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A revista, além de ser a realização de um antigo sonho, vem para mostrar definitivamente que a Escola Austríaca não pode e nem deve ficar restrita a duas ou três aulas da disciplina de História do Pensamento Econômico (e, quase que invariavelmente, é deturpada por professores de índole keynesiana ou marxista). Somos a mais tradicional das escolas econômicas, pois remontamos aos pós-escolásticos, especialmente os de Salamanca, nos séculos XV e XVI; se ainda somos a menor em termos de adeptos, seguramente somos a que mais vem crescendo nos últimos anos, especialmente quando a crise econômica mundial negou todas as teorias convencionais, tanto as keynesianas, como as monetaristas e de expectativas racionais.
"A Escola Austríaca de Economia na vanguarda" é o título do Editorial que escrevi para o primeiro número de nossa revista, para tirar de uma vez por todas da cabeça de jovens mal informados por seus professores que a Escola Austríaca "acabou", ou que "está ultrapassada", ou que, como não utiliza modelos matemáticos de previsão, "é coisa dos antigos". Nada mais equivocado do que acreditar nessas concepções erradas! Por isso, o staff da revista procurou com esmero um design que, ao mesmo tempo em que mostrasse a longa tradição da Escola, sugerisse também visualmente ao leitor que seus ensinamentos são inteiramente aplicáveis aos nossos dias. E, mais do que serem, devem ser aplicados, devido à falência manifesta da mainstream economics que o mundo vem experimentando com o fracasso das receitas keynesianas e monetaristas para debelar a crise que explodiu em 2008, mas que os economistas austríacos já previam desde o final dos anos 90.
Mas a EA é ainda praticamente desconhecida na maioria das instituições de ensino brasileiras. Nesse sentido, a principal missão de nosso periódico será introduzir no debate acadêmico, em linguagem apropriada, técnica, científica e jamais panfletária, as importantes reflexões dos autores que seguem a tradição de Carl Menger, considerado o fundador da Escola. A revista também pretende garantir que seja publicada a produção intelectual de professores e pesquisadores brasileiros estudiosos da Escola Austríaca. Contudo, o periódico não assumirá uma posição apologética, contrária ao verdadeiro diálogo acadêmico, publicando apenas textos divulgando e defendendo as ideias desses autores, visto que estaremos abertos para receber e publicar artigos – desde que sejam científicos - criticando o pensamento austríaco, possibilitando o início de um verdadeiro debate intelectual de que nossa comunidade acadêmica tanto carece.
Outro objetivo importante da revista é contribuir para resgatar a importância da interdisciplinaridade -- como o próprio título da revista sugere -- e do humanismo nas ciências sociais. Com efeito, a tradição iniciada por Carl Menger com a publicação, em 1871, de Grundsätze der Volkwirthschaftslehree (Princípios de Economia Política), é um vasto campo do conhecimento humano, que transcende a economia para abastecer-se sistematicamente no âmbito mais abrangente das ciências sociais, nutrir-se continuamente com a discussão filosófica e impregnar-se permanentemente da boa cultura humanista.
Os economistas, desde a segunda metade do século XIX, com o abandono da tradição humanista, ao mesmo tempo em que dominavam mais conhecimentos técnicos específicos, foram se tornando cada vez menos cultos, e hoje em dia são raros aqueles realmente eruditos, no sentido de dominarem conhecimentos que ultrapassem os contidos nos manuais de Microeconomia e de Macroeconomia.
Não foi por acaso que Friedrich August von Hayek, laureado com o Nobel de Economia em 1974, em seu discurso na Academia Sueca, afirmou que um economista que só enxerga dentro dos limites estritos da teoria econômica, por mais apurados que sejam seus conhecimentos técnicos, nunca poderá ser um economista completo. Para a tradição austríaca não basta que ele domine o estado das artes em sua ciência: é preciso ir muito mais além, é preciso ser, mais do que qualquer outra coisa, um humanista. No entanto, mesmo em se tratando de um campo muito abrangente do conhecimento humano, a Escola Austríaca guarda uma simplicidade que chega a impressionar, mas que se explica pela lógica irrepreensível de suas proposições e postulados. Como escreveu Ludwig von Mises, considerado por muitos como o maior expoente da Escola, good economics is basic economics!
Como salientado anteriormente, a Escola Austríaca é interdisciplinar. Assim sendo e a partir de seu núcleo básico (os conceitos de ação, tempo e conhecimento) e de seus elementos de propagação (as ferramentas da utilidade marginal, do subjetivismo e das ordens espontâneas), ela se estende, entre outros, aos campos da Filosofia, do Direito e da Epistemologia. Apenas para dar um exemplo, a Filosofia Política da Escola Austríaca é uma tentativa de compreender e explicar a história e as instituições sociais à luz dos limites naturais do conhecimento humano. Como escreveu o filósofo italiano Raimondo Cubeddu, professor da Universidade de Pisa, a história e as instituições sociais aparecem frequentemente como produtos das ações humanas individuais, voltadas para a consecução de fins subjetivos.
Menger, Mises, Hayek, Lachmann, Rothbard e outros austríacos não foram apenas economistas que mergulharam no mundo da política, ou sonhadores de um mundo melhor de cunho utópico, mas pensadores que elaboraram uma teoria do melhor regime baseada em uma concepção da ação humana e da natureza da sociedade. E os austríacos atuais seguem rigorosamente essa linha.
Os grandes economistas austríacos do século XX -- cujos nomes mais conhecidos foram Mises e Hayek -- mesmo tendo vivido em uma época em que seus colegas faziam questão de se tornarem cada vez mais especializados em áreas crescentemente mais restritas da economia, não permitiram -- em nenhum momento! --, que o modismo os fizesse abrir mão de serem generalistas, não no sentido mais vulgar que essa palavra vem adquirindo ultimamente, mas no de valorizarem a vasta cultura e o humanismo.
Os tempos difíceis -- a era das pedras negras -- vividos por Mises, Hayek e tantos outros austríacos, estão, gradualmente, porém de maneira clara e crescente, com os dias contados. Sem dúvida, a importância e o renascimento dos estudos sobre a Escola Austríaca é uma nova tendência internacional, nas áreas de Filosofia, Economia, Epistemologia, Política, Direito, Sociologia e Antropologia, bem como nas demais áreas em que se manifesta o princípio universal da Praxeologia ou estudo da ação humana, definida como escolhas individuais voluntárias que visam a passar de estados considerados insatisfatórios ou pouco satisfatórios para outros, tidos no momento das escolhas como satisfatórios, ou mais satisfatórios do que os presentes.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia manifesta, desde este primeiro número que ora lançamos, seu compromisso estritamente acadêmico, pretendendo ser um espaço de formação, de informação e de debate de ideias. Sendo assim, veiculará, além de textos clássicos dos grandes nomes da tradição austríaca, nunca publicados anteriormente em português, a produção contemporânea de pensadores do Brasil e do exterior que, como dissemos linhas atrás, vem crescendo de maneira sólida e consistente ao longo dos últimos anos.
Por se tratar de uma escola de pensamento marcadamente interdisciplinar, o diálogo com outras disciplinas, bem como com as outras correntes da ciência econômica torna-se algo natural e será uma das características de nosso periódico, que será, assim, além da primeira publicação referendada na Escola Austríaca no Brasil, uma revista aberta permanentemente ao debate intelectual de alto nível, publicando até mesmo críticas ao pensamento austríaco.
Cada uma das duas edições anuais regulares do periódico deverá conter artigos agrupados em cinco seções distintas: 1ª) Epistemologia e Ética, 2ª) Economia e Praxeologia, 3ª) História do Pensamento Econômico, 4ª) Sociedade, Legislação e Política; 5ª) Crítica Cultural. Parece claro que não é necessário discorrer extensivamente sobre a importância de cada uma dessas áreas dentro do pensamento austríaco. Distribuídos nessas cinco seções, este primeiro número enfeixa dezoito artigos.
A compreensão da visão de mundo da Escola Austríaca é caudatária do entendimento filosófico da Epistemologia e da Ética, temas abordados nos três artigos da primeira seção da revista. No primeiro artigo, Ludwig von Mises discute a Epistemologia relacionando-a ao conceito de ação e mostrando sua relevância para a Economia. Gabriel Zanotti ressalta um impasse epistemológico criado por não se levar até as últimas consequências hermenêuticas o próprio subjetivismo, propondo a retomada desse caminho, fundamentado nos elementos hermenêuticos que se encontravam em Mises e Hayek. Jesús Huerta de Soto critica o consequencialismo nas relações sociais e procura justificar o que seria uma ética voltada para a liberdade, além de desenvolver a importante contribuição do trabalho de Israel Kirzner nesse campo.
A relação entre Economia e Praxeologia é de grande relevância para a Escola Austríaca por definir o conceito de ação humana e possibilitar a integração da Economia com outros ramos do conhecimento. Dedicada a essa temática, a segunda seção da revista apresenta alguns tópicos do debate econômico desenvolvido pela Escola Austríaca em cinco artigos.
No primeiro artigo dessa seção, também de autoria de Ludwig von Mises, é discutido o conceito de atividade econômica e se argumenta que a racionalidade é elemento indispensável para a ação humana no mundo real, além de se mostrar a inviabilidade do cálculo econômico sob o socialismo e se esclarecer o significado de "econômico".
Roderick T. Long mostra como a abstração é entendida na tradição aristotélica e usa a compreensão de Aristóteles (384-322 a.C.) sobre o tema para mostrar como o argumento de Milton Friedman pró-irrealismo é confuso, demonstrando, ainda, que tal crítica aristotélica ao pensamento friedmaniano está implícita na obra de Mises, apresentando a existência de um uso austríaco legítimo para modelos irreais, orem bem diferentes dos usados por Friedman, para, por fim, explicar como a crítica austro-aristotélica ao pensamento friedmaniano contribui para a controvérsia e para os debates austríacos sobre apriorismo metodológico.
Fabio Barbieri faz um estudo do desenvolvimento da teoria austríaca do intervencionismo, em que, depois de examinar a crítica original de Mises ao intervencionismo, analisa a construção da moderna teoria austríaca dos ciclos intervencionistas, que procura explicar os movimentos de expansão e contração do estado.
A partir da "curva de Laffer" e de outros exemplos econômicos e sociais, Walter E. Block discute as implicações do Princípio da Não-Agressão (PNA) do libertarianismo, à luz de exemplos hipotéticos e mostra que tal princípio não é universal e nem fácil de analisar e aplicar.
Finalmente, na segunda seção, Leonidas Zelmanovitz argumenta que nem os atuais sistemas monetários de moedas nacionais fiduciárias e de curso legal forçado e nem qualquer variação do padrão-ouro são arranjos monetários ideais.
Ainda que os pensadores da Escola Austríaca tenham sido os responsáveis pelo descrédito da Escola Historicista Alemã de Economia, eles reconhecem que a História do Pensamento Econômico, apesar de não ser a principal fonte para o estudo da ação humana e da economia, é uma fonte inexaurível de conhecimentos para todos os que se interessam pela Economia como ciência.
Assim, a terceira seção, dedicada à História do Pensamento Econômico, apresenta, na primeira edição, quatro textos. O primeiro artigo, de autoria de Murray N. Rothbard, relata o pensamento da Igreja na Idade Média, focalizando sua atenção nos aspectos da usura, da cobrança de juros e do "preço justo", mostrando como esse pensamento foi evoluindo ao longo do tempo (este texto é a primeira parte de um ensaio, cuja segunda parte será publicada na segunda edição).
Buscando resgatar o elo histórico entre a tradição proto-austríaca e o moderno pensamento austríaco, nosso periódico sempre publicará um documento histórico medieval ou moderno que contribua para o entendimento histórico do pensamento econômico. Tal missão no presente volume é executada por intermédio da publicação -- pela primeira vez em Português --, em tradução direta do latim, de uma parte da Suma dos Decretos, escrita no século XII por Rufino de Bolonha, na qual o famoso canonista medieval comenta o Decretum Gratiani, parte importante do Direito Canônico que foi lei válida até 1917, abordando à luz da teologia moral diversos temas econômicos, tais como a propriedade, o lucro, os ganhos sem esforço e a usura.
O terceiro artigo da seção, de autoria de Itamar Flávio da Silveira e de Suelem Halim Nardo de Carvalho, descreve como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, tratou a questão da industrialização nacional sob a ótica da Economia Política Clássica.
Por fim, Joseph Salerno mostra como a Escola Austríaca se desenvolveu, desde Menger até os dias atuais, analisa as divergências existentes entre os economistas austríacos e como a Escola Austríaca renasceu a partir dos trabalhos e da tenacidade de Murray Rothbard.
As integrações e inserções da Economia com o Direito e com a Ciência Política são fatores de grande importância para os pensadores austríacos, por compreenderem que a economia do mundo real é "ação humana ao longo do tempo em condições de incerteza genuína", sendo influenciada e influenciando, assim, os diferentes aspectos jurídicos e políticos das sociedades nas quais os indivíduos vivem. Por isso, a quarta seção da revista é dedicada ao tema Sociedade, Legislação e Política.
Na presente edição apresentamos quatro artigos sobre a temática. O primeiro, escrito por Friedrich Hayek, discute que tipo de conhecimento deve ser utilizado nas ciências sociais, especialmente na Economia e mostra que no mundo real o dito "conhecimento científico" falha na coordenação da atividade econômica e que o conhecimento "prático", ou "das circunstâncias de tempo e espaço", é o único relevante nas decisões dos agentes econômicos.
No segundo texto da seção, Hans-Hermann Hoppe, partindo de uma economia autista do tipo Robinson Crusoe, compara o sistema atual de monopólio do estado sobre as leis e a segurança dos indivíduos com uma sociedade em que tais serviços fossem produzidos sem o estado e sugere a superioridade desse segundo tipo de organização social sobre a primeira.
Rothbard, em um terceiro artigo da seção, discute quais devem ser as posições dos libertários em relação à defesa das liberdades individuais, às guerras, à intervenção de estados em outros estados e critica as guerras que exterminam inocentes, mostrando a total incompatibilidade entre o libertarianismo e as guerras.
Finalmente, o artigo de Bruno Garschagen discute, sob a perspectiva da Escola Austríaca, de que forma e por que a União Soviética e a Alemanha Nazista conduziram suas sociedades para a barbárie ao violarem sistematicamente os direitos de propriedade e provocarem uma elevada taxa de preferência temporal, impedindo com suas políticas econômicas a moderação dessa preferência, que tornaria possível o processo civilizacional.
As sociedades são compostas por três grandes sistemas: o econômico, o político e o moral-cultural. Cada um desses sistemas possuem ritmos diferentes de evolução e seguem normas distintas, sendo dotados de instituições especiais, bem como de métodos, disciplinas, padrões, propósitos, limites, atrações e repulsões distintos; contudo, há uma continua interação entre esses três sistemas, fator que reforça a advertência de Hayek, em sua Nobel lecture de 1974, afirmando que um economista que só enxerga dentro dos limites estritos da teoria econômica, por mais apurados que sejam seus conhecimentos técnicos, nunca será um economista completo.
Tendo em vista o objetivo de ampliar o campo de visão dos estudiosos da Escola Austríaca, a quinta seção de nosso periódico sempre veiculará ensaios de Crítica Cultural. Na presente edição incluímos dois artigos sobre temas culturais. No primeiro, Jeffrey Tucker e Llewellyn Rockwell Jr. descrevem o pensamento cultural de Mises em suas diversas nuances, abrangendo as concepções do notório economista austríaco sobre igualdade e desigualdade, sexualidade, casamento e amor-livre, feminismo, raça e etnia, multiculturalismo, literatura e artes. Por fim, Alex Catharino analisa a questão da Liberdade na saga O Senhor dos Anéis de Tolkien (1892-1973), tanto no plano filosófico quanto nos aspectos praxeológicos, a partir do conceito de Imaginação Moral de Russell Kirk (1918-1994) e segundo algumas perspectivas teóricas da Escola Austríaca de Economia, principalmente a de Mises, enfatizando, também, as principais características da obra literária tolkieniana.
As resenhas de livros de autores brasileiros que atualmente se dedicam ao estudo do pensamento austríaco em nosso país completam este primeiro número da revista.
Como Diretor Acadêmico do Instituto Mises Brasil e como Editor responsável desse novo periódico acadêmico, é com grande satisfação -- e também grande esperança intelectual -- que apresento o primeiro número de MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia. Espero que o leitor goste do material da edição inicial e que a revista venha a ser uma referência não apenas no que se refere a seu pioneirismo em termos de ser a primeira especializada na Escola Austríaca em língua portuguesa, mas, principalmente, como veículo acadêmico interdisciplinar de altíssimo nível e como espaço permanentemente aberto ao debate de ideias.
É também com bastante alegria que enfatizo a importância, para que o sonho de nossa revista se pudesse concretizar, das contribuições do presidente do IMB, Helio Beltrão; de Alex Catharino, gerente da revista; e, naturalmente, de toda a excelente equipe que compõe o board do Instituto.
Enfim, uma revista acadêmica austríaca no Brasil, a nossa revista, a revista dos que sabem que a liberdade é fundamental para que o homem se realize como tal; a revista dos que creem, como o novelista alemão Thomas Mann, que opiniões não podem sobreviver se ninguém tem chance de lutar por elas; a revista dos que sabem, como expressou Mises, que ideias são mais poderosas do que exércitos; e a revista, enfim, dos que possuem firmeza na convicção manifestada por Cícero, a de que para homens livres, ameaças são impotentes!
Albo lapillo notare diem! Vida longa para a revista Mises!
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