quinta-feira, 16 jun 2022
O tema da desigualdade econômica vem dominando
praticamente todos os debates políticos. O problema é que, enquanto sobram
polêmicas e emotividades, faltam clareza e racionalidade.
O principal exemplo da falta de clareza e
racionalidade pode ser visto naquelas pessoas que dizem querer "eliminar a
pobreza e a desigualdade". Quase que sem exceção, há uma confusão entre pobreza
e desigualdade
Isso é um grande erro. Vamos pensar mais
detidamente.
Eliminar a pobreza é algo obviamente bom. E,
felizmente, isso já está acontecendo em escala global. O Banco Mundial
recentemente relatou que as amenidades básicas para se ter uma vida digna estão
disponíveis para os mais pobres do planeta em um volume jamais visto em toda a
história da humanidade. E por uma grande margem. Em 1820, aproximadamente 95% da
população mundial vivia na pobreza, com uma estimativa de que 85% vivia na
pobreza "abjeta". Em 2015, menos de 10% da
humanidade continua
a viver em tais circunstâncias.
Xangai,
um local dominado pela miséria até há pouco tempo, hoje se parece com as
cidades mais modernas dos EUA, como Houston. A renda real da Índia está
dobrando a cada 10 anos. A África Subsaariana finalmente está crescendo. Mesmo nos países ricos,
os pobres de hoje vivem muito melhor do que viviam os pobres da década de 1970,
tendo mais facilidade de acesso a comida, a serviços de saúde e até mesmo a
amenidades, como ar-condicionado.
Temos
de dar continuidade a esse serviço até terminá-lo. Mas será que realmente
iremos ajudar os pobres se continuarmos nos concentrando obsessivamente na
desigualdade?
Anthony Trollope, o grande escritor
inglês da era vitoriana, deu uma resposta em seu clássico "Phineas Finn", de 1867.
Sua heroína progressista dizia que "tornar homens e mulheres iguais" era "a
essência da nossa teoria política". Não, retrucou seu amigo radical e mais
visionário: "Igualdade é uma palavra feia, e apavora". Uma pessoa boa deveria, disse
ele, em vez de almejar a igualdade, "ajudar a elevar aqueles que estão abaixo
dela".
Concentre-se
em eliminar a pobreza, e toda a riqueza será automaticamente distribuída.
O
crescimento econômico vem alcançando exatamente isso desde 1800. A igualdade
nas questões mais importantes vem aumentando continuamente, por meio da
ascensão dos mais miseráveis do planeta. O enriquecimento dos pobres — por
meio de sua maior facilidade de acesso a itens essenciais — importa muito mais
no contexto geral da humanidade do que o fato de os mais ricos estarem
adquirindo mais Rolexes ou lanchas.
O
que realmente importa em termos éticos é se os pobres têm um teto sob o qual
dormir, o suficiente para comer, a oportunidade de ler, acesso a saneamento
básico e um tratamento igual por parte da polícia e dos tribunais (estes três
últimos, monopólios estatais). Restringir a violência policial sobre os pobres
inocentes é infinitamente mais importante do que querer equalizar a posse de
Rolexes.
O
filósofo Harry Frankfurt, da Universidade de Princeton, coloca da seguinte
maneira: "A igualdade econômica não é, em si mesma, de grande importância moral".
Em vez disso, deveríamos criar um arranjo que permitisse aos pobres ascenderem
a um nível em que possam viver plenamente suas vidas humanas.
Outro
eminente filósofo, John Rawls, de Harvard, articulou aquilo que chamou de O
Princípio da Diferença: se o empreendedorismo de uma pessoa rica melhorar a
vida do mais pobre, então a maior renda deste empreendedor está justificada.
É
verdade que aquelas conspícuas ostentações de riqueza são vulgares e
irritantes. Mas elas não são algo que devem suscitar a criação de políticas
públicas.
A
pobreza nunca é algo positivo. Já as diferenças, principalmente as diferenças econômicas,
frequentemente são. É por haver diferenças econômicas que há transações comerciais.
É por causa das diferenças econômicas que nova-iorquinos transacionam bens com
californianos e com chineses de Xangai; e que brasileiros transacionam entre si
(do norte ao sul) e com alemães e com argentinos. E é por isso que todos os ataques políticos ao
livre comércio são ignaros, para não dizer infantis. As diferenças explicam
por que interagimos e por que celebramos a diversidade — ou ao menos deveríamos.
Uma
objeção prática a esse enfoque obsessivo dado à igualdade econômica é que é simplesmente
impossível de alcançá-la — não é uma sociedade grande e não de uma maneira
justa, sensata e pacífica. Dividir uma pizza entre amigos é algo que pode ser
feito de maneira equitativa, com certeza. Mas igualdade além desse básico, e
além de direitos humanos, é impossível de ser alcançada em uma econômica dinâmica
e baseada na divisão do trabalho.
Restringir
o sucesso de quem alcançou êxito por meio do livre mercado — isto é, sendo
bem-sucedido em atender as demandas e desejos dos consumidores —
inevitavelmente requer o uso do confisco e da violência. Mais: é necessário saber
exatamente quem terá de ser atacado. Acreditar que pode haver um governo —
inevitavelmente formado por pessoas com interesses próprios — capaz de fazer
essa redistribuição de maneira ética é totalmente ingênuo.
Dado que as pessoas são naturalmente desiguais em
quesitos como inteligência, herança genética, ambição, ambiente familiar,
disposição para o trabalho, capacidade empreendedorial e, acima de tudo, nas
escolhas que fazem, elas jamais serão economicamente iguais. Logo, a
igualdade econômica só poderá ser alcançada se for imposta pela força, pelo
confisco e pela violência.
Portanto, não basta apenas dizer que "igualdade
econômica imposta pela força é um objetivo inerentemente imoral e cruel."
É necessário dizer que a igualdade econômica é um objetivo inerentemente imoral
e cruel porque só pode alcançado por meio da coerção, do confisco e da violência. Não
há outra maneira.
Outro problema é que, quando você decepa as maiores
plantas, você reduz o tamanho da colheita. Por isso, é necessário permitir que
haja discrepâncias de renda, pois são estas discrepâncias que equilibram a
economia: se os ganhos de uma determinada profissão são extremamente altos,
isso indica que há uma escassez de mão-de-obra qualificada para aquela profissão.
Tal indicador, consequentemente, envia um sinal para todos os indivíduos da
economia, mostrando que aquela profissão extremamente rentável está em pequena
oferta, o que significa que mais mão-de-obra deve ser direcionada para ela.
Se um cirurgião cerebral ganhasse o mesmo tanto que
um taxista, não haveria um número suficiente de cirurgiões. E haveria um
excesso de taxistas.
Uma alternativa seria criar um comitê central formado
por planejadores genuinamente sagazes com o poder de forçar as pessoas certas
para os empregos certos. Mas tal solução, assim como a igualdade forçada, seria
necessariamente violenta. E mágica. Só que tal mágica já foi tentada várias
vezes, como na Rússia de
Stalin e na China de Mao.
A mágica descambou em chacinas
e centenas de milhões de mortos.
Muitos de nós ainda carregamos um pouco de
socialismo em nossos sentimentos, nem que seja porque crescemos em um ambiente
familiar amoroso, no qual a mãe era a planejadora central. Compartilhar as
coisas funciona muito bem dentro de uma casa formada por uma família amorosa. Mas não é assim que adultos
conseguem as coisas em uma sociedade desenvolvida. Adultos livres só conseguem
o que querem se trabalharem e produzirem bens e serviços para outras pessoas. Em
troca dessa produção recebem um salário. E é com esse salário que irão,
voluntariamente, adquirir o que querem.
No mundo real, longe das fantasias adolescentes, ninguém
consegue o que quer simplesmente dividindo todo o maná da natureza em um jogo
de soma zero.
Em termos aritméticos, expropriar os ricos e
redistribuir para os pobres não irá elevar os pobres permanentemente. No máximo,
irá elevar seu padrão de vida apenas temporariamente, e por pouco tempo. Tão
logo essa riqueza distribuída for consumida, os pobres voltarão à estaca zero. Consequentemente,
novas rodadas de confisco e redistribuição terão de ser efetuadas. Mas quem serão
os próximos expropriados? Não é de se imaginar que os ricos que estão sendo
expropriados ficarão inertes, esperando novas rodadas de expropriação. Em uma
sociedade livre, eles podem se mudar para Hong Kong, Cingapura, Suíça, Irlanda
ou para as Ilhas Cayman.
Por isso, a redistribuição funciona apenas na
primeira rodada. E por pouco tempo. Se cada centavo dos 20% mais ricos fossem
confiscados e redistribuídos aos 80% restantes, os extremamente pobres ficariam
apenas 25% mais ricos. E se apenas o super-ricos fossem espoliados, os mais
pobres receberiam ainda menos.
Sendo assim, a redistribuição de renda visando a
uma igualdade econômica é uma fantasia adolescente que não sobrevive ao mais básico
teste de lógica aritmética.
Como bem explicou Ludwig von
Mises:
A maioria das pessoas que exige a maior igualdade
possível de rendas não percebe que o objetivo que elas desejam só pode ser
alcançado pelo sacrifício de outros objetivos.
Elas imaginam que a soma de todas as rendas
permanecerá inalterada e que tudo o que elas precisam fazer é apenas distribuir
a renda de maneira mais uniforme do que a distribuição feita pela ordem social
baseada na propriedade privada.
Os ricos abdicarão de toda a quantia auferida que
estiver acima da renda média da sociedade, e os pobres receberão tanto quanto
necessário para compensar a diferença e elevar sua renda até a média. Mas
a renda média, imaginam eles, permanecerá inalterada.
É preciso entender claramente que tal ideia
baseia-se em um grave erro.[...] Não importa qual seja a maneira que se
conjeture a equalização da renda: tal medida levará, sempre e necessariamente,
a uma redução extremamente
considerável da renda nacional total e, consequentemente, da renda média.
Quando se compreende isto, a questão assume uma
complexidade bem distinta: agora temos de decidir se somos a favor de uma
distribuição equânime de renda a uma renda média mais baixa, ou se somos a
favor da desigualdade de renda a uma renda média mais alta.
A decisão irá depender essencialmente, é claro, de
quão alta será a redução estimada na renda média causada pela alteração na
distribuição social da renda. Se concluirmos que a renda média será mais
baixa do que aquela que é hoje recebida pelos mais pobres, nossa atitude
provavelmente será bem distinta da atitude da maioria dos socialistas sentimentais.
Se aceitarmos o que já foi demonstrado sobre o quão
baixa tende a ser a produtividade sob o socialismo, e especialmente a alegação
de que o cálculo
econômico sob o socialismo é impossível, então este argumento do socialismo
ético também desmorona.
O que realmente soluciona o problema da pobreza em
definitivo é o crescimento econômico gerado por transações econômicas voluntárias,
e não a caridade compulsória ou voluntária. Na Coreia do Sul, o crescimento econômico
aumentou a renda dos mais pobres em um fator de 30 vezes a renda real que
auferiam em 1953.
O que é que realmente devemos defender: uma extração
dos ricos feita de uma só vez (que, além de melhorar a vida dos pobres apenas
temporariamente, serve apenas para saciar os sentimentos da inveja e da raiva),
ou uma sociedade economicamente livre, na qual os pobres ascendem a passos
gigantescos?
É melhor nos concentramos diretamente naquela
igualdade que realmente queremos e podemos alcançar, que é a igualdade da
dignidade e a igualdade perante a lei. A igualdade liberal — em contraposição à
igualdade socialista do confisco e da redistribuição forçada — é a única que
elimina os piores aspectos da pobreza. Isso foi feito espetacularmente na
Grã-Bretanha, em Hong
Kong, em Cingapura
e em Botsuana.
Sim, é necessário fazer muito mais. A saber: mais
crescimento, que depende de mais investimentos e de mais capacidade humana, o
que requer uma proliferação de engenheiros. Mais engenheiros e menos advogados
e filósofos. Isso irá enriquecer
a todos nós.
Parodiando os heróis de nossa adolescência, Marx e
Engels: trabalhadores de todos os países, uni-vos! Vocês não têm nada a perder,
exceto a estagnação. Exijam um crescimento econômico gerado por transações econômicas
voluntárias em um arcabouço econômico livre.
Alguns ousam chamar esse arranjo de capitalismo.