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Economia

Quando a vida imita a piada

05/04/2014

Quando a vida imita a piada

"Eu sempre participava de esportes. Daí eu descobri que era possível comprar troféus. Hoje eu sou campeão em tudo".

A piada é do Demetri Martin, mas serve para simbolizar o modo como muitos brasileiros acham que a sociedade funciona: confundem o mérito da vitória com sua representação ornamental.

Quando dois fenômenos coincidem em incontáveis ocasiões, ficamos tentados a tratá-los como se constituíssem um único fenômeno, a estabelecer a partir das repetidas impressões uma relação de causalidade; ou, quando a causalidade existe, a inverter a direção da causalidade.  São casos de falácia de associação.

Ninguém acreditaria que é possível melhorar a qualidade dos atletas olímpicos brasileiros meramente aumentando a produção nacional de medalhas e troféus.  Mas pessoas bem educadas acreditam que,, ao alterarmos aspectos exteriores às conquistas pessoais e institucionais, estamos de fato conquistando algo além de ornamentação social.

Um exemplo era o que Frédéric Bastiat chamava de sisifismo: a crença no trabalho como um fim em si mesmo. Sociedades contemporâneas se acostumaram a pensar em renda sempre em termos de salário, o pagamento por trabalho realizado.  Mas o trabalho não é um bem último, é um sacrifício instrumental para a obtenção de outros bens. Aumentar o trabalho de uma sociedade não necessariamente melhora a condição de seus membros.

Se todos os computadores do mundo parassem de funcionar ao mesmo tempo, teríamos muito mais trabalho a ser realizado, mas o mundo não ficaria mais rico.  No entanto, políticas trabalhistas focam no aumento de trabalho sem que muitos percebam o empobrecimento trazido para os trabalhadores.

A luta nacional dos movimentos sindicais contra automatização de processos e flexibilidade contratual pode ter perpetuado certos empregos, mas no geral diminuiu a produtividade relativa do trabalhador brasileiro.  Empregos menos produtivos podem significar mais trabalho, mas também significam uma menor recompensa ao trabalho.

A associação entre competição e recompensa também pode ser falaciosa.  Nos esportes, no entretenimento, nos negócios, a competição mais acirrada costuma ser o caminho para as recompensas mais desejadas.  Mas os prêmios mais altos de uma sociedade nem sempre são os mais competitivos.  

Uma corrida armamentista pode significar um desfecho infeliz para todos os participantes.  Ou compare a competição para ingresso em universidades.  Muitas vezes vejo os melhores alunos tomar decisões baseadas na competitividade de um curso.  Enquanto a medicina é um curso disputadíssimo no vestibular, o convidativo curso de administração acaba entregando os prêmios mais altos aos seus bons profissionais.

Políticos e empresários também cometem erros similares.  É bastante comum mercados muito competitivos, como o de restaurantes, darem menos dinheiro do que mercados menos competitivos, como o de tecnologia.  Da mesma maneira, ser competitivo em todas as áreas não fortalece uma economia.  Se os políticos conseguissem viabilizar leis que tentassem deixar o Brasil competitivo em todos os setores imagináveis, provavelmente as empresas brasileiras seriam péssimas em todos eles.  A lição da vantagem comparativa é não tentar competir em todas as áreas.

Outra associação bastante comum é aquela feita entre benefícios sociais e crescimento econômico.  Em toda sala de aula do país já foi dito que os países com o maior gasto em assistencialismo social são também os mais ricos do mundo.  Utiliza-se os países escandinavos como exemplos da ideia de que o welfare state enriquece a população.  Mas ocorre que são justamente os países mais ricos que têm mais dinheiro para desperdiçar com assistencialismo.

Países mais pobres, como os da América Latina, punem a si mesmos ao acreditarem que um gasto assistencial em níveis europeus irá corresponder à riqueza em níveis europeus.  É como um carioca morador da Pavuna achar que se mudar para a Av. Atlântica irá lhe garantir a renda milionária de seus novos vizinhos.  Se ele tem essa ambição, ele deveria ver o que os moradores da Av. Atlântica fizeram antes de serem milionários.

Da mesma forma, o Brasil deveria observar o caminho que Suécia e Dinamarca tomaram para que pudessem depois se dar o luxo de redistribuir mais de 25% do seu PIB.

Enquanto os brasileiros acreditarem nas mais variadas falácias de associação, continuaremos achando que proibir a reprovação letiva equivale a educar nossas crianças, que dar cotas raciais equivale a abandonar nossos preconceitos, que abaixar juros por decreto equivale a aumentar nossa poupança interna.

Enfim, continuaremos o cômico hábito de nos dar troféus sem conquistar nenhuma vitória.


Sobre o autor

Diogo Costa

É presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do a Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute

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