Como
todos já sabem, o governo federal resolveu intervir na gerência da Vale para
trocar seu atual presidente, Roger Agnelli, que teve o despeito de implementar
algumas medidas que contrariaram os interesses políticos do governo, como demitir
alguns empregados e cortar investimentos durante a recessão de 2009 — afinal,
no Brasil, como se sabe, uma empresa possui "função social", e seu objetivo
precípuo, em vez do lucro, é tomar medidas que sejam boas para a imagem do
governante do momento.
Porém,
a única coisa realmente surpreendente nessa atual situação da Vale é que o
governo tenha demorado tanto para se intrometer na empresa. Explico.
Desde
que foi vendida em 1997, grande parte de suas ações permaneceu em mãos do
estado. Ao invés de sair completamente
do setor e deixar a mineradora em mãos totalmente privadas, livre de
influências políticas e buscando livremente o lucro, a venda foi feita com
amplos recursos do BNDES e com a participação de fundos de pensão de
estatais. Hoje, o governo federal, por
meio do BNDES Participações, dos fundos de previdência de suas estatais e de
sua participação direta, detém 61,51% da holding que controla a mineradora (a Valepar,
que por sua vez detém 53,3% do capital votante, ou 33,6% do capital total). Já o Bradesco, que escolheu Agnelli para
comandar a Vale em 2001, detém 21,21% da Valepar, por meio da Bradespar, empresa de participações dos donos do Bradesco. A atual peleja para se retirar Roger Agnelli ocorre
simplesmente porque são necessários 75% dos votos para trocar a presidência.
Como
explicado nesse artigo,
as únicas desestatizações genuínas no Brasil ocorreram com as empresas vendidas
no governo Collor e, quem diria!, no governo Itamar. A partir do governo FHC, não houve mais
nenhum setor que tenha sido genuinamente desestatizado — ou as empresas foram
vendida para fundos de pensão de estatais, ou foram criadas inúmeras agências
reguladoras para se controlar as empresas vendidas, ou uma mistura de ambas as
coisas. Em momento algum o estado se
retirou em definitivo do comando (direto ou indireto) dessas empresas.
Não
é preciso ter neurônios muito apurados para saber que, se você apenas trocar o
modo de gestão de uma empresa, mas permitir que o estado continue interferindo
via controle acionário ou via agências reguladoras, em algum momento ele vai se
impor e começar a interferir mais diretamente.
Precisa apenas de uma desculpa para isso.
No
caso específico da Vale, a simples retirada do governo do controle principal da
empresa já foi suficiente para modernizar e dar eficiência à sua gestão. O número de empregados pulou de 11 mil em
1997 para os mais de 50 mil atuais. Após
ter sido passada para o gerenciamento privado, seu ganho de eficiência e sua
lucratividade aumentaram de forma tão surpreendente — em grande parte por
causa da forte demanda da China por minério de ferro —, que era óbvio que o
governo, em algum momento, ficaria faminto para se apossar dela novamente, de
olho nas mamatas e nos cargos do alto escalão que a gigante pode propiciar a
políticos e a seus apadrinhados (sendo essa a função precípua de toda empresa
em mãos do estado).
Não
se está dizendo aqui que o governo vai reestatizá-la por completo. Afinal, como todos os governantes ocidentais
já perceberam, eles não sabem gerenciar empresas. É muito melhor deixar tal tarefa em mãos
privadas. Nesse arranjo, os lucros são
incomparavelmente maiores, o que permite ao governo ficar na extremamente
cômoda posição de apenas coletar as receitas tributárias, as quais são muito
maiores do que a receita que teria caso estivesse ele próprio gerenciando a
empresa. Por que alterar esse arranjo
agora?
Por
isso, tudo o que os políticos querem é ter "gente de confiança" no comando da
empresa, o que irá gerar um apetitoso número de empregos, cargos e boquinhas para
petistas e correligionários — algo que pode ser fundamental e estratégico em
algum futuro governo da "oposição". Os milionários
contratos de publicidade — que fazem salivar as agências favoritas do governo
e excitam os sindicalistas, que assim aumentam seu poder de barganha — se
tornam muito mais "interessantes" quando há companheiros no comando de uma
grande empresa.
Em
suma, estamos testemunhando a boa e velha estratégia do aparelhamento, algo que
funciona maravilhosamente bem na democracia; algo que funciona à perfeição em
países que nunca experimentaram um genuíno capitalismo de livre mercado e que
ainda vivem presos a esse arranjo mussoliniano de capitalismo de estado.
O
atraso não se improvisa; é algo cuja arte do domínio só é adquirida após
décadas de intensa dedicação.