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Economia

O longo prazo chegou

11/07/2011

O longo prazo chegou

Para quem entende as causas da crise financeira mundial, cujas repercussões seguimos enfrentando, o que se passa na Europa não é nenhuma novidade.  Em 2008/2009, como resposta ao (suposto) iminente colapso da economia global, diversos países do mundo desenvolvido embarcaram numa expansão fiscal sem precedentes.  Dado que a munição da política monetária já havia se exaurido, restava aos governos arregaçarem as mangas e gastar.  Gastar pesado e rápido.  Era a volta do mestre Keynes e sua cura: estímulos fiscais.

Por que estímulo fiscal não é a resposta

Também denominado de políticas anticíclicas, outros sinônimos para estímulo fiscal são: impulso ou expansão orçamentária, déficits, entre outros.  Em linguagem simples: mais gastos governamentais financiados através de endividamento.  Por definição, um estímulo é algo que estimula, fornece um impulso ou incentiva atividade.  É algo que tem um impacto ou influência em um sistema.  Se um objeto precisa de estímulo, subentende-se que tal objeto não está respondendo de acordo com o seu funcionamento normal.  Se a economia precisa ser estimulada, inferimos que ela não está respondendo como deveria, instigando alguma ação por parte do governo.  A economia está letárgica.  Assim enxergam os supostos especialistas.  E a mídia ecoa.

Uma das principais falhas na teoria econômica mainstream e keynesiana é a inadequação em entender o que está causando a economia a apresentar esta condição.  Na ausência de uma correta e sólida fundamentação teórica, as respostas nunca apontam à solução apropriada. De fato, além de oferecerem as respostas erradas, levantam questionamentos irrelevantes.

Ao negligenciar a compreensão de por que o consumo está caindo, a atenção é direcionada à prescrição de soluções.  Segundo os conselhos dos especialistas keynesianos, o governo deve intervir para trazer a demanda agregada de volta à vida, fazendo um contrapeso à decrescente demanda privada.

Política anticíclica significa política objetivando a combater o ciclo.  Economistas keynesianos e do mainstream de fato reconhecem que um ciclo econômico.  Mas eles não conseguem entender, no entanto, por que há um ciclo.  E este é um ponto chave.  É como se os ciclos econômicos fossem algo "dado" na teoria keynesiana.  Eles simplesmente existem.  Ponto.  Não deveriam surpreender-nos em nada, quando suas prescrições enfocam os sintomas ao invés de as causas subjacentes, reforçando os problemas, quando deveriam aliviá-los.

Expansão creditícia não sustentada em um incremento proporcional de poupança real envia sinais falsos aos empresários que são enganados a embarcar em investimentos como se os recursos necessários estivessem realmente disponíveis para a conclusão de todos os projetos.  Os padrões de consumo não mudaram, isto é, a preferência temporal não foi modificada, mas a criação de crédito mascara precisamente este fato.  Meios fiduciários aumentaram, enquanto a poupança existente para empréstimos continua inalterada.

Este fenômeno leva a um boom inflacionário causando investimentos errôneos em larga escala, uma vez que todos os projetos não poderão ser completados devido à insuficiência de recursos.  Eventualmente, negócios inviáveis deverão ser liquidados, transformando o boom prévio numa inevitável recessão.

Durante esta fase, todas as iniciativas não lucrativas são liquidadas para que a economia possa realocar os recursos a negócios realmente viáveis. Apesar de que o grande público gostaria de evitar o sofrimento não intencionado, o resultado inescapável de um boom insustentável é o chamado malinvestment (mal investimento), isto é, empreendimentos que nem deveriam ter sido iniciados.  Demissões e falências são inerentes aos ciclos de expansão e recessão.  Permitir que este processo ocorra com a menor fricção possível é tudo que se requere dos governos, o que acelerará a realocação de recursos, garantindo uma recuperação sólida e sustentável.

Somos ensinados a enxergar a recessão como o estágio do ciclo econômico onde todos os infortúnios acontecem: demissões, falências, inadimplência, etc. Depressões são inerentes à economia de mercado, defendem os keynesianos.  Governos são supostamente responsáveis por restaurar a "estabilidade econômica".  É neste ponto que as políticas monetária e fiscal devem intervir e assegurar que a atividade econômica não retroceda.  

Considerando a teoria recém explicada, já podemos ter uma pequena noção de como déficits fiscais podem, somente, piorar ainda mais a situação.

Se governos são apenas capazes de empregar recursos previamente apropriados do setor privado (via impostos ou endividamento), é simplesmente impossível investir sem desinvestir de alguma outra área da economia.  Investimento público significa necessariamente desinvestimento privado. Consequentemente, o tão almejado "aumento da demanda agregada" não passa de uma noção errônea. Como bem complementa Eggers[1]:

"Demanda agregada é um resultado não intencionado das ações de indivíduos e não possui nenhum papel causal na determinação destes.  Mas se a demanda agregada é irrelevante à ação, e não tem significado numa análise do funcionamento de um sistema de mercado, é impossível haver uma referência para determinar se ela se encontra abaixo de algum ideal, e tampouco pode haver algum desemprego causado por tal queda [de demanda agregada]."

Empreendedorismo e lucro não têm espaço na economia de Keynes.  Como o próprio título de sua notória obra sugere, sua preocupação central é o emprego.  Assim, é irrelevante, segundo Keynes, se investimento público é de fato produtivo e se os recursos estão sendo eficientemente utilizados.  O que importa acima de tudo é que as pessoas estejam empregadas.

Como Eggers sucintamente explicou, é essencial entender que "todo o desemprego é causado por divergências de preço (mispricing) e não por demanda agregada insuficiente".  Lucros emergem do diferencial entre receita e despesa.  Empresários estão preocupados com os diferenciais entre preços relativos e não com um aumento ou queda no nível geral de preços.  Qualquer tentativa de expandir a oferta monetária por meio de liquidez extra pelo Banco Central irá agravar as distorções, impedindo empresas de ajustar suas operações e corrigir as divergências nos preços. "Isto, portanto, implica que uma política destinada a reduzir o desemprego pela aproximação da demanda agregada a um ideal qualquer é fundamentalmente mal concebida desde o princípio. O resultado é típico de esforços bem intencionados para resolver problemas que não existem: os problemas que existem são intensificados[2]".

A contribuição à sociedade que advém das despesas e investimentos públicos é no mínimo questionável, dado que não há nenhuma forma racional para que governos embasem suas decisões de investimento. Ademais, todo o processo tende a ser excessivamente politizado[3]. Sem o motivo do lucro, o emprego de recursos pelo estado é ineficiente por definição.

A única política anticíclica viável é abster-se de expandir a oferta monetária desde o princípio. Todas as outras tentativas irão somente atenuar a crise, atacando os sintomas, mas não a raiz dos ciclos econômicos. Não obstante, uma vez gerado o boom artificial e chegada a recessão, que deixemos o mercado (empresários, consumidores, produtores, poupadores, investidores, etc.) cuidar de recompor a economia.

A Grécia hoje. Quem será o próximo?

Antes da crise de 2008, inúmeros países da União Européia apresentavam índices de endividamento e déficits orçamentários preocupantes e em quebra das cláusulas do tratado de Maastricht.  Entretanto, para debelar o colapso da economia mundial, o consenso era política monetária e fiscal a todo o vapor.  Recomendados pela Comissão da UE, e sob o título de Plano de Recuperação da Economia Européia[4], países da zona do Euro foram encorajados a incorrerem em déficits fiscais no curto prazo para que a santa "demanda agregada" não caísse, ainda que condicionados a estruturar reformas e ações para que no longo prazo a solvência fiscal permanecesse assegurada.  Em outras palavras: "gastem já! Depois a gente vê o que faz".  E a maioria acatou.

A crise de dívida soberana que a Europa enfrenta foi intensificada e, talvez, acelerada pelas medidas de estímulos fiscais adotadas por grande parte dos países da UE.  Com políticas desesperadas e sem a menor noção de quão efetivas tais ações seriam, todos embarcaram numa gastança no curtíssimo prazo, piorando ainda mais uma situação fiscal já, na época, preocupante.

A fundamentação teórica por trás das medidas de expansão fiscal no curto prazo, acompanhadas de consolidação fiscal no longo prazo, era de que o multiplicador de Keynes entraria em ação, resultando em maior crescimento econômico, logo maior arrecadação, que por inércia traria os níveis de déficits orçamentários a um patamar razoável ao longo do tempo.

Mas alguma hora o longo prazo chega.  E ele chegou.  Inesperadamente (para os políticos), os estímulos fiscais não somente foram inúteis e prejudiciais, no sentido de melhorar a economia, como também precipitaram o caos nas finanças públicas da UE.  O que acontecerá não é possível saber, pois as decisões serão políticas e não econômicas.  Desvalorizarão o Euro para salvar os países perdulários?  Obrigarão os países a equilibrarem seus orçamentos?  Aceitarão estes países tais exigências?  Ou sairão da união monetária e desvalorizarão a sua nova moeda nacional?

É de fato impossível adivinhar.  A mensagem que devemos ter em mente é que a crise está longe de acabar. Agora é a Grécia e, ao que tudo indica, Portugal também.  Depois será Espanha.  Temos logo ao lado a Itália, com uma dívida que ultrapassa 100% do PIB.  Seguramente, ainda enfrentaremos algumas tempestades.  O curioso é que muitos falam de medo do "contágio".  Ora, endividados e deficitários todos estão.  Já não há o que contagiar. A doença é o endividamento.  É uma mera questão de tempo para os mercados financeiros tratarem de cada país.

E não nos esqueçamos dos EUA, que também faz parte deste dominó.  Só não está encabeçando a lista, pois o dólar ainda sobrevive e as agências de rating ainda não tiveram a coragem de rebaixar a classificação de risco da dívida americana.  Todas já ameaçaram.  Mas dificilmente o farão.  Além disso, após classificarem as hipotecas podres subprimes como ativos "AAA", as suas reputações e credibilidades foram seriamente abaladas.

O que sim está perto de acabar é a viabilidade do estado do bem-estar social.  Não que em algum momento foi viável.  Mas é que, mais do que nunca, as evidências são tão claras que é impossível negar.  Especialmente quando verificamos que, nos índices de déficits orçamentários e nos esforços de equilibrar as contas públicas, não estão sendo considerados os benefícios sociais como previdência, programas de saúde, entre outros comprometimentos de governos da UE e dos EUA.  É difícil imaginar a reação da sociedade, quando chegar a hora de equacionar essa conta.

Em suma, já não há mais espaço para recomendações do tipo "gaste agora e lide com os déficits depois", ainda que alguns vivam sob negação da realidade[5].  Sob a justificativa de solucionar a maior crise desde 1929, governos descarregaram toda a munição monetária e fiscal que um Banco Central com monopólio de emissão de moeda dispõe.  Fizeram de tudo, quando, paradoxalmente, a única coisa que a economia precisava era que nada mais fizessem.  O longo prazo nunca foi tão curto.  Já é passada a hora de botar a casa em ordem.



[1] Ver Skousen, Mark (ed) (1992), Dissent on Keynes: a critical appraisal of Keynesian, pg.42.

[2] Ibid. pg. 43.

[3] Ver Rothbard, Murray N. (2009), Man, Economy, and State with Power and Market, Auburn, AL, US: Ludwig von Mises Institute, pg. 938.

[4] http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication13504_en.pdf

[5] É risível que ainda tenha gente séria que segue recomendando este tipo de política http://blogs.ft.com/the-a-list/2011/07/07/only-further-stimulus-can-tackle-america%e2%80%99s-jobless-wage-less-recovery/

 

Sobre o autor

Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. é conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária.

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