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Economia

A União Europeia é um arranjo tão esdrúxulo, que até mesmo os separatistas são incoerentes

Ninguém se entende naquele balaio de gatos

10/12/2018

A União Europeia é um arranjo tão esdrúxulo, que até mesmo os separatistas são incoerentes

Ninguém se entende naquele balaio de gatos

Você já ouviu falar em Deutsch Jahrndorf? Não? Eu não lhe culpo. Esse pequeno vilarejo austríaco, situado a pouco mais de cinco quilômetros do rio Danúbio, não tem nenhum atrativo específico, exceto pelo fato de que fica exatamente na fronteira de três países.

Ao leste está a Eslováquia. Ao sul está a Hungria. Assim, a uma mera distância de caminhada, há três povos que falam idiomas completamente ininteligíveis. A Áustria pertence ao grupo das línguas germânica ocidentais; a Hungria, ao grupo das línguas fino-úgricas; e a Eslováquia, ao grupo das línguas eslavas ocidentais.

Esta incrivelmente rica tapeçaria de idiomas, culturas, costumes e nacionalidades européias me veio à mente quando assisti ao lamentável espetáculo de confronto entre a polícia espanhola e os separatistas catalães na ruas de Barcelona, que deixou nada menos que 800 feridos. Por gentileza, alguém me explique como é possível a União Europeia unir aquilo que a história separou?

A loucura da União Europeia

Em 2017, o presidente francês Emmanuel Macron declarou -- o que lhe valeu clamores quase que universais -- que a União Europeia precisa de mais unidade, o que inclui a criação de "um orçamento voltado especificamente para a zona do euro, gerenciado por um Parlamento criado especificamente para a zona do euro e supervisionado por primeiro-ministro exclusivo para a zona do euro".

A necessidade de ainda mais centralização de poder nas mãos de Bruxelas é, aparentemente, a única solução encontrada pelo establishment da União Europeia após o resultado do referendo britânico que optou pela saída do Reino Unido da UE.

Com efeito, imagine por um momento que você seja um cidadão britânico ainda um tanto cético em relação ao Brexit. Você liga a televisão e vê o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmar o seguinte:

  • Que os 27 países da União Europeia devem adotar o euro e fazer parte do Acordo de Schengen até o fim de 2019.
  •  Que a Europa precisa de um super-ministro para gerenciar a economia e as finanças, o qual deve ser também o vice-presidente da Comissão Europeia e o presidente do Eurogrupo.
  • Que um Fundo Monetário Europeu deve ser criado.
  • Que "não somos ingênuos defensores do livre comércio".

Provavelmente, naquele momento, qualquer eventual ceticismo seu já estaria dissipado. Você provavelmente diria: "Meu Deus, temos de cair fora disso o mais rapidamente possível!"

O discurso de Juncker, feito dia 13 de setembro de 2017, não buscou encontrar elementos para um acordo com o Reino Unido, mas sim fortalecer o atual modelo da zona do euro, quaisquer que sejam os custos. Foi apresentado como uma oportunidade para relembrar a todos que seu verdadeiro projeto para a União Europeia é claramente baseado no dirigisme econômico e financeiro da França, e muito distante do modelo mais economicamente livre do Reino Unido, da Irlanda e da Holanda.

E esse é o grande problema. Todas as mensagens que remetem a "mais Europa" sempre significam "mais intervencionismo".

Há algumas semanas, a Comissão Europeia afirmou triunfantemente que "a Europa saiu da crise graças à ação decisiva da União Europeia". Ou seja, em vez de tentar entender por que a hiper-regulada e maciçamente burocratizada Europa demorou mais que o triplo do tempo em relação a outros países para sair da crise, somos brindados com a clássica afirmação de que tudo ocorreu bem graças ao poder burocrático.

De acordo com Juncker e demais burocratas em Bruxelas, se a Europa cresce menos, cria menos empregos, e demora mais que o resto do mundo para sair da crise, não é porque há muita burocracia e regulação, mas sim porque há muito pouca.

Cornucópia regulatória

De acordo com o espanhol Foro Regulación Inteligente e com os dados oficiais da União Europeia de 2015, os países membros estão sujeitos a mais de 40.000 regras pelo simples fato de pertencerem a instituições da UE. No total, incluindo regras, diretivas, jurisprudência, e especificações setoriais e industriais, estima-se que haja aproximadamente 135.000 regras compulsórias.

Mais: a alíquota média de impostos que incide sobre os trabalhadores é de 44,9%. A tributação total representa 41% do PIB da zona do euro. Consequentemente, um cidadão comum da UE tem de trabalhar quase metade do ano apenas para bancar seus governos.

A facilidade de se empreender continua menor (mais difícil, cara e burocrática) que a das principais economias do mundo. A burocracia é asfixiante. A União Europeia aprova, em média, 80 diretivas, 1.200 regulações e 700 decisões por ano.

Até mesmo as principais (mais ricas) economias da UE continuam significativamente atrás das líderes em termos de liberdade econômica. Os custos da hiper-regulação e dos impostos excessivos sobre os investimentos, a criação de emprego e a inovação são evidentes. A União Europeia tem uma taxa de desemprego que é praticamente o dobro da dos outros países desenvolvidos, e a tributação afeta severamente o crescimento das pequenas e médias empresas: a proporção de desenvolvimento das pequenas e médias empresas em relação às grandes é metade da dos EUA.

A Comissão Europeia não apenas gosta de impostos altos, como também é partidária da tributação dupla. Em específico, os chamados impostos "verdes" são a grande piada. Os consumidores pagam pelos maciços subsídios "verdes" repassados pelos governos às empresas do setor industrial, mas também pagam pelos impostos indiretos "verdes" que incidem sobre o preço final de bens de consumo emissores de gás. No final, os cidadãos da UE pagam duplamente: pelos subsídios e por serem tão insensíveis ao ponto de usarem um carro.

Para Bruxelas, fazer uma "harmonização fiscal e tributária" dos países-membros significa elevar impostos, regulamentações e gastos de todos os países. Na prática, o corpo burocrático exige que as outras nações da UE tentem alcançar os números da França. Bruxelas não questiona a asfixia econômica que ocorre na França ou em outros países. Ela exige que as outras nações alcancem a média de impostos, regulações e gastos que a França, sozinha, eleva desproporcionalmente.

Frequentemente, as recomendações da Comissão Europeia não procuram reduzir os desequilíbrios e promover a competitividade, a atração de capital e os investimentos produtivos. O que elas fazem é perpetuar um modelo dirigista copiado da França, o qual apenas gera estagnação e maior descontentamento. No final, na União Europeia, as políticas públicas são cada vez mais direcionadas a tributar os produtivos para subsidiar os improdutivos.

Separatismos

No entanto, e curiosamente, toda essa cornucópia burocrática ainda não estimulou movimentos separatistas em relação à União Europeia. Por enquanto, o Reino Unido foi o único.

Eis a grande esquizofrenia: regiões querem se separar de países, mas querem continuar apegadas à União Europeia. De um lado, as pessoas ao longo de todo o continente querem maior autonomia. De outra, cada movimento separatista declara seu apoio ao projeto de unificação européia.

Na Catalunha, milhões de pessoas querem se separar da Espanha e já votaram a favor disso. Uma das principais reclamações é que o orçamento da Catalunha é influenciado por Madri. Mas ainda não se viu manifestações dos catalães quanto à União Europeia, muito mais intrometida.

Além da Catalunha, Madri também tem de se preocupar com as aspirações separatistas do País Basco.

Na Itália, a Padânia (região norte) não sente ter muito em comum com a região sul. O sul da Itália sempre foi considerado pelos habitantes do norte -- que é mais rico, mais limpo e mais eficiente -- como um sorvedouro de recursos.  Os habitantes do norte trabalham para sustentar, via impostos, o dolce far niente dos habitantes do sul. Em 2014, com 89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um referendo simbólico se separar da Itália. Caso houvesse de fato uma secessão de Veneza, a região da Lombadia e a província de Trento provavelmente fariam o mesmo.

Já a ilha de Sardenha quer se separar da Itália e se tornar uma nova Suíça.

A Córsega também quer se separar da França.

Na Bélgica, a região de Flandres não quer se ver junta aos valões.

Eis uma lista de todos os movimentos separatistas ativos na Europa. Poucos defendem também a secessão em relação à União Europeia.

Mas, neste quesito, nada supera a Escócia. Em 2014, o país votou a favor de continuar junto ao Reino Unido. Em 2016, votou maciçamente contra o Brexit. Agora, quer fazer outro referendo para se separar do Reino Unido e permanecer na União Europeia.

Porém, essa postura pró-União Europeia não é exclusividade da Escócia. Até mesmo a mais radical Liga Norte, que defende a secessão do norte da Itália, também é a favor da União Europeia.

O fato é que não faz sentido que pessoas insatisfeitas com Madri, Roma, Paris e Londres queiram que suas vidas sejam decididas por Bruxelas. Por exemplo, será que os catalães, que não querem mais saber de subsidiar os agricultores da Andaluzia, não vêem problema nenhum em continuar subsidiando os camponeses poloneses da Baixa Silésia? Os italianos do norte, que não querem mais bancar o dolce far niente dos calabreses, não vêem problema nenhum em subsidiar os eslavos?

Falando em Bruxelas, a cidade não apenas é a sede da cada vez mais disfuncional União Europeia, como também é a capital de Flandres, que quer se separar da Bélgica.

Como dizem os adolescentes em relação a seus relacionamentos, "é complicado".

Conclusão

Dado este arranjo conformista em relação à ultra-burocratizada e centralizadora União Europeia, tudo pode acontecer no continente. Inclusive nada.

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Leia também:

As lições da Tchecoslováquia: sua separação levou apenas 6 meses. Por que o Brexit precisa de 6 anos? 


Sobre o autor

Bill Mantum

É homeschooler de três filhos e autodidata em economia.

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