segunda-feira, 19 mar 2012
Em
suas análises econômicas, os economistas utilizam uma enorme variedade de métodos
estatísticos, que vão desde modelos altamente complexos até simples amostras de
dados históricos. Geralmente se acredita
que, por meio de correlações estatísticas, é possível organizar dados
históricos de modo a transformá-los em um proveitoso acervo de informações — o
que, por sua vez, serviria de base para uma avaliação sobre o atual estado da
economia. Em suma, acredita-se que, por
meio da aplicação de métodos estatísticos sobre dados históricos, é possível
extrair a realidade sobre o estado da economia.
Infelizmente,
as coisas não são tão diretas quanto podem parecer. Por exemplo, já foi observado que reduções na
taxa de desemprego estão quase sempre associadas a um aumento generalizado nos
preços dos bens e serviços. Deveríamos,
então, concluir que reduções no desemprego representam um poderoso gatilho para
a inflação de preços? Para aumentar ainda
mais a confusão, também já foi observado que a inflação de preços está
correlacionada com alterações na oferta monetária. Igualmente, já foi estabelecido que
alterações nos salários possuem uma alta correlação com inflação de preços.
Logo,
como devemos interpretar tudo isto? Estamos
sendo confrontados não com uma mas sim com três "teorias" concorrentes sobre
inflação. Como decidir qual teoria é a
correta? De acordo com pensamento
popular, o critério para a seleção de uma teoria deve ser seu poder preditivo. Sobre isto, Milton Friedman escreveu,
O objetivo supremo de uma ciência positiva deve ser
desenvolvimento de uma teoria ou hipótese que gere predições válidas e
significativas (isto é, não triviais) sobre fenômenos ainda não observados.[1]
Enquanto
o modelo (teoria) estiver "funcionando", ele é considerado uma abordagem válida
sobre a avaliação de uma economia. Por
outro lado, tão logo o modelo (teoria) fracasse em suas previsões, torna-se
necessário criar um novo modelo (teoria).
Por exemplo, um economista cria uma teoria que diz que os gastos dos
consumidores com bens e serviços são determinados por sua renda
disponível. Tão logo esta teoria seja
validada por meio de métodos estatísticos, ela passa a ser empregada como
ferramenta para se fazer avaliações da direção futura dos gastos em consumo. Mas se o modelo se revelar
incapaz de produzir previsões corretas, ele será ou substituído ou modificado
pelo acréscimo de outras variáveis explicativas.
A
natureza experimental das teorias implica que nosso conhecimento acerca do
mundo real é ilusório e ardiloso. Por
não ser possível estabelecer "como as coisas realmente funcionam", não importa
realmente quais são as suposições fundamentais de um modelo. Com efeito, vale tudo — desde que o modelo
gere bons prognósticos. De acordo com
Friedman,
A pergunta relevante a ser feita sobre as suposições de uma teoria não é se elas
são descritivamente realistas, pois
nunca serão, mas sim se elas representam uma aproximação suficientemente boa
para o propósito em
questão. E esta
pergunta pode ser respondida somente ao se observar se a teoria funciona, o que
significa observar se ela gera previsões suficientemente acuradas.[2]
Esta
visão popular — que permeia toda a ciência econômica — que determina a
capacidade preditiva como critério para se aceitar um modelo é totalmente
absurda. Mesmo as ciências naturais, as
quais a economia convencional tenta emular, não validam seus modelos desta
maneira. Por exemplo, uma teoria
utilizada para construir um foguete estipula certas condições que devem existir
para que o lançamento do foguete seja bem sucedido. Uma das condições é que o tempo esteja
bom. Poderíamos então julgar a qualidade
de uma teoria sobre a propulsão de um foguete tomando por base se ela pode
corretamente prever a data do lançamento do foguete?
A
previsão da data específica do lançamento somente será concretizada se todas as
condições estipuladas forem satisfeitas.
Se isso ocorrerá ou não é algo que não pode ser sabido
antecipadamente. Por exemplo, pode ser
que no dia planejado para o lançamento esteja chovendo. Tudo o que a teoria sobre a propulsão do
foguete pode nos dizer é que, se todas as condições necessárias forem
satisfeitas, o lançamento do foguete será bem sucedido. A qualidade da teoria, no entanto, não é
corrompida pela incapacidade de se fazer uma previsão correta para a data do
lançamento.
A
mesma lógica se aplica à ciência econômica.
Podemos afirmar com segurança que, tudo o mais constante, um aumento na
demanda por pão irá elevar seu preço.
Esta conclusão é verdadeira, e não é experimental. O preço do pão subirá já amanhã? Ou subirá somente em um futuro indefinido? Isto não pode ser acuradamente estabelecido
pela teoria sobre oferta e demanda.
Deveríamos então rejeitar esta teoria como inútil pelo fato de ela ser
incapaz de prever o preço futuro do pão?
De acordo com Mises,
A ciência econômica pode prever os efeitos esperados de
políticas econômicas específicas. Ela
pode responder à pergunta sobre se uma determinada política é capaz de alcançar
os fins almejados. E se a resposta for
negativa, quais serão seus reais efeitos.
Porém, é claro, tal previsão será meramente "qualitativa".[3]
A ação humana é a questão central
No
entanto, sem o entendimento de que a ação humana é e sempre será algo
proposital, que os humanos sempre agem movidos por propósitos específicos, não
é possível decifrar o sentido de dados históricos. Sobre isto, Rothbard escreveu,
Um exemplo que Mises gostava de utilizar em suas aulas para
ilustrar a diferença entre duas maneiras fundamentais de se analisar o
comportamento humano era o do comportamento das pessoas em uma estação de metrô
durante a hora do rush. O cientista comportamental "objetivo" ou
"genuinamente científico", dizia ele, iria observar apenas os eventos
empíricos: por exemplo, pessoas caminhando apressadamente de um lado para o
outro, de maneira vaga, durante certos e previsíveis momentos do dia. E isto seria tudo o que ele teria capacidade
de observar. Porém, o verdadeiro
estudioso da ação humana começaria sua análise pelo fato de que todo e qualquer
comportamento humano é propositado. Ato
contínuo, ele compreenderia que o propósito daquelas pessoas é o de ir de suas
casas para o metrô e dali para o trabalho, durante as manhãs, e fazer o trajeto
oposto à noite. Resta óbvio qual dos
dois cientistas iria entender e saber mais sobre o comportamento humano — e,
por conseguinte, qual seria o genuíno "cientista".[4]
O
fato de que as pessoas conscientemente realizam ações propositadas nos propicia
um entendimento preciso de uma situação, entendimento este que sempre será
válido no que diz respeito a seres humanos.
Este entendimento determina os fundamentos para uma abordagem coerente
que permita uma avaliação significativa do estado de uma economia.
Para
fazer a correta análise dos dados, é necessário reduzi-los à sua força motriz
suprema, que á a ação humana propositada.
Por exemplo, durante uma recessão econômica, observa-se uma queda
generalizada na demanda por bens e serviços.
Devemos, então, concluir que a queda na demanda é a causa de uma
recessão econômica?
Sabemos
que as pessoas persistentemente se esforçam para melhoras suas vidas e
bem-estar. Suas demandas ou objetivos
são, portanto, ilimitados. Logo, a única
maneira de haver uma queda generalizada na demanda é por meio de uma
incapacidade das pessoas em sustentar suas demandas. Logo, problemas no lado da produção — o que
afeta a renda das pessoas — provavelmente são a causa de uma perceptível queda
generalizada na demanda.
Alternativamente,
considere uma situação na qual o banco central anuncia que aumentar a taxa de
crescimento da oferta monetária enquanto a inflação de preços está baixa é uma
medida que pode elevar o crescimento econômico real. Para entender a lógica desta proposição, é necessário
examinar a essência do dinheiro. O
dinheiro é o meio de troca de uma economia.
Sendo o meio de troca, o dinheiro pode apenas facilitar a transação da
riqueza real existente. Ele não pode
criar mais riqueza. O dinheiro não pode
ser utilizado na produção de bens, pois ele não é um bem de capital. O dinheiro também não pode ser utilizado no
consumo, pois ele não é um bem de consumo.
Logo, podemos concluir que imprimir dinheiro não é a maneira correta de
promover o crescimento econômico. Em outras
palavras, o objetivo — elevar o crescimento econômico real — não pode ser
alcançado por meio de mera impressão de dinheiro.
O
fato de que o homem realiza ações propositadas implica que a causalidade no
mundo da ciência econômica emana dos seres humanos, e não de fatores
externos. Por exemplo, contrariamente ao
ideário popular, gastos individuais com bens não são causados pela renda
real. Dentro de seu contexto único e específico,
cada indivíduo decide quanto de sua renda será utilizada para consumo e quanto
será utilizada para investimentos.
Embora seja verdade que as pessoas responderão a alterações em suas
rendas, tal resposta não é automática.
Cada indivíduo avalia o aumento de sua renda tendo por base um conjunto
específico de objetivos que ele quer alcançar.
Ele pode decidir que será mais benéfico para ele elevar seus
investimentos em ativos financeiros a elevar seu consumo.
Em
contrapartida, análises que se baseiam unicamente em correlações estatísticas
são de serventia limitada, pois possuem uma natureza puramente mecânica. Consequentemente, comentários feitos por
vários e especialistas que se baseiam em tais abordagens são puramente
arbitrários. Tudo o que esses
especialistas podem fazer é repetir dados já conhecidos — eles nada podem nos
dizer sobre a essência da atividade econômica.
Em
suma, vários métodos estatísticos e matemáticos são apenas uma maneira
específica de descrever eventos. Eles
não podem explicar estes eventos. Eles
não melhoram nosso conhecimento sobre o que causa as flutuações nos dados.
Resumo e conclusões
De
acordo com o pensamento popular, o critério para a seleção de uma teoria
deveria ser o seu poder preditivo.
Enquanto o modelo estiver "funcionando", ele é considerado uma maneira
válida de avaliar o estado de uma economia.
Se o modelo se revelar incapaz de gerar previsões acuradas, ele é ou
substituído ou modificado.
Mas
a natureza experimental das teorias implica que nosso conhecimento sobre o
mundo real é ilusório e ardiloso.
Contrariamente à ideia popular, da simples porém fundamental afirmação
de que as ações humanas são conscientes e propositadas é possível derivar todo
o corpo da ciência econômica. E como tal
conhecimento assim derivado está baseado em uma afirmação fundamentalmente
verdadeira, este conhecimento não é experimental e evasivo, mas sim
absolutamente preciso e definitivo.
Consequentemente, não são necessários vários métodos estatísticos para
se validar a teoria econômica, a qual é derivada do fato de que todas as ações
humanas são conscientes e propositadas.
Analistas que recorrem a métodos estatísticos para determinar e apurar
fatos reais estão correndo o risco de produzir análises incorretas.
[1] Milton Friedman, Essays in
Positive Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1953).
[2] Milton Friedman, ibid.
[3] Ludwig von Mises, The
Ultimate Foundation of Economic Science, p. 67.
[4] Murray
N. Rothbard, prefácio de Theory and
History, de Ludwig von Mises.