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Economia

Quem ganha a guerra cambial? Isso é o de menos. O que é garantido é que você perde

É ilusão pavimentar o caminho para a prosperidade via depreciação deliberada da moeda

04/12/2019

Quem ganha a guerra cambial? Isso é o de menos. O que é garantido é que você perde

É ilusão pavimentar o caminho para a prosperidade via depreciação deliberada da moeda

A boa notícia de ontem, terça-feira,  3 de dezembro, foi a confirmação da retomada gradual e sustentável do crescimento econômico, prevista por nós ainda em abril deste ano.

Agropecuária, indústria, serviços, consumo das famílias e investimentos privados apresentaram crescimento, ao mesmo tempo em que os gastos do governo caíram

Ou seja, o crescimento não é artificialmente impulsionado pelo governo, mas sim guiado pelo mercado.

Nestes sete meses de abril até hoje, o Ibovespa subiu 15%. As expectativas indicam que o PIB deve crescer mais de 1% neste ano, e até 2,5% em 2020.

Além de não haver aventuras nos gastos públicos, o atual crescimento também tem alta qualidade porque, ao contrário de antes, os bancos estatais não mais estão patrocinando uma expansão insustentável do crédito e da moeda.

No gráfico abaixo, a linha azul mostra o total de crédito concedido pelos bancos privados. A linha vermelha mostra o total de crédito concedido pelos bancos estatais. 

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Todo o gigantesco crescimento do crédito ofertado pelos bancos estatais observado a partir do final de 2008, com o início da Nova Matriz Econômica, começou a ser revertido, com seu espaço sendo mais que absorvido pelos bancos privados. Sendo assim, a efetiva estatização do crédito, ocorrida a partir de 2013, quando o volume de crédito dos bancos estatais ultrapassou o dos bancos privados, foi recentemente desfeita.

Isso é positivo, pois, ao menos no Brasil, bancos estatais tendem a conceder empréstimos seguindo critérios políticos, ao passo que os bancos privados tendem a se preocupar mais com as reais condições de mercado.

O crédito total está comportado e hoje representa menos de 48% do PIB, após ter atingido exagerados 55% do PIB no topo do ciclo de crédito, em 2016.

Em linha com o histórico de retomadas, o setor privado lidera a expansão

Onde está o problema

No entanto, pelo lado negativo, há más notícias quanto ao câmbio e ao cenário externo.

Desde o início de novembro, o dólar subiu de R$ 4 para R$ 4,20. Ainda em julho, estava em R$ 3,72. 

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Houve alguma deterioração das contas externas, mas o mercado tem se assustado mais com uma suposta intenção da área econômica em deliberadamente depreciar o real.

Os ministros de áreas econômicas no mundo esquivam-se de comentar sobre o câmbio, pois o mercado interpreta como sinalização de política. Paulo Guedes, em evento recente, descuidou-se dessa norma ao afirmar que "não estou preocupado com a alta do dólar", que "acha compreensível a alta do dólar", e que o dólar "tende a ir para um patamar mais alto".

Se a máxima autoridade econômica do país deixou explícito que a alta do dólar não será atacada, então o recado enviado ao mercado financeiro foi claro: comprem dólar sem medo, pois o Banco Central nada fará em contrário. O mercado simplesmente aquiesceu e comprou dólares. 

Adicionalmente, o Banco Central segue sinalizando mais um corte adicional da SELIC neste mêsque pode chegar a 4,5% ao ano, a menor taxa básica da história do real. Tais reduções tendem a causar alta do dólar, pois taxas de juros menores fazem com que o real perca atratividade no mercado internacional, reduzindo a demanda por ele, e, logo, seu cotação.

Dado o total silêncio da área econômica quanto à intenção de almejar um real forte, o mercado conjectura que há uma política informal de alta do dólar. Ato contínuo, ele faz o ajuste e derruba a cotação do real.

As consequências podem ser dramáticas. O trilema de Mundell-Fleming indica que, em um país com entradas e saídas financeiras amplamente liberadas, como é o caso do Brasil, é impossível simultaneamente ter uma política monetária independente (isto é, o Banco Central estipulando a taxa básica de juros) e um patamar estável de câmbio. Ou seja, ou o BC determina a SELIC (manipulando a base monetária com este intuito) ou ele busca ativamente um patamar de dólar (vendendo/comprando dólares e, com isso, afetando a base monetária e, consequentemente, a SELIC). Uma política ativa desintegra a outra.

O mandato do BC é calibrar a SELIC para alcançar a meta de inflação de preços determinada pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 4% em 2020. Inexiste meta de crescimento econômico ou de patamar de câmbio. Porém, se passar a haver uma meta informal de patamar de câmbio, a institucionalização construída por mais de 20 anos poderá ficar prejudicada.

O governo dá sinais de impaciência com o ritmo de reformas no Congresso. Poderá estar mesmo apostando em uma alta do dólar como faísca para induzir crescimento?

No auge da brutal recessão de 1981 a 1983, a dupla Delfim-Galvêas incitou crescimento por meio de exportações decretando uma maxidesvalorização de 30% da moeda nacional, porém sem sustar sua política inflacionista de expansão da quantidade de dinheiro na economia. Houve crescimento do PIB de 5% em 1984, mas em dólares os brasileiros ficaram mais pobres. A inflação dobrou de 100% para 200%, e engatou-se a sequência de planos mirabolantes confeccionados pelos doutores em economia, que causaram a década perdida. 

A desvalorização da moeda nunca fica impune. É ilusão pavimentar o caminho para a prosperidade por meio da depreciação deliberada. Caso fosse possível, Venezuela e Zimbábue seriam países ricos.

Atualmente, a desvalorização do real perante o dólar ainda não gerou um sensível aumento generalizado de preços porque os preços da commodities, em dólares, estão próximos das mínimas históricas. Consequentemente, os preços das commodities, em reais, ainda não estão em sua máxima histórica (em outubro, estava no mesmo nível em que estava no fim de 2015).

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No entanto, o encarecimento da carne e dos combustíveis, integralmente ligado ao enfraquecimento do real, já começa a incomodar. (Veja a evolução do preço do quilograma da carne negociado na B3). Se isso não for revertido a tempo (pelo fortalecimento da moeda), a coisa pode se complicar.

Para concluir

O mercantilista Trump interpretou a desvalorização do real como truque cambial e retaliou por meio de tarifas ao aço e alumínio brasileiros. O protecionismo e a guerra cambial escalam no mundo. 

Nessa seara, certa está uma desprezada filósofa brasileira: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder... vai todo o mundo perder!".

Sobre o autor

Helio Beltrão

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.

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