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A experiência de Portugal com a descriminalização das drogas

17/07/2015

A experiência de Portugal com a descriminalização das drogas

Neste mês de julho, Portugal celebra quatorze anos de descriminalização das drogas.  Foi no dia 1º de julho de 2001 que entrou em vigor em Portugal uma nova abordagem em relação às drogas: o consumo de drogas continua proibido, mas o usuário flagrado não mais é tratado como um criminoso.

Produzir e vender drogas em Portugal continuam sendo atividades ilícitas, mas o porte e a posse de drogas não mais são tratados no âmbito criminal.

Esse experimento é hoje considerado um grande sucesso, ainda mais quando se considera que foi adotado de maneira desesperada e indo contra advertências terríveis feitas pelos defensores da guerra mundial às drogas.

O que levou à descriminalização

Durante o século XX, Portugal vivenciou 50 anos de ditadura.  Quando a ditadura caiu e uma democracia de esquerda foi estabelecida, em 1974, vários expatriados portugueses retornaram à Portugal vindos de suas colônias.  Obviamente, várias dessas pessoas eram dissidentes, forasteiros e párias, e muitas utilizavam drogas ilegais.

Ao longo dos vinte e cinco anos seguintes, houve um aumento explosivo no uso e no abuso de drogas, no vício, na dependência e nas overdoses.  No final, houve um aumento substantivo da AIDS e da infecção pelo vírus HIV, bem como de outras doenças relacionadas ao compartilhamento de seringas contaminadas.  No auge dessa epidemia de drogas, a taxa de uso de drogas e de infecção por HIV/AIDS em Portugal era "consideravelmente maior" do que no resto da Europa, de acordo com João Goulão, o longevo czar contra as drogas de Portugal.

Goulão foi um dos onze membros da comissão anti-drogas que formulou a lei 30/2000, a qual descriminalizou todas as drogas a partir de 1º de julho de 2001.

Esse "grande experimento" português parece ter sido o resultado de dois fatores:

1) Portugal é um país relativamente pobre entre seus congêneres europeus, o que o tornava incapaz de combater as drogas em todas as frentes;

2) a comissão era relativamente apartidária e simplesmente teve o bom senso de entender que o uso e a dependência de drogas não são problemas criminais que devem ser resolvidos pela polícia.  Uso e dependência de drogas são problemas médicos e psicológicos, os quais podem ser mais bem resolvidos pelo indivíduo com a ajuda de profissionais e também por meio da pressão social.

Pequenos passos para se distanciar da destrutiva guerra às drogas

A descriminalização é apenas um pequeno passo rumo ao fim da destrutiva, ineficaz e insanamente cara guerra às drogas.  Em Portugal, traficantes ainda são perseguidos e punidos.  Indivíduos só podem portar quantias muito pequenas de drogas ilícitas para não serem condenados como traficantes.  Sob as atuais leis, você ainda pode ser detido e mandado para orientadores, mas não terá de ir para a cadeia -- a menos que você seja considerado um transgressor múltiplo e não disposto a cooperar.

Embora certamente não seja o ideal, a descriminalização possui benefícios claros e diretos em relação à proibição total.

Em primeiro lugar, cidadãos cumpridores das leis não serão criminalizados por portarem drogas ilícitas. 

Em segundo lugar, viciados são mais propensos a procurar ajuda profissional quando o governo passa a tratar o vício e a dependência como um problema médico em vez de criminal. 

Em terceiro lugar, a polícia, agora desincumbida de perseguir usuários, poderá concentrar-se na solução e na repreensão de crimes genuínos (com efeito, gastando agora menos recursos, pode até sobrar dinheiro para subsidiar programas de tratamento ao vício). 

Em quarto lugar, viciados irão se afastar das perigosas drogas sintéticas que foram criadas justamente para substituir as drogas ilegais mais tradicionais, como maconha e cocaína. 

Em quinto lugar, se as agulhas também se tornam legais, então a tendência é que haja menos casos de doenças como HIV/AIDS e hepatite.

Em sexto lugar, guetos repletos de viciados encolherão tanto em tamanho quanto em visibilidade.

Em suma, a descriminalização deve resultar em menos pessoas morrendo e sendo mandadas para penitenciárias, e mais pessoas vivendo vidas "normais".

Naturalmente, a principal preocupação antes de uma descriminalização é com a quantidade de drogas ilegais que são atualmente consumidas.  Essa preocupação se torna ainda mais dominante quando se discute a legalização total de todas as drogas.  Na época em que Portugal ainda estava estudando a descriminalização, fui entrevistado pela principal revista de Portugal, e o jornalista enfatizou que essa era a principal preocupação de Portugal à época.  Respondi que não havia como saber antecipadamente a resposta a essa questão, que ninguém nunca saberá a resposta para essa questão, e que tal questão não era importante.

Há um enorme número de fatores que impactam os mercados de drogas ilegais, e isso faz com que seja impossível prever com acurácia se o consumo de drogas irá aumentar ou diminuir após a descriminalização.  Factualmente, as estatísticas sobre consumo de drogas são necessariamente imprecisas.  Isso vale tanto para as estatísticas de antes quanto para as de depois da descriminalização.  As atuais estatísticas se baseiam majoritariamente em perguntas e em trabalhos de adivinhação, uma vez que é difícil acessar os fatos reais, os quais só podem ser encontrados no reservado (e perigoso) mundo dos mercados negros. 

Colocando de lado a questão do consumo de drogas, a pergunta real é se a proibição gera mais malefícios que a descriminalização, e a resposta é sim.

Quando fui instado pelo jornalista português a fazer uma previsão, respondi que o consumo total não iria se alterar muito; ele poderia até aumentar no curto prazo, mas iria diminuir no longo, a não ser que as drogas fossem legalizadas no futuro para fins médicos ou recreativos.  No entanto, enfatizei que há benefícios inegáveis (listados acima), e que não há motivos para afirmar que o consumo iria explodir por causa da descriminalização. 

Muitos ainda se recusam a ver o êxito

Era perfeitamente compreensível a preocupação dos portugueses à época.  A descriminalização era considerada um experimento perigoso e representava um drible às regras impostas pela ONU à guerra global contra as drogas.  No que mais, os tradicionais especialistas em políticas contra as drogas continuavam "céticos" quanto ao experimento português mesmo após quase oito anos de experiência.

Mark Kleiman, diretor do programa de análise de políticas contra as drogas da UCLA, alegava que Portugal era um modelo irrealista.  Já Peter Reuter, outro proeminente especialista em políticas contra as drogas, afirmava que, apesar de ter alcançado seu principal objetivo (reduzir o consumo), a experiência portuguesa poderia ser explicada pelo fato de que Portugal era um país pequeno, e que o uso de drogas é cíclico por natureza.

Curiosamente, o próprio doutor Goulão, que ajudou a criar e a implantar a lei da descriminalização, parece uma tanto perplexo quanto aos resultados positivos até hoje.  Recentemente, ele disse que "é muito difícil identificar um elo causal entre a descriminalização e as tendências positivas que temos visto".

Um gráfico que resume a história de sucesso portuguesa mostra que Portugal possui hoje a segunda menor taxa de mortes decorrentes do uso de drogas ilegais em toda a Europa.  E isso após vivenciar uma das piores taxas no auge da proibição.

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Também é interessante notar que a fonte do gráfico acima, o European Monitoring Center for Drugs and Drug Addiction  (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência), possui sua sede em Lisboa.

Um analista que trabalha no OEDT, Frank Zobel, rotulou a política de Portugal como sendo "a maior inovação desta área", e complementou dizendo que "essa política está funcionando.  O consumo de drogas não aumentou explosivamente.  Não houve caos generalizado.  Na condição de avaliador, devo dizer que o resultado foi muito bom."

É um feliz aniversário para os portugueses, e um aniversário assustador para todos os defensores da homicida guerra às drogas ao redor do mundo, cuja renda e poder dependem da contínua ignorância do resto do mundo a respeito dos efeitos da proibição.


Sobre o autor

Mark Thornton

Membro residente sênior do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, e é o editor da seção de críticas literárias do Quarterly Journla of Austrian Economics.

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