quarta-feira, 21 nov 2012
A entrevista a seguir foi concedida ao períodico
Austrian Economics Newsletter, do Mises
Institute.
AEN:
O senhor faz uma espécie de
revisionismo histórico ao descrever a Espanha como sendo o local de nascimento da
Escola Austríaca de Economia.
de
Soto: Sim, mas é acurado. Concentrar-se somente em Viena é uma postura
muito tacanha. Há essa tendência de
crer, como todos os modernistas, que somente o novo tem valor e que estudar o
velho seria mera arqueologia. Porém, na
economia e na filosofia, é exatamente o contrário. A maioria das grandes e boas ideias já havia
sido concebida por alguma grande mente no passado, inclusive as mais
fundamentais ideias austríacas.
Uma das principais contribuições de Murray
Rothbard foi mostrar que a pré-história da Escola Austríaca pode ser encontrada
nas obras dos escolásticos espanhóis durante o "Siglo de Oro Español", que foi desde o reinado de Carlos V no
século XVI até o barroco do século XVII.
Nos anos 1950, Friedrich Hayek conheceu o
grande intelectual italiano Bruno
Leoni, autor de Liberdade e Legislação,
e Leoni convenceu Hayek de que as origens intelectuais do liberalismo clássico
deveriam ser buscadas na Europa Mediterrânea e não na Escócia. No livro de Leoni, há uma citação de Cícero
na qual Cato diz que o direito romano é o conjunto de regras jurídicas mais
perfeito de todos porque ele não foi criado por uma só mente. Ele não foi construído do nada. Ele é resultado de um processo para o qual
várias mentes contribuíram com sua sabedoria.
Advogados e juízes não fazem as leis; eles as descobrem e podem apenas
aperfeiçoá-las muito lentamente.
Tenho uma carta de Hayek, datada de 7 de
janeiro de 1979, na qual ele diz que os princípios básicos da teoria da
concorrência de mercado já haviam sido delineados pelos escolásticos espanhóis
do século XVI, e que o liberalismo econômico não havia sido criado pelos
calvinistas, mas sim pelos jesuítas espanhóis.
AEN: Quem eram estes predecessores espanhóis da
Escola Austríaca?
de
Soto: A maioria deles
lecionava teologia e ética na Universidade de Salamanca, uma cidade medieval
localizada a 240 quilômetros a noroeste de Madri, perto da fronteira com
Portugal. Eles eram majoritariamente
dominicanos ou jesuítas, e sua visão econômica é extremamente semelhante àquela
que viria a ser enfatizada por Carl Menger mais de 300 anos depois.
Um
de meus favoritos é Diego de Covarrubias y
Leyva, que apresentou a teoria do valor subjetivo. Ele escreveu que "o valor de um bem não
depende de sua natureza essencial, mas sim da estimação subjetiva dos homens,
mesmo que tal estimação seja insensata."
Ele nasceu em 1512, foi bispo de Segovia e foi ministro do rei Filipe II de Espanha. Hoje, no museu do pintor espanhol El Greco,
na cidade de Toledo, há uma impressionante imagem pintada dele (foto à esquerda). Carl Menger menciona o tratado sobre depreciação
monetária escrito por Covarrubias em 1650.
Outro
importante salamanquense foi Luis Saravia de la Calle, o primeiro pensador a
demonstrar que são os preços que determinam os custos de produção, e não o
contrário. Ele escreveu que "aqueles que
mensuram o preço justo pelo trabalho, pelos custos e pelos riscos incorridos
pela pessoa que lidam com o mercado estão cometendo um grande erro. O preço justo não é encontrado pela contagem
dos custos, mas sim pela estimação comum de todos". Ele foi também um ardoroso crítico do sistema
bancário de reservas fracionárias, argumentando que receber juros era
incompatível com a natureza de um depósito à vista (em conta-corrente), e que o
correto seria o pagamento de taxas para que o ouro permanecesse armazenado nos
bancos.
Os
salamanquenses se dispuseram a estudar o sistema bancário porque perceberam a
relação corrupta e promíscua entre os bancos e o governo, relação essa que
dependia fundamentalmente de uma proteção legal concedida à prática das
reservas fracionárias. Os salamanquenses
se opunham a todas as formas de inflação.
Por exemplo, havia Martín
Azpilcueta Navarro. Ele nasceu em
1493, viveu 94 anos, e é especialmente famoso por ter explicado a teoria
quantitativa da moeda em seu livro de 1556, Comentario resolutorio de
cambios (eu tenho a primeira
edição!), escrevendo que "a moeda vale mais onde e quando ela está em falta do
que onde e quando ela está em abundância."
Navarro
era contrário à prática de reservas fracionárias e fez uma clara distinção
entre a atividade bancária voltada para empréstimos e a atividade bancária
voltada para depósitos. O banqueiro,
disse ele, deveria ser o "guardião, administrador, fiador" do dinheiro em sua
posse. Ele disse que não pode haver um
contrato válido entre um depositante e um banqueiro que permita a prática de
reservas fracionárias. Se tal contrato
fosse feito, ambos os lados seriam culpados de fraude.
Mais
favorável à prática de reservas fracionárias era Luis de Molina, que foi o
primeiro a argumentar que depósitos bancários deveriam ser considerados como parte
da oferta monetária. Porém, ele
confundiu depósitos com empréstimos, e não entendeu como as reservas
fracionárias são inerentemente desestabilizadoras. Portanto, Navarro e de la Calle foram os antecessores
da Escola
Monetária Britânica, extremamente receosos de qualquer atividade bancária
que mantivesse menos de 100% de reservas para depósitos à vista, ao passo que
Molina e Juan de Lugo foram os precursores da Escola Bancária
Britânica, mais tolerantes às reservas fracionárias.
AEN: Além das questões bancárias, a
posição política dos salamanquenses eram pró-mercado?
de Soto: Eles tendiam a defender
posições libertárias de maneira geral.
Por exemplo, Francisco de Victoria é amplamente visto como o fundador do
direito internacional. Ele reviveu a
ideia de que o direito natural é moralmente superior ao poder do estado. Depois, Juan de Mariana condenou toda e
qualquer desvalorização da moeda como sendo uma completa e absoluta usurpação,
e sugeriu que qualquer cidadão poderia assassinar um governante que impusesse
tributos sem o consentimento das pessoas.
O único quesito em
que Mariana errou foi em sua condenação das touradas, mas
como sou neto de um famoso toureiro, não sou imparcial.
AEN: O elo espanhol-austríaco vai além
de um mero acidente histórico?
de Soto: Lembre-se de que, no século
XVI, o Imperador
Carlos V, Rei da Espanha— também conhecido como Carlos de Habsburgo —
enviou seu irmão Fernando I para ser o Rei da "Áustria", palavra que
etimologicamente significa "Parte Oriental do Império", ou Österreich. Esse reino
abrangia a maior parte do continente europeu.
A única exceção era a França, então uma ilha isolada e cercada por
forças espanholas.
As
relações econômicas, políticas e culturais entre a Áustria e a Espanha continuaram
por vários séculos. Carl Menger
redescobriu e abraçou essa tradição continental católica do pensamento
escolástico espanhol, que na época já estava quase que completamente esquecida.
AEN: Bem, então o que aconteceu com
essa tradição, dado que ela teve de ser
redescoberta?
de Soto: Adam Smith e seus seguidores
vieram a dominar o pensamento econômico espanhol, pondo fim ao desenvolvimento
da escola subjetivista, a qual não apenas defendia o livre mercado de forma
consistente, como também dominava toda a sua teoria. A tradição foi mantida viva na França com os
escritos de Richard Cantillon, A.J. Turgot e Jean-Baptiste Say, e algum
conhecimento conseguiu penetrar a Inglaterra por meio dos escritos de teóricos
protestantes do direito natural, como Samuel Pufendorf e Hugo Grócio. Porém, na Espanha, vivenciamos os anos de
decadência dos séculos XVIII e XIX, com o fim dos Habsburgos e início dos
Bourbons da França.
O
estatismo de Filipe
IV de Espanha o levou a tentar organizar um vasto império centralizado em
Madri, um projeto inerentemente inviável.
Os escolásticos foram contra esse estatismo, é claro, mas foram
sumariamente desconsiderados e sua tradição foi perdida. Havia também o problema de que eles escreviam
em latim, o que gerou uma barreira linguística.
Adicionalmente, os britânicos criaram e difundiram a Lenda Negra, que durante
os dois séculos seguintes denegriu tudo o que era católico e espanhol. Ironicamente, a Reforma Protestante na
realidade atrasou a causa da economia de livre mercado. A Igreja há muito tempo vinha desempenhando o
papel vital de contrabalançar o poder do estado. Com o declínio da Igreja em decorrência da
Reforma, a sabedoria de seus mais brilhantes teóricos econômicos foi perdida, e o poder do estado e a influência de seus apologistas
cresceram.
AEN: Por que foi necessário um
austríaco para redescobrir a tradição econômica espanhola?
de Soto: Os livros dos escolásticos
foram publicados em Bruxelas e na Itália, e foram enviados à Espanha e a
Viena. Foi assim, portanto, que chegaram
à Áustria. Havia também uma tradição de
pensamento escolástico na Áustria, a qual, afinal, é 90% católica.
No
entanto, foi um escritor católico espanhol quem solucionou o "paradoxo do
valor", 27 anos antes de Carl Menger.
Seu nome era Jaime Balmes. Ele
nasceu na Catalunha em 1810 e morreu em 1848.
Durante sua curta vida, ele se tornou o mais importante filósofo tomista
da Espanha. Em 1844, ele publicou um
artigo chamado "A Verdadeira Ideia do Valor; ou Pensamentos Sobre a Origem, a
Natureza e a Variedade dos Preços".
Balmes
perguntava por que uma pedra preciosa valia mais que um pedaço de pão? E ele próprio respondeu que o valor de um bem
está em sua utilidade, de modo que "há uma necessária relação entre a escassez
ou abundância de um bem e o aumento ou a redução de seu valor."
AEN: Falemos sobre questões um pouco
mais atuais. O senhor produziu um plano
para reformar o sistema previdenciário espanhol.
de Soto: Essa questão de pensões
garantidas para todos os idosos é um problema premente em todos os países
ocidentais, mas que só será sentido daqui a algumas décadas, quando então não
haverá mais solução. Em todos os países,
as obrigações assumidas pela Previdência são enormes, mas a demografia se
encarregou de fazer com que elas se tornassem essencialmente impagáveis, a
menos que os impostos sejam elevados a níveis intoleráveis. Antes de saber o que deve ser feito com estes
sistemas, é necessário entender suas inerentes contradições.
Primeiro,
os sistemas previdenciários alegam ser esquemas de poupança de dinheiro, mas a
realidade é que eles desestimulam a
poupança. Além de as "contribuições
compulsórias" incidirem justamente sobre o que seria a poupança dos indivíduos,
a previdência leva as pessoas a crerem que elas não precisam ser precavidas
quanto ao futuro, pois o estado cuidará delas.
Consequentemente, as pessoas passam a crer que é desnecessário
poupar. É empiricamente comprovável que
a expansão da seguridade social coincidiu com um enorme declínio na poupança
das pessoas. Claro. Poupança é sacrifício. Por que poupar se meu futuro "está garantido
pelo estado"? Esta queda na poupança
tende a elevar os juros e a consequentemente reduzir os níveis de investimento
de várias maneiras impossíveis de ser mensuradas.
Segundo,
não importa o que a lei diz sobre como empregados e empregadores compartilham o
fardo da contribuição previdenciária. Do
ponto de vista econômico, o trabalhador paga todo o imposto. Mises foi o primeiro a desenvolver esta constatação
em seu livro Socialism, no qual
ele disse que contribuições para a seguridade social sempre se dão em
detrimento dos salários.
Terceiro,
o sistema é baseado em uma generalizada e indiscriminada agressão institucional
contra os cidadãos. Logo, trata-se de um
ataque direto à liberdade. E isso, por
sua vez, inibe o desenvolvimento criativo da descoberta empreendedorial. Novas modalidades financeiras de poupança e o
uso eficiente da propriedade são tolhidos.
A resultante malversação de capital e mão-de-obra é incalculavelmente
alta.
Quarto,
o sistema não pode funcionar como seguro e assistencialismo ao mesmo tempo,
porque ambos os conceitos são incompatíveis.
Um seguro é baseado no princípio de que os benefícios se dão de acordo
com as contribuições. Já o
assistencialismo é baseado na necessidade.
Se os retornos passam a ser declinantes, que é o que ocorrerá, o
elemento "seguridade" do sistema passa a abortar o elemento
"assistencialista". E vice-versa.
E
por que nós temos esses sistemas? Porque
burocratas acreditam que algumas pessoas supostamente não são capazes de cuidar
de si próprias. Mas isso é o mesmo que
dizer que, dado que um pequeno número de pessoas não consegue se alimentar,
todos os indivíduos de uma população devem ser forçados a comer em cantinas
estatais.
O
segredo para qualquer reforma previdenciária é que cada indivíduo deve ser o
responsável por sua poupança. O
indivíduo não pode ser forçado a participar de um programa compulsório. Aqueles que querem sair do sistema
previdenciário devem ter a liberdade para fazê-lo. Não pagarão contribuições e também não ganharão
nenhum benefício estatal. Esse deve ser
o objetivo de longo prazo, e é de se esperar que a maioria das pessoas faria
essa opção. No meu plano, nosso período
de transição permite uma redução de 50% na taxa de contribuição atual em troca
de se abrir mão de todas as reivindicações futuras. Adicionalmente, nenhum imposto jamais deve
ser aumentado para pagar por esse período de transição. O sistema previdenciário já está falido e é
urgente tratar desse assunto; adiar a solução irá apenas intensificar a tragédia
quando esta inevitavelmente chegar.
AEN: A educação estatal pode ser
benéfica? Há vantagens em se ter um
sistema de ensino comandado pelo estado?
de Soto: O estado opera à margem do
mercado, sem jamais ser guiado pelo sistema de lucros e prejuízos. E quando você não leva em conta o sistema de
lucros e prejuízos, é absolutamente impossível saber se o seu trabalho está
sendo bem feito.
Quando
a educação é financiada e controlada pelo estado, você tende a criar — para
utilizar um linguajar econômico — um 'investimento errôneo' ou um
'investimento intelectual mal feito'. A
teoria do "capital humano", do economista Gary Becker, insinua que quanto mais
se investe em educação e quanto mais a criança aprende na escola, mais valorosa
ela se torna para a sociedade. A
conclusão óbvia é que o governo deveria pagar pela escolarização e educação de
todos para tornar a sociedade mais rica.
Discordo
totalmente de Becker. Como o dinheiro
envolvido é o dinheiro de impostos, não há como calcular em termos econômicos
se a educação feita desta forma é um bom investimento ou não. Muito provavelmente não é. As pessoas gastam anos estudando coisas que
não terão utilidade nenhuma para elas.
Isso é um inacreditável desperdício de talento e de recursos. Mas é exatamente isso o que ocorre quando se
dá ao governo o controle das coisas, principalmente do currículo escolar.
A
teoria neoclássica costuma tratar o capital em termos generalistas. Nela, não há um investimento bom e um
investimento ruim de capital; é tudo apenas capital e tudo é homogêneo. Ocorre que, em vários casos, um investimento
errôneo em capital intelectual pode acabar trazendo consequências muito mais
nefastas para a sociedade do que uma simples malversação de recursos escassos
que foram investidos erroneamente em um projeto que se revelou insustentável.
AEN: O senhor vê alguma contradição no
meio liberal entre ideias teóricas radicais e propostas modestas de reforma?
de Soto: O maior perigo para a
estratégia libertária é cair na armadilha do pragmatismo político. É fácil se esquecer dos objetivos supremos em decorrência da suposta impossibilidade política de se alcançá-los no curto
prazo. Consequentemente, nossos
programas e objetivos se tornam obscuros e nossos intelectuais são cooptados
pelo governo.
A
maneira correta de impedir que isso aconteça é adotando uma estratégia dupla. Por um lado, temos de ser abertos e honestos
a respeito dos nossos objetivos, e temos de nos esforçar para educar o público,
explicando por que nosso objetivo final é o melhor para a sociedade. Por outro, devemos apoiar toda e qualquer
política de curto prazo que nos leve para mais perto dos nossos objetivos. Desta forma, quando nossos objetivos de curto
prazo forem alcançados, não haverá como retroceder. Poderemos seguir adiante com a total
convicção de que as pessoas compreenderão que é necessário continuar fazendo sempre
mais.
AEN: O senhor conheceu a Escola
Austríaca aos 16 anos descobrindo acidentalmente em uma biblioteca o livro Ação
Humana, de Ludwig von Mises. Parece
surpreendente que a ciência econômica já fosse tão intensamente atraente para o
senhor em uma idade tão prematura.
de Soto: Minha família é do ramo do
seguro de vida, que aliás é o único traço em comum que tenho com John Maynard Keynes,
que, na década de 1930, foi o presidente da National Mutual Life Assurance
Society de Londres. O ramo do
seguro de vida é um negócio bastante tradicional, tendo evoluído ao longo de
200 anos sem praticamente nenhuma intervenção estatal. Trabalhando com meu pai, tornei-me
naturalmente interessado em teoria monetária, finanças e instituições
econômicas. Queria ser um atuário. Eu era muito bom em matemática.
Porém,
ainda jovem comecei a me dar conta de que aquilo que funciona para as ciências
atuariais, que lida com probabilidades de vida e morte, não pode funcionar na
ciência econômica, porque não há constantes na ação humana. Há criatividade, mudanças, escolhas e
descobertas, mas não há parâmetros fixos que permitam a criação de funções
matemáticas.
Curvas
de oferta e demanda não podem refletir a realidade porque as informações
necessárias para construí-las só podem ser obtidas ao longo do tempo por meio
do processo empreendedorial. Essas
informações jamais aparecem ao mesmo tempo, como a matemática requer que
pressuponhamos.
AEN: Keynes aparentemente não chegou a
essas mesmas lições a respeito da ação humana ao trabalhar no ramo de seguros.
de Soto: O problema é que Keynes não
corrompeu apenas a ciência econômica.
Ele corrompeu também as práticas do ramo atuarial. Ele rompeu com as políticas tradicionais de
sua empresa e começou a valorar seus ativos ao seu valor atual de mercado em
vez de utilizar o conservador método do valor histórico. Quando você avalia ativos de acordo com seu
valor atual de mercado, o valor deles fica ao sabor dos ciclos econômicos. Se a economia estiver vivenciando uma fase de
crescimento em decorrência da expansão artificial do crédito, seus ativos
passam a valer mais. Consequentemente,
você passa a fazer investimentos mais ousados e errôneos. Quando vem a recessão, o valor de seus ativos
volta a cair, mas seus passivos permanecem inalterados ou podem até mesmo
subir. Resultado: você reduziu o capital
de sua empresa, podendo até mesmo tê-la levado à falência.
Quando
Keynes começou a fazer isso, ele imediatamente ganhou uma enorme vantagem
competitiva sobre seus concorrentes. Ele
passou a poder distribuir dividendos para seus clientes sem que houvesse obtido
nenhum ganho de capital. Enquanto a
bolsa de valores estava subindo, tudo era uma maravilha. Porém, quando a Grande Depressão chegou, sua
empresa quase foi à falência por causa desta sua inovação.
A
atual crise imobiliária e financeira decorre diretamente dessa corrupção nos
métodos de contabilidade das empresas e dos bancos.
AEN: O senhor deu ao Mises Institute uma
foto do Rei Juan Carlos segurando um livro de Mises. Ele é um misesiano?
de Soto: Não diria isso, mas ele gosta
do livre mercado e entende que temos opiniões radicais a respeito. Todos os anos, nós o convidamos para uma
feira que comemora o lançamento de novos livros liberais, e ele é gentil o
bastante para comparecer. Dado que ele
não estudou na Universidade de Chicago, ele é mais pró-austríaco do que seria
de se esperar. Nunca se sabe quais
indivíduos ou grupos serão atraídos pela Escola Austríaca.
AEN: Por exemplo, a influência dos
austríacos por meio dos salamanquenses sobre a moderna Igreja Católica.
de Soto: A Igreja Católica é como um
enorme transatlântico. Se você vira o
timão para a direita, a embarcação começa a se mover muito lentamente, mas chega uma
hora em que ela finalmente começa a mudar de direção.
Há
um poderoso grupo católico na Espanha chamado Opus Dei. Eles são muito próximos do Papa e são
extremamente pró-mercado. Alguém dentro
da ordem leu as obras de Hayek, viu que ele era extremamente pró-mercado e enviou
a mensagem para toda a organização: o Opus Dei tem de apoiar os austríacos.
Repentinamente,
todos os meus livros estavam sendo lidos por todos os membros da ordem, e eu
comecei a ministrar palestras para seus prelados e numerários. Recentemente, li uma tese de Ph.D
sobre Mises e Hayek escrita por um membro proeminente do Opus Dei.
As
opiniões da Igreja sobre questões econômicas devem ser ouvidas, mas não
impactam em questões relativas à fé. A
propósito, na parede do meu escritório, tenho uma bela foto de Hayek com João
Paulo II.
AEN: O senhor acha que economistas
deveriam levar a religião mais a sério do que costumam levar?
de Soto: Sem dúvida. A religião tem um papel importante na vida de
uma economia. A religião transmite de
geração para geração certos padrões de comportamento e de tradições morais que
são essenciais para que haja respeito às normas, separação dos poderes e
respeito aos direitos naturais de cada indivíduo. Sem isso, uma sólida economia de mercado é
impossível. Se os contratos deixam de
ser respeitados, a sociedade se desintegra.
A religião, e não o estado, é o meio essencial de se transmitir às
pessoas um senso de obrigações morais, como a de que devemos manter nossas
promessas e respeitar a propriedade de terceiros.
AEN: Algum economista já foi declarado
santo?
de Soto: Dois escolásticos. São Bernardino de Siena e seu grande pupilo,
Santo Antonino de Florença. Rezemos para
que não sejam os últimos.
AEN: Quais são os seus hobbies?
de Soto: Golfe e iatismo.
AEN: Quais são seus filmes e peças
teatrais favoritos?

de Soto: Jornada nas Estrelas e todos
de Shakespeare.
AEN: Qual a sua obra literária
favorita?
de Soto: Don Quixote de La
Mancha de Miguel de Cervantes.
AEN: Quais músicas o senhor mais
aprecia?
de Soto: Franz Peter Schubert e
Johannes Brahms.
AEN: O senhor consegue pensar em uma
obra de arte que simbolize ou retrate a ação humana?
de Soto: A losa roja (imagem ao lado)
Não deixe de ler os espetaculares artigos de Jesús Huerta de Soto aqui.