedora lá na frente, o preço à vista do câmbio lá na frente ainda vai depender da oferta e demanda das moedas, independendo do preço contratado previamente.

Conclusão

Assim como qualquer bem, o preço do dólar é também determinado pela lei de oferta e demanda.  Pelo lado da oferta, todos os sinais indicam que Bernanke e sua impressora continuarão garantindo uma enxurrada de dólares no mercado mundial.

Do lado da demanda, uma enxurrada de reais necessária para compensar a abundância de dólares traria uma pressão nos índices de preços muito forte, comprometendo ainda mais a obtenção da meta de IPCA a 4,5%.  Acho que o atual governo não está disposto a aceitar essa alternativa.

Infelizmente não há nenhum sinal de reversão de curso do dólar.  O teatro em torno da elevação do teto de endividamento americano tem ofuscado o tamanho do problema que os EUA enfrentam.  Com o prognóstico de mais de US$ 10 trilhões de déficits nos próximos 10 anos, e cortes de não mais do que US$ 4 trilhões, o tal teto precisará ser elevado para acomodar pelo menos uns US$ 6 trilhões a mais.  Considerando o montante que os países estrangeiros já carregam de Treasuries (títulos da dívida americana), é altamente provável que Bernanke tenha que monetizar grande parte da dívida crescente.  E desta forma o dólar não tem saída.  A perspectiva é de uma contínua desvalorização da moeda americana.

Com esse cenário, o empresário brasileiro terá de se acostumar a um dólar enfraquecido e importar o que for possível.  E esta é a verdadeira definição do que está ocorrendo.  Não é o real que está forte e caro.  É o dólar que tem sido minado e enfraquecido.  E para piorar a situação, o empresário também deve se acostumar a ficar sujeito às arbitrariedades de um governo que nada faz para melhorar a competitividade do país.  Apenas adota medidas desastrosas e em desespero para manipular o câmbio, e adia como sempre as reformas estruturais e a redução do gasto público.

Infelizmente novas medidas virão.  E elas não conseguirão conter o enfraquecimento do dólar.

A mais recente, a MP 539, é de fato um perfeito exemplo das demais políticas públicas: ineficazes, contraditórias e arbitrárias, cujo principal resultado é o aumento da arrecadação e do poder estatal.

Ou o nosso ministério da fazenda está repleto de ignorantes em economia, ou eu sou muito ingênuo em achar que o objetivo principal é mesmo ajudar os exportadores.



[1] Uma lei não pode ter "outros" ou "etc.", muito menos noções vagas e imprecisas.  Não pode estar sujeita a interpretações.  A legislação deve ser clara, específica e restrita no que tange aos seus fins e meios.


Sobre o autor

Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. é conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária.

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