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Política

A legalização da maconha virou fumaça na Califórnia

17/11/2010

A legalização da maconha virou fumaça na Califórnia

Nas eleições do dia 2 de novembro, o estado da Califórnia colocou em suas cédulas eleitorais a Proposição 19, que legalizaria a maconha.  Mas a proposta foi reprovada pelos eleitores.  A vitória havia sido dada como certa; afinal, trata-se da Califórnia.  Porém, para milhões de pessoas, tanto na Califórnia quanto no resto dos EUA, a notícia da não aprovação da Proposição 19 foi recebida com grande desapontamento.  Entretanto, o fato de uma medida tão radical ter recebido 46% dos votos a favor, em um desafio aberto às leis federais, que proíbem a legalização da maconha, deve ser considerado uma grande vitória.  Principalmente quando se considera a intensa oposição feita a tal proposta.

Planos já estão sendo feitos para colocar tal iniciativa de volta às cédulas para as eleições de 2012, na qual se espera que haja um maior comparecimento dos jovens.  Porém, para que a iniciativa eleitoral funcione, precisamos antes entender por que ela fracassou.

A oposição

A fim de entendermos a profundidade e a força da oposição, é necessário entender do que realmente se tratava a Proposição 19.  Essa legislação estava em aberta contrariedade às leis federais, bem como a um tratado das Nações Unidas que apóia a guerra às drogas.  Seria uma lei aprovada pelo povo, e não pelo legislativo.  Ainda mais importante, a aprovação da Proposição 19 iria demonstrar que, na ausência da proibição da maconha, a sociedade pode sobreviver e prosperar.

Tal exemplo daria aos outros estados americanos a ideia de que eles também poderiam efetivamente revogar a proibição da maconha.  Poderia até mesmo criar um esforço nacional pela revogação da proibição da maconha.  Poderia até mesmo dar às pessoas a ideia de revogar outras leis federais idiotas e nocivas.  Isso iria gerar uma situação complexa que criaria uma série de problemas para as autoridades federais, e traria de volta a ideia de nulificação (quando um estado declara que não irá obedecer a uma lei federal)

Portanto, como se pode ver, o que houve na Califórnia foi uma vitória crítica da autoridade federal americana.  Não se trata apenas de dizer que alguns maconheiros se esqueceram de ir votar.  Uma vasta quantia de dinheiro foi gasta em propagandas contra a Proposição 19 e várias mentiras foram inventadas.  A votação na Califórnia foi considerada a peça chave de resistência da autoridade federal.

O professor Bruce Yandle, da George Mason University, criou o termo "contrabandistas e batistas" para descrever o modelo de política que explica como grupos de interesse que normalmente se opõem uns aos outros se uniram em prol de um objetivo comum.  Durante a Lei Seca, pastores batistas uniram forças com contrabandistas e produtores de bebidas alcoólicas para fazer com que o álcool permanecesse ilegal.  Hoje, vemos grupos ambientalistas e empresas petrolíferas compartilhando os mesmos interesses: ambos querem que as atividades de perfuração de petróleo sejam restringidas ao máximo.

Dentre aqueles que se opuseram à Proposição 19, temos grupos que vão de traficantes de maconha a pregadores de grandes igrejas.  Todos os políticos, candidatos, maconheiros poderosos e até mesmo a Associação dos Distribuidores de Cervejas e Bebidas da Califórnia se juntaram à ofensiva antilegalização.  O antigo provérbio "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" descreve perfeitamente a relação formada por estes aparentemente improváveis parceiros.

Políticos

Os políticos se alinharam solidamente contra a Proposição 19, como era de se esperar.  Os candidatos ao governo da Califórnia Jerry Brown e Meg Whitman se opuseram à legalização.  As candidatas ao Senado Barbara Boxer e Carly Fiorina também se opuseram.  A senadora Dianne Feinstein também se opôs.  A líder do governo na Câmara e congressista californiana Nancy Pelosi também se opôs.  E ambos os candidatos à Procuradoria Geral também se opuseram.

Em uma tentativa de desencorajar os defensores da Proposição 19, o procurador geral da justiça dos EUA emitiu uma nota dizendo que iria vigorosamente fazer cumprir a lei federal na Califórnia mesmo que a Proposição 19 fosse aprovada pelas urnas.  De modo similar, o governador Arnold Schwarzenegger aprovou uma lei tornando a posse de pequenas quantias de maconha uma infração mínima, punível com uma multa máxima de 100 dólares.  Esse foi o esforço de última hora para solapar o apoio à Proposição 19, dando a impressão de que a maconha já era, na prática, uma droga legalizada.

Até mesmo os presidentes do México, Felipe Calderón, e da Colômbia, Juan Manuel Santos, vocalizaram sua oposição à Proposição 19 -- o que não foi nada surpreendente, uma vez que o México e a Colômbia recebem grandes quantias de dinheiro do governo americano para lutarem na guerra contra as drogas, e ambos os países obtêm rendas substanciais com a venda de drogas ilegais.  A legalização da maconha na Califórnia seria um grande golpe para as vendas de maconha e cocaína ao sul da fronteira dos EUA.

Contrabandistas

Há amplas evidências de que aqueles que atualmente cultivam e vendem maconha ilegalmente também se opuseram à Proposição 19.  O chamado "Triângulo da Esmeralda", formado pelos condados de Mendocino, Humboldt e Trinity, ao norte de San Francisco, é a principal região cultivadora de maconha da Califórnia.  Seu cultivo é mantido em segredo, apesar de ser legal para usos medicinais.  Estima-se que a erva represente metade da economia dessa região.  De acordo com o site Mother Jones, esses três condados votaram contra a Proposição 19:

"Há um grande movimento aqui de pessoas que sabem que seus interesses estarão mais bem servidos se a maconha continuar ilegal", disse Hank Sims, editor do jornal North Coast, com sede na cidade de Eureka, no condado de Humboldt.  Cultivadores de plantações de cannabis localizadas nas montanhas rochosas e nas florestas brumosas do Triângulo da Esmeralda estão hoje protegidos dos olhares vigilantes da DEA (Agência de Combate às Drogas), mas sabem que essa vantagem tornar-se-ia um obstáculo caso a maconha pudesse ser cultivada abertamente no quente e plano Central Valley californiano, dominado pelo agronegócio.  Os cultivadores de ganjá (resina extraída do cânhamo) da Costa Norte "têm hoje uma poderosa forma de subsídio governamental, fornecida pela proibição", explica Sims.  "Por isso eu acho que muitas pessoas meio que cinicamente votaram pensando em seus bolsos e optaram por manter a maconha ilegal."

Havia até mesmo um grupo chamado "Maconheiros Contra a Legalização", mas este era liderado por uma advogada anti-drogas (mas que fuma maconha) que perderia uma grande fatia de seus negócios caso a Proposição 19 tivesse sido aprovada.  Da mesma maneira, lojas que vendem maconha para fins medicinais também se opuseram abertamente à Proposição 19 sob o cômico argumento de que a legalização iria reduzir o acesso de enfermos à maconha.

Batistas

Passando dos contrabandistas para os batistas, temos essa manchete no jornal East Bay Express: Maconheiros Contra a Legalização se unem a um padre ex-viciado.  É claro que ao padre também se juntaram os fundamentalistas cristãos.  De acordo com a matéria:

Apoiado pelos Distribuidores de Cervejas e Bebidas da Califórnia, o grupo ativista "Segurança Pública em Primeiro Lugar", contrário à legalização, fez uso da poderosa organização fundamentalista cristã Vision to America.  O grupo anti-direitos gays pediu às suas centenas de milhares de seguidores em todo o país que "ajudem-nos a difundir nossa campanha para derrotar a maconha legalizada nas escolas."

A Associação dos Distribuidores de Cervejas e Bebidas da Califórnia, que seria prejudicada pelos preços mais baixos da maconha, se uniu à eclesiástica Vision to America -- por falar em contrabandistas e batistas em ação -- para levantar fundos, fazer anúncios e distorcer o debate público.  Eles alegaram que a Proposição 19 iria fazer com que caminhoneiros, enfermeiras e estudantes pudessem ficar doidões antes de dirigir, prestar enfermagem e ir à escola.  A Câmara do Comércio também levou ao ar anúncios flagrantemente enganosos.  

A verdade, obviamente, é que, assim como estudantes, enfermeiras e caminhoneiros podem ficar doidões antes de exercerem suas obrigações, hoje eles também podem ficar bêbados.  Não faz sentido dizer que eles irão fazer um mas não irão fazer o outro.  E a verdade é que empresas podem impedir que seus clientes e empregados fumem maconha em sua propriedade, assim como companhias de seguro não aceitariam empresas que deixassem que seus empregados ficassem doidões e operassem maquinário pesado ou pilotassem aviões.  Com efeito, a maconha é mais segura que o álcool e é provavelmente apenas a 10ª droga recreativa mais problemática que existe.

Dadas as poderosas forças que se opuseram à Proposição 19 -- em conjunto com suas mentiras e trapaças --, as forças da liberdade e da prosperidade não devem ficar desanimadas com essa derrota inicial.  Agora já temos uma cópia do seu manual de estratégia -- políticos, plantadores de maconha e lojas que vendem a erva medicinalmente se opõem à legalização, ao passo que organizações cristãs, distribuidoras de cervejas e advogados antidrogas espalham mentiras visando à proteção de seus próprios interesses.

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Leia também:

Quando as drogas eram vendidas livremente



Sobre o autor

Mark Thornton

Membro residente sênior do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, e é o editor da seção de críticas literárias do Quarterly Journla of Austrian Economics.

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