"Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio.
Dignidade não é lucro", afirmou, em julho passado, a ministra Cármen Lúcia,
quando ainda presidia o STF, ao
suspender a resolução da ANS sobre coparticipação
em novos contratos de planos de saúde.
É nisso que dá ministros do STF se tornarem
celebridades da TV. Começam a falar banalidades fofas e frases de efeito só
para fortalecer a aura de santidade e ganharem elogios na internet.
É claro que saúde é mercadoria — e Cármen Lúcia
sabe muito bem disso. Quando precisa de um médico, ela não recorre a uma ONG de
médicos que trabalham de graça, a um hospital público ou a um curandeiro sem
fins lucrativos, mas sim a gente que oferece serviços de saúde em troca de dinheiro.
Sem a ambição de médicos, negociantes e
empreendedores, de grandes laboratórios e empresas listados na Bolsa, Cármen
Lúcia não conseguiria tratar nem sequer uma apendicite.
Citareis apenas três entre milhares de
exemplos:
- A ultrassonografia
médica, que entre outras coisas salva milhares de bebês ao detectar
malformações de forma rápida e barata, surgiu nos anos 1980 durante uma corrida
tecnológica travada por grandes empresas de tecnologia. A Acuson saiu na frente — em
2000, foi vendida por 700 milhões de dólares para a Siemens, que hoje divide
o mercado com GE e Philips.
- Até 1989, quem tivesse problemas de estômago
precisava fazer como Nelson Rodrigues: "alimentar a úlcera" com mingau durante
a madrugada. Tudo isso se resolveu com a invenção do omeprazol pelo laboratório
Astra AB, hoje parte do AstraZeneca,
o maior conglomerado farmacêutico do mundo.
- Em favelas, periferias e ao redor de terminais de
ônibus, clínicas
populares atraem pobres cansados da fila e do mau atendimento do SUS.
Cobram desde 20 reais por consultas sem fila e com direito a retorno.
É verdade que a saúde é um bem essencial à dignidade
— por isso mesmo deve ser tratada
como uma mercadoria. Não convém confiar uma atividade tão fundamental somente à
bondade e ao altruísmo.
A possibilidade de lucrar resolvendo problemas
alheios é um ato que costuma alinhar o egoísmo ao altruísmo. Como um professor
escocês de filosofia moral nos ensinou no século 18, o lucro é um incentivo a
mais para que as pessoas se dediquem a solucionar problemas de desconhecidos.
Ele transforma a ganância
em benevolência.
É interessante imaginar um mundo em que saúde não
fosse mercadoria. Nada de equipamentos e remédios inovadores, já que, se
"dignidade não é lucro", não seria possível lucrar nessa área. O número de
médicos despencaria — do que adiantaria estudar tantos anos para ganhar o
mesmo que um cobrador de ônibus?
A saúde no Brasil precisa ser tratada mais como
mercadoria e menos como um direito sagrado. Está submersa em um lodaçal de
regulações que criam reservas
de mercado, barreiras de entrada a concorrentes e incentivos perversos a
pacientes, hospitais e planos de saúde.
O país exige a presença de médicos até para um
simples exame de vista. Conselhos
de medicina têm muitas semelhanças com cartéis: fixam preços e proíbem
anúncios, promoções e descontos. E o famigerado controle de preços ocorre sem controvérsia
nos planos de saúde — como no tabelamento dos tempos do Sarney, o
resultado é o desabastecimento de planos para pessoa física.
Serviços de saúde são regidos pelo lucro e pela lei
da oferta e procura — e sempre será assim, por mais bonitas que sejam as
frases de efeito da ex-presidente da Suprema Corte.
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