O
México está se definhando rapidamente.
Tanto a vida de sua população quanto a própria vivacidade do país estão
sendo aniquiladas por uma desesperadora e desesperançada guerra contra as
drogas ilegais. Quem estiver à procura
de um exemplo abjeto de teimosia e estupidez governamental, não encontrará nada
melhor do que essa ridícula insistência em querer banir o "imbanível".
Nos
últimos cinco anos, o México contabilizou 34.600 homicídios relacionados à
guerra do governo mexicano às drogas ilegais.
Essa é a contabilidade oficial. A
contabilidade não oficial — provavelmente a mais acurada — eleva o número
para acima de 40.000. [No Brasil, o
número oficial de homicídios por ano é de 50.000, porém a população brasileira
é 1,7 vezes maior que a mexicana].
Qualquer
que seja o número escolhido, trata-se de uma cifra pavorosa, ainda mais quando
se considera a maneira como as vítimas foras despachadas. Esqueça esfaqueamentos, açoitamentos, tiros e
estrangulamentos — coisas cotidianas que a maioria de nós imagina quando
pensamos em homicídios. Não. No México, os homicídios
relacionados às drogas estão mais para reencenações de atrocidades —
decapitações, mutilações e enforcamentos — que remontam à era dos teatros
romanos sob o império de Cláudio. Seja
bem-vindo ao ano 10 d.C. e à carnificina
da era dos gladiadores.
A
sorte dos barões da droga é que homicídios pavorosos não seguem as leis dos
retornos marginais decrescentes: quanto mais os barões da droga aterrorizam,
mais os mexicanos se sentem intimidados.
O estilo retrógrado dos assassinatos praticados pelos barões da droga
forçou vários mexicanos pacíficos e trabalhadores a se recolher, se esconder e
a finalmente se retirar da sociedade. E
nenhuma sociedade pode durar sem uma base pacífica e industriosa.
E,
pra piorar, o fato é que não há escassez de opressores no México: a própria
polícia contribui com o seu quinhão. As
forças federais paramilitares e seus soldados de uniformes negros, com suas
metralhadoras pendendo ao longo do torso e com seus indicadores em contínuo
contato com os gatilhos, além de seus olhares frios e mortíferos que instilam
muito mais insegurança do que medo; em
termos de em quem confiar, a maioria dos mexicanos não distingue entre o
policial e o barão da droga. O fato é
que as forças policiais são vistas como sendo apenas uma classe distinta de
bandidos, o que exacerba o desespero.
O
medo, estimulado pela confusão, pela ignorância e pela constante violência,
acaba servindo para formar e moldar a opinião pública em favor da classe
política. Durante décadas, os oponentes
da legalização das drogas vêm repetindo o mesmo argumento escorregadio, sempre
com grande apelo: se as drogas ilegais forem legalizadas, o país irá se afundar
em uma espiral incontrolável e inevitável de iniquidade e violência. Embora, no geral absurda, o fato é que a
mensagem é concisa, provocativa e incrivelmente persuasiva. Uma guerra deveria ser declarada — isto é,
uma guerra unilateral que favorecesse a classe política.
Os
líderes políticos queriam apenas uma publicidade favorável para seus atos de
"valentia". Porém, no México, a guerra
às drogas tem sido menos unilateral do que os próprios políticos haviam
imaginado: rolaram mais cabeças de políticos
— literalmente e figurativamente — nessa guerra do que em qualquer outro
período da história.
Quem
conhece a ciência econômica, sabe que tudo tem um custo — e negligenciar os
potenciais custos da legalização das drogas ilegais seria uma atitude
intelectualmente desonesta. Vício,
dependência, incapacidade para arrumar emprego, overdoses, violência doméstica
e acidentes de trânsito são possibilidades muito reais, e elas poderiam muito
bem aumentar ao se legalizar o ilegal.
Entretanto,
há uma razão para se acreditar que tais custos são evitáveis. Portugal serve como uma intrigante situação
teste sobre a legalização das drogas. O
país descriminalizou (não legalizou) as drogas ilegais há uma década; e
pesquisas conduzidas pelo advogado Glenn Greenwald, sob os
auspícios do Cato Institute, são encorajadoras.
Greenwald constatou
que "embora o uso e o vício, bem como as patologias concomitantes, continuem em
forte ascensão em vários países da União Europeia, esses mesmos problemas ...
estão contidos ou até mesmo apresentaram melhoras mensuráveis em Portugal desde
2001."
Essas
descobertas de Greenwald na verdade são bem intuitivas: as normas sociais, os
costumes e as tradições funcionam como inibidores do uso de drogas (e, por
sinal, de praticamente qualquer tipo de comportamento). O álcool é uma substância difusa e
generalizada não por causa de sua legalidade, mas sim por causa de sua
aceitação. Uma Stella Artois ou um Jack
Daniel's são aceitáveis como lubrificantes sociais; maconha e cocaína,
não. Na esmagadora maioria dos círculos
sociais, este paradigma continuará intacto se as drogas forem legalizadas.
Mesmo
que o uso de drogas e suas consequências negativas viessem a aumentar, os
benefícios da legalização ainda assim sobrepujariam os atuais custos de se
manter o status quo. Nos EUA, por exemplo, desde 1971 o governo já
gastou mais de US$ 1 trilhão intensificando a guerra às drogas. Deste US$ 1 trilhão, US$ 121 bilhões foram
gastos apenas para encarcerar mais de 37 milhões de pessoas por crimes não violentos
relacionados às drogas, sendo que 10 milhões de pessoas foram presas pelo
simples porte de maconha. US$ 450
bilhões desse US$ 1 trilhão foram gastos para trancafiar essas pessoas em
penitenciárias federais. No ano passado,
metade de todos os prisioneiros federais dos EUA estava cumprindo penas
relacionadas às drogas. O sofrimento não
é uma variável quantificável, mas os indícios casuais sugerem que a guerra às
drogas nos EUA intensificou sobremaneira essa variável.
Washington
e a Cidade do México são parceiras na perpetuação da fraude da guerra às drogas
assim como os consumidores de drogas americanos são parceiros dos fornecedores
mexicanos no comércio de entorpecentes, de modo que é natural que os mais bem
financiados políticos americanos ofereçam generosamente o dinheiro dos
pagadores de impostos americanos para seus colegas mais pobres da Cidade do
México. De acordo com a CNSNews.com,
"O Departamento de Defesa dos EUA irá aumentar o financiamento antinarcóticos
do México ... em 17 vezes. Os níveis de
financiamento, que estavam em $3 milhões por ano antes de 2009, irão para $51
milhões em 2011."
Olhando
o quadro mais amplo, $51 milhões em um orçamento de $3 trilhões é uma mixaria,
mas certamente não será uma mixaria por muito tempo. Há simplesmente muito demanda e muito
empreendedorismo no ramo das drogas, o que significa que o único rumo que os
gastos do governo podem tomar é para o alto.
Uma pesquisa de Milton
Friedman revelou que a proibição das drogas estimula os fornecedores a
desenvolver e a incitar o consumo de drogas mais pesadas, assim como a Lei
Seca empurrou as pessoas para misturas mais fortes de
álcool (as horríveis e hoje ubíquas bebidas misturadas, criadas justamente
para disfarçar o sabor repulsivo do álcool fabricado clandestinamente). Os
contrabandistas e distribuidores de rum daquela época não lidavam com cerveja;
a cerveja é volumosa e possui baixa potência. Já o rum é compacto e de alta potência.
A Lei Seca simplesmente empurrou os beberrões para o consumo de
substâncias tóxicas mais pesadas e mais debilitantes, afastando-os das mais
suaves e inócuas.
Folhas
de coca, mascadas e fervidas como chá, há muito têm sido utilizadas por peruanos
e bolivianos que querem aliviar os sintomas da hipoxia provocada pela altitude. O ópio, em sua forma bruta, já foi muito utilizado como
analgésico. Maconha, folhas de coca
e ópio são volumosos, o que implica altos custos de transportação e
estocagem. Para driblarem esse
empecilho, os distribuidores optaram por cultivar linhagens mais potentes de
maconha e a destilar as folhas de coca e ópio, o que gerou a cocaína e a heroína.
Mesmo
em sua forma concentrada, as drogas ilegais são caras de ser transportadas e
comercializadas. Isso requer que os
barões da droga tenham de fazer constantes investimentos para aprimorar o seu
capital e, com isso, operar mais lucrativamente. Esse alto custo funciona como uma barreira à
entrada no mercado, o que atenua a concorrência, reduz a oferta e joga os
preços para o alto. Nem se os barões da
droga quisessem poderiam eles ter criado um modelo de negócios tão rendoso.
Zombar
da lei e escarnecer moralistas e cumpridores da ordem são atitudes que
glorificam os barões da droga, algo muito parecido com a maneira como a Lei
Seca glamourizou os chefões das máfias.
Apesar de toda a matança e terrorismo associados ao tráfico de drogas,
os plebeus ignorantes e politicamente desiludidos veem o barão mexicano das
drogas Joaquín
"Chapo" Guzmán com grande respeito e veneração. "As pessoas consideram Chapo Guzmán uma
espécie de bandido social, um Robin Hood", explica Victor Hugo Aguilar,
professor da Universidad Autónoma de Sinaloa, sobre a influência que Guzmán
exerce sobre as pessoas e a cultura da região.
"Ele conserta os problemas das cidades e coloca luzes nos
cemitérios. Ele já é parte do folclore de
Sinaloa".
São
apenas negócios, imaginam os apologistas.
Guzmán é um homem de negócios como qualquer outro — apenas um que se
sobressai em um comércio brutal. Cocaína
foi o negócio escolhido, assim como o álcool foi o negócio escolhido por Al
Capone. Os Guzmáns e os Capones do mundo
seriam apenas variações dos Rockefellers e dos Gates. Um instinto perspicaz para os negócios que
transcende as áreas de empreendimento.
Mas
é claro que a realidade é outra. Rockefeller
e Gates nunca fizeram uso da persuasiva ferramenta da violência; tampouco
desfrutaram de privilégios monopolísticos.
Rockefeller e Gates operaram do lado legal da lei, mesmo que a lei fosse
imoral, assim como os presidentes da Jack Daniel's e da Anheuser Busch também
operaram do lado legal da lei durante a Lei Seca, ainda que isso fizesse com
que seus clientes sofressem enormemente em decorrência dessa aquiescência.
Os
consumidores são as verdadeiras vítimas da guerra contra as drogas. Guzmán não é nenhum gênio dos negócios; ele é
simplesmente um oportunista que aproveitou um monopólio garantido pelo governo
e passou a utilizá-lo tiranicamente, fazendo com que um empreendimento que
poderia ser gerido muito mais seguramente e eficientemente por empreendedores
genuínos operando concorrencialmente dentro da lei fosse transformado em um
negócio sanguinolento e sem lei, no qual só sobrevivem os mais poderosos, ricos
e bem armados.
Ninguém
morre repentinamente de um copo de uísque ou de cigarros "batizados". A legalidade desses produtos estimula
empreendedores sérios a construir marcas de reconhecida qualidade. Por outro lado, cheire uma carreira de
cocaína ou injete alguns miligramas de heroína e a sua sobrevivência passará a
ser uma questão de sorte.
Já
o comércio ilegal de drogas não é nenhuma aposta especulativa. Todos os monopólios garantidos pelo governo
são coisas tão certas e garantidas quanto a meritocracia reversa do serviço
público: eles fazem com que os menos dignos e meritórios se transformem nos
mais ricos. A revista Forbes estima que o patrimônio líquido
de Chapo Guzmán esteja na casa de $1 bilhão de dólares.
Todo
monopólio gera uma sensação de direito adquirido, o que explica por que o Señor
Guzmán aparentemente ainda não atentou para a ironia de matar políticos que
defendem a proibição das drogas — são exatamente eles que tornam possível a
sua fortuna. Muito embora ele
provavelmente esteja mais ciente dessa ironia do que os próprios políticos que
ele mata.
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