Nota
do editor
O artigo a seguir foi originalmente publicado no dia
11 de dezembro de 2018. Desde então, novos acontecimentos nos estimularam a
republicá-lo, com atualizações e acréscimos, para torná-lo ainda mais completo.
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Observe o gráfico abaixo. (Eis o link permanente)
A linha azul representa a taxa de juros dos títulos do
Tesouro americano de 3 meses. A linha
vermelha, a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano de 30 anos.
As barras cinzas verticais representam os períodos de
recessão econômica.

Figura
1: Linha azul: a taxa de juros de 3 meses. Linha vermelha: taxa de juros de 30
anos. Barras Cinzas: recessão (ignore aquela descontinuidade da linha vermelha
entre 2002 e 2006; é falha do algoritmo)
Mesmo um observador leigo consegue imediatamente
perceber uma relação direta: sempre que a linha vermelha encosta na azul — e,
principalmente, quando ela fica abaixo
da azul —, ocorre uma recessão alguns meses depois.
Veja agora este outro gráfico. A linha azul continua representando a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano de 3 meses. Já a linha verde, a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano de 10 anos.

Figura 2: Linha azul: a taxa de juros de 3 meses. Linha verde: taxa de juros de 10 anos. Barras Cinzas: recessão
Vale a mesma observação feita para o primeiro gráfico, com a única exceção para o longínquo ano de 1966, única vez em que as linhas se cruzaram e não houve uma recessão em seguida.
O
fenômeno
O fenômeno acima é chamado de inversão da curva de juros. Em inglês, há um termo pomposo: inverted yield curve.
A inversão ocorre quando as taxas de juros de longo
prazo (no caso, de 30 anos) ficam menores
que as taxas de juros de curto prazo (no caso, 3 meses). Obviamente, trata-se
de uma anomalia o fato de os juros de longo prazo se tornarem menores que os juros
de curto prazo.
Em épocas normais, os agentes econômicos (assim como
qualquer indivíduo) tendem a exigir juros maiores para períodos mais longos. Quanto
mais longo o período de um empréstimo, maiores os juros exigidos. Basicamente, três
elementos definem a taxa de juros para um empréstimo: o risco, a expectativa de
inflação de preços, e a preferência temporal.
Quanto maior o período do empréstimo, maior o risco.
Logo, maiores serão os juros exigidos para compensar este risco.
Quanto maior o período do empréstimo, maiores as
chances de ocorrer uma grande perda no poder de compra da moeda. Logo, maiores serão
os juros exigidos para compensar essa perda no poder de compra.
Quanto maior o período do empréstimo, mais tempo você
terá de abrir mão do seu consumo. Logo, maiores serão os juros exigidos para
que você abra mão deste consumo presente em troca de mais dinheiro no futuro. Isso
é o básico da preferência temporal.
Por isso, trata-se de uma anomalia quando os juros
de longo prazo se tornam menores que os juros de curto prazo. E essa anomalia
sempre precede uma recessão.
Mas por que ela ocorre? E por que ela precede uma recessão?
A
explicação convencional
O site Investopedia
oferece uma explicação convencional:
Historicamente,
inversões da curva de juros precederam várias das recessões americanas. Devido a
esta correlação, a curva de juros frequentemente é vista como uma maneira
acurada de se prever viradas no ciclo econômico.
Uma
curva de juros invertida prevê que as taxas futuras de juros na economia serão
menores, e isso ocorre porque os títulos de longo prazo estão sendo mais
demandados que os de curto prazo, e essa maior demanda joga os juros para
baixo. [...]
O
que afeta os juros no mercado são as variações na demanda por títulos de
diferentes prazos em um determinado momento e em determinadas condições econômicas.
Quando a economia está indo em direção a uma recessão, os investidores —
sabendo que as taxas de juros futuras serão menores exatamente porque a
economia estará em recessão — se tornam mais dispostos a investir em títulos de
prazo mais longo. Essa maior demanda aumenta os preços destes títulos e,
consequentemente, diminui as taxas de juros deles (quanto maiores os preços de
um título, menores os juros que eles pagam).
Ao
mesmo tempo, menos investidores querem investir em títulos de curto prazo, os
quais ainda estão pagando juros menores que os de longo prazo. Com menos
demanda por títulos de curto prazo, os juros destes tendem a subir, gerando uma
curve invertida.
Eis outra explicação,
que é complementar.
Recessões
tendem a durar 18 meses, em média. Se os investidores acreditam que uma recessão
é iminente, eles irão colocar seu dinheiro em um investimento que seja seguro durante
pelo menos os próximos dois anos. Assim, eles irão evitar qualquer título do
Tesouro que tenha prazo menor que dois anos. Com a queda na demanda por estes títulos
de prazo menor, os juros deles sobem, e a curva de juros se inverte.
No
dia 3 de dezembro de 2018, a parte média da curva de juros se inverteu pela
primeira vez desde a recessão de 2008. Os juros para os títulos de 5 anos foram
de 2,83%. Trata-se de uma taxa ligeiramente menor que a de 2,84% dos títulos de
3 anos. No dia 5 de dezembro, a inversão se acentuou. A taxa de juros para o título
de 5 anos caiu para 2,79% ao passou que a do título de 3 anos foi de 2,81%.
Isso
significa que os investidores estão dizendo que a economia americana estará um
pouco melhor daqui a cinco anos do que daqui a três anos.
O
Fed irá terminar de elevar a taxa básica de juros daqui a dois anos. Ele planeja
elevá-la para 3,5% em 2020. Investidores estão preocupados que isso pode
desencadear uma recessão econômica caso o Fed exagere e eleve a taxa básica para
um valor muito alto. Eles acreditam que a economia estará mais forte daqui a 5
anos.
Vamos sintetizar tudo o que foi dito: a curva de
juros se inverte (com as taxas de curto prazo sendo mais altas que as de longo
prazo) porque os investidores, ao perceberem que o país está entrando em
recessão, sabem que, no futuro, as taxas de juros cairão por causa da recessão
(durante recessões, a inflação de preços também tende a ser menor).
Sendo assim, neste cenário de incerteza crescente,
eles correm para garantir a aquisição daqueles títulos de longo prazo que ainda
estão pagando altas taxas de retorno. Quanto maior o prazo do título, maiores
os juros que ele paga. Um título de 30 anos paga mais que um de 10 anos que
paga mais que um de 2 anos. Consequentemente, os investidores correm para os títulos
de maior prazo para garantirem já a taxa de juros mais alta, garantindo assim o
maior retorno para os próximos anos.
Ao correrem para esses títulos em busca de
segurança, o preço deles aumenta e a taxa de juros cai.
Ao mesmo tempo, a demanda por títulos de prazos
menores cai. E os juros deles sobem. Inverte-se a curva.
Agora,
uma explicação mais austríaca
A explicação acima está toda tecnicamente correta. Mas
ela se limita apenas à visão do mercado financeiro.
Vamos agora expandi-la para a economia real. No final,
você verá que o raciocínio é o mesmo.
O gráfico a seguir mostra a evolução da base monetária
americana. Estamos em março de 2019 e o gráfico começa em agosto de 2013.

Figura
3: evolução da base monetária americana desde agosto de 2013
Hoje, a base monetária americana, que é uma variável
que está completamente sob o controle do Fed (o Banco Central americano) está praticamente no mesmo valor de cinco anos atrás. O Fed claramente está com uma postura
contracionista. Não há dúvidas quanto a isto.
Isso pode ajudar a explicar por que o dólar está
forte ao redor do mundo.
A teoria econômica da Escola Austríaca ensina que quando
o Banco Central começa a estabilizar a base monetária, o ciclo de expansão econômica
é abortado. De início, a estabilização da base monetária começa a afetar as
taxas de juros de curto prazo, que começam a subir (há menos dinheiro disponível
para o sistema bancário emprestar para consumidores e empreendedores).
Consequentemente, para os empreendedores, torna-se
mais difícil dar continuidade às suas atuais políticas de expansão dos
empreendimentos. Eles descobrem que ficou mais caro pegar emprestado o
dinheiro de que precisam para completar os empreendimentos que haviam iniciado
por terem imaginado que a demanda dos consumidores continuaria subindo.
Os empreendedores começam então a competir entre si
por empréstimos de curto prazo, pois eles têm de terminar seus projetos. Quando
eles competem entre si por este dinheiro, a taxa de juros de curto prazo sobe.
Ao mesmo tempo, eles deixam de tomar empréstimos de
longo prazo, pois estão receosos de que não conseguirão quitar suas dívidas
caso a economia entre em recessão. Em decorrência desta menor demanda por
empréstimos de longo prazo, as taxas de juros de longo prazo começam a cair.
Enquanto isso, no mercado de títulos (públicos e
privados), cresce o temor de que a fase expansionista do ciclo econômico está
chegando ao fim. Consequentemente, os investidores creem que será uma boa
ideia comprar títulos (públicos e privados) de longo prazo e auferir os juros
pagos por estes títulos. Dado que haverá uma recessão, ter uma receita
garantida e travada a uma ainda alta taxa de juros é uma ótima opção.
Logo, ao mesmo tempo em que empreendedores e empresas
reduzem suas demandas por empréstimos de longo prazo, os investidores começam a
comprar mais títulos de longo prazo. Isso reduz ainda mais a taxa de juros
de longo prazo.
Conclusão: quando o processo de estabilização de
base monetária é iniciado, a tendência é que as taxas de juros de curto prazo
aumentem e a taxa de juros de longo prazo diminua. E então ocorre a inversão da curva de juros.
A mídia especializada afirma que os juros a serem
observados são aqueles para os títulos de 2 anos e de 10 anos. Eu
particularmente prefiro os de 3 meses e de 30 anos. Como mostra o
gráfico do início do artigo, o índice de acerto desta métrica é de 100%.
Já para os juros de 3 meses e 10 anos, houve apenas um falso positivo (em 1966), o
que também torna essa métrica digna de ser monitorada.
Dito isso, vale ressaltar que, recentemente, no dia 22
de março de 2019, houve uma inversão da curva de juros para as métricas 3 meses e 10 anos (vide a Figura 2), o que já acende um
grande sinal amarelo. E hoje, terça-feira, 26 de março, a inversão aumentou ainda mais. Eis os
mais recentes valores:

Conclusão
A teoria sustenta a prática. Sim, a inversão da curva
de juros — que é um fenômeno atípico — é um bom previsor de uma recessão americana.
Em média, a recessão começa de 6 a 12 meses após a inversão (não há ciência exata
neste quesito).
Como as taxas de 30 anos e 3 meses ainda não se inverteram, não se pode dizer que há um indicador consolidado de recessão nos EUA. Entretanto, a inversão das curvas de 10 anos e 3 meses — que é o segundo melhor prognosticador — chama a atenção. E acende um alerta.
Salve e mantenha consigo o link permanente do gráfico.