A história da república presidencialista brasileira
é uma sucessão de golpes e do desenvolvimento de uma tradição política
autoritária.
A república nasceu maculada com o golpe militar que
derrubou a monarquia. A república começou com duas ditaduras (Deodoro da
Fonseca e Floriano Peixoto).
A República Velha terminou em estado de sítio
seguido de um golpe militar.
A Era Vargas começou com um golpe eufemisticamente
chamado de "Revolução de 1930" e sediou um golpe dentro do golpe em 1937,
eufemisticamente batizado de "Estado Novo".
Um golpe afastou Getúlio Vargas do poder em 1945 e
novas eleições foram convocadas.
Em 1964, um contragolpe impediu o golpe orquestrado
pelas forças ideológicas e políticas que sustentavam o governo de João Goulart.
Golpe, portanto, não é novidade no Brasil. Novidade
é acusar de golpe aquilo que, definitivamente, não é.
Na semana passada, a futura ex-presidente Dilma
Rousseff cometeu um discurso no qual se dizia estarrecida porque o
vice-presidente conspirava abertamente contra ela. A presidente, que desenvolve
a sua própria conspiração, domina tanto a história brasileira quanto o idioma
pátrio.
Porque não é novidade o vice tornar-se opositor do
presidente. Floriano era vice de Deodoro e seu ferrenho adversário; João
Goulart era vice de Jânio Quadros e estava longe de ser aliado; Itamar Franco
foi vice de Collor e afastou-se do presidente quando percebeu que a vaca ia
para o brejo.
Em todos esses casos, os vices substituíram os
titulares e assumiram o poder.
Esse tipo de sucessão nem é tampouco original na
nossa história. De 1889 até agora foram dez os vices ou os que estavam na linha
sucessória que sucederam os ocupantes do cargo (exemplos: Floriano sucedeu
Deodoro; Itamar Franco substituiu Collor).
Um aspecto que, no passado, facilitava o antagonismo
entre presidente e vice era a eleição separada. Até 1988, os candidatos eram
eleitos separadamente. A atual Constituição unificou o voto numa mesma chapa.
Unificou, mas não resolveu o problema, que foi aprofundado pelo
presidencialismo de coalizão.
Assim, a escolha do vice atende a um critério de
pacto pragmático em vez de um vínculo ideológico ou programático. Só isso
explica o PSDB ter se aliado ao antigo PFL para eleger Fernando Henrique
Cardoso; e o PT, ao PMDB para eleger Lula e Dilma.
No mesmo discurso em que acusou Temer de
conspiração, Dilma disse que um governo liderado pelo vice não seria legítimo
porque lhe faltaria o voto popular. A ex-futura presidente omitiu, porém, que ela
própria ajudou a escolher o vice, que, por sua vez, ajudou a elegê-la em duas
eleições. A legitimidade política do vice é, desse modo, equivalente à da
presidente, razão pela qual desde 1891 tal função é prevista na Constituição
para garantir a sucessão em caso de vacância definitiva.
Golpe não é a sucessão; golpe é querer nova eleição.
Portanto, quem votou em Dilma votou em Temer. Quem
votou no PT votou no PMDB. Quem votou no PT e votou no PMDB legitimou os
representantes de ambos os partidos. E quem votou em Dilma também endossou
Eduardo Cunha, Renan Calheiros et caterva.
Nessa ópera bufa política, eis a pergunta que fica:
quem, afinal, é o grande golpista?
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O impeachment não salvará o Brasil de sua classe
política, não salvará a sociedade brasileira de si mesma e nem a absolverá de
suas escolhas erradas. A república presidencialista brasileira é uma sucessão
de erros, de golpes, de intervenções e do desenvolvimento de uma peculiar
tradição política autoritária.
O impeachment, porém, vai tirar do poder um partido
fundamentado numa ideologia que tenta controlar não só o governo e o estado,
mas que também esforça-se para nos comandar e violar as nossas liberdades de
uma forma tão malandra que alguns até apoiam e agradecem o fato de serem
controlados em nome de uma causa.
O impeachment deve ser visto apenas como um primeiro
passo para o saneamento da nossa cultura política.
No mais, furtando uma frase do Nelson Rodrigues em
relação ao teatro, creio que a política "exerce um estranho poder de
cretinização, mesmo sobre as melhores inteligências".
E assino embaixo quando o nosso maior dramaturgo
afirma: "nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É
a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem".
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Complemento de Adriano
Gianturco:
Golpe é esta carga tributária
Golpe é ter o sistema fiscal mais complexo do mundo
Golpe é ser o país mais fechado do mundo
Golpe é este direito trabalhista fascista que prende os trabalhadores
Golpe é o judiciário mais caro do ocidente
Golpe é ser um dos países mais violentos do mundo
Golpe é esta saúde estatal africana
Golpe é este sistema de ensino estatal monopolista, ideológico e péssimo
Golpe é a ideologia de gênero colocada na cabeça de nossos filhos
Golpe é este aparelhamento do estado
Golpe é o BNDES que rouba dos pobres e da aos ricos
Golpe é proibir os ambulantes
Golpe é a Copa do Mundo e as Olimpíadas
Golpe é a Petrobras ser estatal
Golpe é o que Brasília nos dá todos os dias
Golpe é a propaganda estatal na mídia
Golpe é ensinar que a política visa o bem comum
Golpe é legislar sobre cada detalhe da minha vida
Golpe é a política
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Comentários de Natan Cerqueira:
Depois de
- quase 13 décadas de
instabilidade
- praticamente 4 das
quais vividas debaixo de ditaduras variadas (sendo quase 1 década de
"governos provisórios" sem constituição)
- as restantes 9
recheadas de presidentes que sequer conseguiram terminar seus mandatos
- bem como uma dezena
de moedas,
- várias épocas de
hiper ou alta inflação (aliás, a república foi inaugurada com esse efeito até
então estranho para nós - ver Encilhamento)
- 7 constituições,
podemos convir que já
deu de república?