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Economia

Herbert Hoover e George W. Bush: intervencionistas que amplificaram recessões (final)

20/01/2011

Herbert Hoover e George W. Bush: intervencionistas que amplificaram recessões (final)

O intervencionismo transforma uma crise em depressão

Os economistas austríacos possuem uma teoria bem avançada que explica a expansão econômica, a formação de bolhas, o estouro, a recessão e recuperação.  Eis uma lista de artigos com uma boa introdução ao tema [este é o mais sucinto de todos].

Nesse artigo examinamos o caso de ciclos econômicos em que, ao invés de recuperação, a economia entra em uma prolongada recessão ou depressão econômica.  Os tipos de intervenção que geram ciclos econômicos estão restritos a manipulações na moeda e no crédito.  Os tipos de intervenção que geram depressões podem ser de natureza monetária, fiscal ou regulatória.  Mesmo discursos de persuasão moral podem contribuir para criar uma depressão, como ocorreu com Herbert Hoover.

O mais eficaz programa para se produzir uma depressão é aquele que incluiria uma variedade de intervenções.  O único requisito necessário é que as intervenções impeçam o processo de correção; que elas, coletivamente, solapem a capacidade do sistema de preços e do sistema de lucros e prejuízos de realocarem adequadamente os recursos disponíveis na economia.  Os austríacos dizem que o ciclo econômico é resultado de manipulações no sistema monetário e que as depressões são resultado das subsequentes intervenções concebidas com o intuito de se evitar o doloroso porém necessário processo de reajuste (recessão).

Dentre todos os ciclos econômicos, poucos acabaram se degenerando em prolongadas recessões ou depressões.  A maioria dos ciclos econômicos vem e vai tão rapidamente, que a opinião geral recomenda que o governo não faça nada exceto pequenos ajustes na política monetária e fiscal em conjunto com os chamados "estabilizadores automáticos" [doutrina que diz que, como o déficit orçamentário do governo tende a aumentar durante uma recessão, isso automaticamente fará com que renda nacional se mantenha inalterada por meio do multiplicador keynesiano].  As exceções a essa regra incluem a Grande Depressão americana, a estagflação da década de 1970, a década perdida do Japão e possivelmente a atual crise econômica.

O que causa essa diferença entre o ciclo econômico comum e uma depressão extraordinária?  O fator congruente em todas essas quatro grandes crises é a maciça intervenção governamental com o objetivo de atacar a incipiente crise econômica.  Em todos os quatro casos, o governo respondeu não da maneira que seria tradicional caso houvesse um laissez-faire -- isto é, deixando as coisas se resolverem por conta própria, sem intervenções --, mas sim com políticas que tentaram justamente reverter a crise econômica.

Entre essas quatro grandes depressões, nas três primeiras os governos intervieram consistentemente na economia, fazendo mudanças institucionais de longo prazo.  No caso da estagflação americana da década de 1970, o governo atacou a crise inicial com abrangentes programas de controle de preços e salários, além de abolir por completo o que restava do padrão-ouro -- e tudo isso em conjunto com uma política monetária frouxa, com déficits orçamentários e com pacotes de socorro.  O estouro da bolha japonesa também foi atacado com intervenções em escala maciça, incluindo pacotes de socorro, taxas de juros a 0%, gastos com obras públicas e enormes déficits orçamentários.  Até mesmo Paul Krugman ficou impressionado com os esforços do Japão:

É como se fosse uma WPA com esteróides. [A Works Progress Administration era a maior agência criada pelo New Deal, e empregava milhões de pessoas apenas para ficar fazendo obras públicas, como a construção de prédios e estradas].  Ao longo da última década, o Japão lançou mão de gigantescas obras públicas como um meio de criar empregos e injetar dinheiro na economia.  As estatísticas são impressionantes.  Em 1996, os gastos do Japão com obras públicas, em porcentagem do PIB, foram mais de quatro vezes maior que os dos EUA.  O Japão despejou o mesmo volume de concreto que nós, embora tenha menos da metade da nossa população e apenas 4% da nossa área terrestre.  Um em cada dez trabalhadores japonês estava empregado na construção civil, muito mais que em qualquer outro país avançado. (Krugman 2001)

Infelizmente não funcionou, a estagnação continuou, e toda essa gastança deficitária logrou apenas deixar o Japão com uma dívida nacional estarrecedora.

A razão de o intervencionismo não funcionar é porque ele faz com que os recursos, já mal distribuídos (que foi o que causou a recessão), sejam redistribuídos de uma forma ainda pior.  O que é mais importante: o intervencionismo distorce, interrompe e destrói o processo corretivo, que é quando os empreendedores, o sistema de preços, e os procedimentos de falência atuam para realocar os recursos de forma mais eficiente e retornar os preços a um arranjo mais sustentável.

Ao lidar com crises econômicas, uma arma que sempre se sobressai no arsenal da política econômica intervencionista é a política monetária e creditícia mais frouxa.  Tal política tem o (d)efeito de impedir -- ou ao menos retardar e distorcer -- o processo de deflação que fornece o efeito de purificar e reequilibrar a economia, fazendo com que os recursos possam ser realocados para usos mais valiosos e mais economicamente sustentáveis.  Uma política monetária frouxa também cria expectativas para uma política monetária mais restritiva no futuro, ao passo que suas baixas taxas de juros desestimulam a poupança e, consequentemente, comprometem o crescimento futuro.  A frouxa política monetária adotada nos EUA na década de 1970, no Japão na década de 1990 e em todo o mundo atual não produziu nenhum efeito curativo; e observe que a maioria dos economistas de hoje considera a política monetária restritiva adotada pelo então presidente do Fed Paul Volcker no início da década de 1980 um sucesso.

Gastos com obras públicas, pacotes de estímulos e déficits orçamentários também são (erroneamente) considerados políticas importantes para enfrentar contrações econômicas.  A ideia é que os gastos do governo irão substituir o declinante gasto do setor privado, fazendo com que o nível do PIB se mantenha constante.

Entretanto, é fácil reconhecer que tais políticas também impedem a realocação de recursos necessária para que haja qualquer tipo de processo corretivo.  Os gastos governamentais são determinados politicamente e burocraticamente, de modo que inevitavelmente haverá um descompasso entre os recursos existentes na economia.  Quando o governo gasta, ele cria uma relativa escassez em recursos como cimento e escavadoras e uma relativa abundância em recursos como carrinhos de golfe e engenheiros eletricistas.

Tais descompassos criam novos obstáculos para a recuperação econômica.  No curto prazo, tais políticas produzem um retorno menor do que o investido.  No longo prazo, essa abordagem aumenta a dívida do governo e, consequentemente, a carga tributária.

As evidências fornecidas pela Grande Depressão, pela estagflação da década de 1970 e pela anemia japonesa sugerem que medidas como aumento dos gastos governamentais possuem um efeito muito mais debilitante do que corretivo.  Na atual crise americana, os US$ 787 bilhões gastos em pacotes de estímulo do governo falharam, e por ampla margem, em cumprir os objetivos do governo Obama de manter a taxa de desemprego em menos de 8%.

Pacotes de socorro são simplesmente uma forma dissimulada de fazer um protecionismo arbitrário e deveriam servir da cartaz ilustrativo para todos os efeitos deletérios do intervencionismo.  Ao invés de permitir que ocorram falências, mudanças induzidas pelo empreendedorismo (reestruturações,enxugamentos, redimensionamentos, terceirizações, aquisições, fusões etc.) e outras formas de ajuste, pacotes de socorro interrompem o processo de ajustamento do mercado, geram uma classe de rentistas, e criam risco moral.

Na ausência de pacotes de socorro, há inumeráveis maneiras de os indivíduos se ajustarem a contrações econômicas.  Tais maneiras passam amplamente "despercebidas" pelos políticos e burocratas, porém são elas os elementos básicos do processo corretivo.  Por outro lado, a presença de pacotes de socorro desvia a atenção dos empreendedores, tirando seu foco desses ajustes de mercado e estimulando-os a brigarem entre si pelo privilégio de receber parte desse socorro, o que gera rentismo e atividades não produtivas.

Pacotes de socorro também determinam um precedente, o que cria um risco moral que desestabiliza a economia ao invés de estabilizá-la.  Na atual crise americana, vimos tudo: desde socorro para aqueles bancos que são "grandes demais para falir", à tomada da AIG, da GM, da Fannie Mae e da Freddie Mac, à criação de leis e de políticas que impedem o arresto dos imóveis de pessoas que pararam de pagar suas hipotecas.  Muitos dos mesmos efeitos causados por políticas comerciais protecionistas também se aplicam aos pacotes de socorro.

Há ainda um outro efeito negativo das políticas intervencionistas que é importante considerar.  A combinação de políticas intervencionistas rapidamente concebidas, implementadas e frequentemente alteradas cria um ambiente de "regime incerto".  Higgs (1997) descreveu esse conceito como sendo uma incerteza empreendedorial criada pela incerteza em relação ao futuro da política econômica -- ou seja, trata-se de uma política que ameaça empreendedores e investidores.

Imagine um empreendedor que está a todo momento tentando entender várias mudanças na política econômica.  De início, ele é alertado de que há uma crise, mas que a política governamental X irá salvá-lo.  Após ela ser implementada, descobre-se que ela fracassou, mas que, no entanto, ela será substituída pela política Y, que salvará tudo.  Ato contínuo, a política Y também se mostra um fracasso, mas a nova política Z, agora sim!, irá cumprir a promessa.  E por aí vai. 

Toda essa confusão faz com que os empreendedores sofram com o "regime incerto", algo que reduz os investimentos e a contratação de mão-de-obra.  Quando a situação se torna mais clara, os empreendedores percebem que o ambiente econômico geral mudou.  Novos mercados e novas oportunidades de lucro foram reduzidos, ao passo que, ao mesmo tempo, a política econômica está atrasando a falência de empresas que estão tendo enormes prejuízos.  Em outras palavras, o sistema de preços está obstruído e a economia não mais é competitiva.  É impossível discordar de Bem Powell (2009, p.20) quando ele diz que o atual ambiente político nos EUA é de "regime piorando".

As lições de Hoover e Bush

A lição extraída dos governos Hoover e Bush é a de que se não se deve ceder à tentação de implementar políticas intervencionistas diante de uma crise econômica.  Entrar em pânico e embarcar em políticas intervencionistas significa crer na efêmera esperança de que o homem pode controlar e manipular a sociedade sem que isso cause uma multiplicidade de consequências inesperadas.  O resultado sempre será uma piora da crise econômica, seguida de uma depressão e de uma estagnação.

Para Hoover e para Bush sobrou a humilhação da história.  Embora a história da atual crise ainda tenha de ser totalmente escrita no futuro, já há um tenebroso paralelo entre ambas: Roosevelt seguiu o caminho de Hoover e Obama vem similarmente amplificando as políticas econômicas da era Bush.  Em cada caso, o sucessor baseou-se na agenda do antecessor e as ampliou.  Se esses paralelos se mantiverem, os EUA terão tempos difíceis pela frente.

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Referências

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Sobre o autor

Mark Thornton

Membro residente sênior do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, e é o editor da seção de críticas literárias do Quarterly Journla of Austrian Economics.

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