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Direito

O confronto global sobre a liberdade de expressão

06/09/2024

O confronto global sobre a liberdade de expressão

Acompanho o trabalho do economista Robert Reich há décadas. Muito antes de ser Secretário do Trabalho no governo Clinton, ele escrevia livros fascinantes sobre organização industrial e padrões de vida americanos. Concorde ou discorde, sempre aprendi com ele e gostei do desafio de lidar com ideias que desafiavam minhas suposições sobre o mundo. Sempre o considerei um observador honesto.

Neste fim de semana, ele escreveu um artigo para o jornal britânico The Guardian no qual ele pede que a plataforma social X (antigo Twitter) seja banida e para que seu proprietário Elon Musk seja preso por permitir "desinformação" e "má informação" na plataforma. "Reguladores de todo o mundo devem ameaçar Musk de prisão se ele não parar de disseminar mentiras e ódio no X", escreveu ele.

Reich está entre muitos no campo da censura que proclamaram que certos pontos de vista são perigosos para a ordem pública e, portanto, dignos de processo.

O chamado de Reich para prender Musk ocorre exatamente no momento em que o aparentemente impensável aconteceu no Brasil. Um juiz do Supremo Tribunal Federal chamado Alexandre de Moraes, que aparentemente exerce poder autocrático autônomo, proibiu completamente toda a plataforma no país. É o aplicativo de notícias mais popular do país. Ele ainda impôs penalidades criminais a qualquer pessoa que use o aplicativo por meio de uma rede privada virtual em R$ 50.000 por dia.

É inexequível, é claro, mas abre possíveis investigações de todos os dissidentes políticos do país. Já houve graves questionamentos em torno da legitimidade da eleição de 2022 que tirou o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e levou ao poder o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os resultados da votação provocaram os maiores protestos públicos da história do país e endureceram uma resistência que dependia de fontes de notícias alternativas, simplesmente porque as principais notícias do país parecem em grande parte controladas pelo governo.

Nem é controverso dizer claramente: essa censura não é sobre bloquear falsidade e desinformação. Trata-se de entrincheirar uma certa perspectiva política, a de Lula e seu partido. No contexto da proibição do X, o governo se apoiou fortemente em todas as outras plataformas de mídia social para banir muitas contas e estrangular vozes alternativas. Eram ordens secretas e emitidas como tal, mas todas as plataformas cumpriam.

Acreditando que tais pedidos eram contrários à lei brasileira, que Elon Musk se comprometeu a seguir como deveria, X se recusou a bloquear contas simplesmente porque um juiz lhe disse. Afinal, a Constituição brasileira diz o seguinte:

Art. 5º IX — é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 

Presumindo que essas palavras fossem a lei, Elon se recusou a banir contas e provocou a ira do partido de Lula. Elon não está sozinho ao enfrentar essa escolha no mundo das tecnologias de comunicação. Cada plataforma tem um histórico profundo de contato com agentes governamentais, em quase todos os países. A maioria cumpre, e é por isso que a internet em geral é um lugar diferente do que era há cinco anos. O que tem sido chamado de "Complexo Industrial da Censura" é construído globalmente, de forma altamente eficaz.

Elon pagou US$ 44 bilhões pelo Twitter precisamente porque queria que ele servisse como um baluarte contra as incursões à liberdade de expressão. Isso lhe custou imensamente em termos de dólares de publicidade. Os consórcios de publicidade boicotaram a plataforma. E tenha em mente o porquê. Não é porque sua plataforma renomeada estava politicamente inclinada para a direita. É porque permite a liberdade de falar dentro dos limites da lei. Não é isso que os poderes constituídos querem hoje em dia.

Observe que o Departamento de Estado dos EUA não expressou nenhuma oposição real ao que está acontecendo no Brasil, o que é profundamente perturbador. Há 10 ou 15 anos atrás, os Estados Unidos eram os principais defensores da liberdade de expressão em todo o mundo. Insistiu em mídias sociais abertas e livres de influência do governo, a ponto de condenar a Rússia por exigir um backdoor para o Telegram, até mesmo parabenizando o CEO Pavel Durov por deixar o país.

Esses dias parecem ter acabado, já que muitas elites americanas – Robert Reich entre elas – aprovaram tacitamente o que está acontecendo no Brasil. Certamente a chapa democrata não teve nada a dizer, enquanto os republicanos agora estão pelo menos falando do assunto.

Estive em contato próximo com os brasileiros durante toda essa provação. Eles estão com medo. Eles sentem que são os próximos na lista, não porque apoiaram a "insurreição" de 2022, que foi realmente um protesto em massa. Meus amigos nunca duvidaram publicamente do resultado da eleição. E, no entanto, como oponentes do tipo de socialismo de Lula, eles se sentem alvos. E eles alertam que os Estados Unidos podem ser os próximos da lista.

Parece que hoje em dia a liberdade de expressão está por um fio muito fino. É útil imaginar como as coisas seriam se Elon não tivesse se levantado e dito não. Todas as outras plataformas concordaram totalmente sem dizer nada publicamente, mesmo que se ressentissem do bullying em particular. Elon e X estão sendo alvos precisamente porque ele se levantou e disse categoricamente que as ações do governo contradizem as leis do país, que ele jurou seguir.

No momento em que este artigo foi escrito, o X foi proibido na China, Coréia do Norte, Rússia, Turcomenistão, Mianmar, Venezuela, Irã e agora no Brasil. É proibido em todos esses países por uma única razão: permite que as pessoas sejam expostas a uma variedade de pontos de vista. O que está em questão aqui é simples. É política. Em todos esses países, você pode ter todos os tipos de opiniões sobre comida, música e tecnologia, mas deve ficar longe da política e, em alguns casos, da religião, mas mesmo isso também está ligado à política.

A liberdade e a democracia dependem fundamentalmente de um público informado, que por sua vez exerce influência sobre o regime sob o qual as pessoas vivem. Essa é a ideia básica dos sistemas pós-feudais de governança. Se não tivermos isso, temos autocracia ou totalitarismo. Alguns países estão bem com isso. Mas, presumivelmente, as nações ocidentais favorecem um curso diferente, e é por isso que a liberdade de expressão tem uma posição tão exaltada na lei.

Agora, esse compromisso está sendo posto à prova, especialmente com ferramentas de comunicação que abriram o leque de opiniões das pessoas como nunca antes. Acreditamos que as pessoas têm o direito de falar e o direito de ouvir. É um comentário e tanto sobre nossos tempos que tenha sido necessária a coragem e o compromisso de um homem que por acaso é um multibilionário para torná-lo real para o resto de nós.

Por causa das minhas muitas viagens ao Brasil e porque vários dos meus livros foram traduzidos para o português, desenvolvi um interesse especial por este caso. Fiquei surpreso e triste ao ver que a própria cobertura do New York Times se inclinou a favor das restrições. Eu realmente nunca pensei que viveria para ver o dia em que um postulado tão fundamental da vida civilizada entraria em questão e seria tão ameaçado em nosso tempo.

Quero a liberdade de ler e comentar as obras de Robert Reich. Mas, de acordo com suas próprias palavras, ele não quer que você ou eu tenhamos o direito de ler perspectivas que contradigam seus próprios pontos de vista. Ninguém ganha com este jogo. Um consenso forçado não é estável. Se os censores vencerem, eles herdarão o controle de uma população desconfiada e furiosa. Ninguém se beneficia disso.

 

*Este artigo foi originalmente publicado em The Epoch Times.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Jeffrey Tucker

É Diretor-Editorial do American Institute for Economic Research. Ele tambÉm gerencia a Vellum Capital, é Pesquisador Sênior do Austrian Economic Center in Viena, Áustria.

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