segunda-feira, 3 jun 2019
Na semana passada, o presidente Americano Donald
Trump, frustrado que o Congresso não tenha aprovado o financiamento para a construção
do muro na fronteira com o México, propôs implantar crescentes
tarifas de importação sobre os produtos mexicanos até que o México
interrompa o fluxo de imigrantes ilegais para os EUA.
De
acordo com Trump, as tarifas começariam em junho, de 5% sobre todos os
produtos mexicanos importados. Dali em diante, iriam aumentar gradualmente até
chegar a 25% no final de setembro.
Esta ameaça vem na esteira de outra ameaça, que
é feita recorrentemente: o governo americano simplesmente fecharia a
fronteira entre México e EUA por um longo
período de tempo até que, de novo, o México interrompesse toda a imigração ilegal
para os EUA. Esta ameaça, no entanto, ainda não se concretizou.
É claro que é perfeitamente possível discordar da política
de imigração que vigorou nos EUA há décadas, bem como das estratégias de vigilância
da fronteira. No entanto, abalar o comércio com o México irá afetar, além das
empresas mexicanas, os consumidores e as empresas dos EUA.
E o próprio presidente Trump demonstra saber disso.
Quem
paga as tarifas
Tarifas de importação nada mais são do que impostos que
incidem sobre a compra de bens importados. A mercadoria importada chega ao
país (de avião, navio, caminhão ou trem) e, ao ser desembarcada, lá está um
burocrata da alfândega para impor uma taxa ao valor total que o importador
pagou.
Isso significa que, de um lado, o consumidor terá de
pagar mais caro, pois, ao valor final do produto foi acrescentada uma taxa pelo
seu próprio governo. Já o produtor (estrangeiro) irá ou reduzir seus preços para
tentar contrabalançar essa tarifa (o que irá afetar sua margem de lucro) ou
manter os preços inalterados (o que provavelmente levará a uma redução de suas
vendas por causa da queda na demanda).
Normalmente, aplica-se um meio termo: o produtor
estrangeiro reduz os preços, mas menos que o valor acrescido pela tarifa (de modo que o preço final é maior do que antes da tarifa); e o consumidor
americano, consequentemente, paga mais caro, embora menos que o acréscimo total
da tarifa. Ou seja, ambos os lados perdem.
E o próprio Trump sabe disso. Ao discutir o
fechamento da fronteira, ele desdenhosamente admitiu
que isso afetaria a economia americana. Tradicionalmente, o México sempre foi o
terceiro maior parceiro comercial dos EUA (atrás de China e Canadá). Mas no
início deste ano, o México se tornou o parceiro
comercial número um. Em 2018, o comércio total dos EUA com o México foi de
US$ 671 bilhões. As exportações totais dos EUA para o México foram de US$ 299
bilhões.
Se Trump realmente implantar essa tarifa de 25%,
quais produtos irão encarecer para os americanos?
Em 2018, estes foram os
principais bens comprados pelos americanos do México:
- Veículos
(US$ 93 bilhões)
- Máquinas
elétricas (US$ 64 bilhões)
- Maquinário
(US$ 63 bilhões)
- Combustíveis
fósseis (US$ 16 bilhões)
- Instrumentos
óticos e médicos (US$ 15 bilhões)
Os americanos também importaram uma grande
quantidade de comida, bebidas e bens agrícolas, como:
- Vegetais
frescos (US$ 5,9 bilhões)
- Frutas
frescas (US$ 5,8 bilhões)
- Vinho
e cerveja (US$ 3,6 bilhões)
- Salgadinhos
e doces (US$ 2,2 bilhões)
- Frutas
e vegetais processados (US$ 1,7 bilhão)
Além destes dados, vale ressaltar que
aproximadamente metade das importações totais dos EUA são, na realidade, insumos
utilizados por empresas americanas para fabricar bens de consumo.
Logo, as tarifas de Trump recairão não apenas sobre
os consumidores americanos, mas também sobre os produtores americanos
que utilizam alimentos, veículos, produtos eletrônicos, alimentos e
instrumentos médicos importados do México (como restaurantes, transportadoras,
firmas médicas e qualquer empresa que utilize automóveis). Estes agora arcarão
com custos de produção maiores.
Consequentemente, os produtores americanos terão
duas alternativas: ou aumentam os preços, prejudicando todos os consumidores
americanos, ou mantêm os preços e arcam com margens de lucro menores. Só que
margens menores significam menos produção e menos mão-de-obra contratada.
Uma tarifa, no final, é uma apenas um termo mais
elegante para "imposto". E, assim como qualquer imposto, uma tarifa
aumenta os custos dos bens e serviços para o consumidor, ao mesmo tempo em que
limita sua escolha.
Texas
é o grande perdedor; outros países poderão ganhar
Embora todos os estados americanos sejam afetados
por esta medida, o Texas, que é o maior exportador do país, será desproporcionalmente
afetado caso o comércio com o México seja perturbado.
O Texas, sozinho, exporta mais de US$ 97 bilhões
anualmente para o México, em produtos
que incluem computadores e eletrônicos, equipamentos de transporte, energia
e agricultura. Obviamente, o México é o principal destino das exportações do
Texas. Estima-se que 36,9%
das exportações do Texas sejam enviadas para o México. O Texas possui um superávit
comercial de US$ 8,5 bilhões anual com o México. As vendas para o México constituem
5,7% do Produto
Estadual Bruto do Texas.
O website MarketWatch estimou
que "se todos os custos forem repassados para os consumidores americanos, eles
pagarão US$ 17 bilhões a mais por ano sob uma tarifa de 5%. E este custo poderá
saltar para US$ 87 bilhões caso as tarifas cheguem aos prometidos 25%".
Afetar a cadeia de suprimentos integrada da América
do Norte poderá ter um duradouro impacto sobre até mesmo a economia mundial. Se
os clientes internacionais não mais podem confiar na oferta de bens fornecidos
pelas empresas sediadas nos EUA, então estes irão recorrer a indústrias de
outras localidades, como Europa, Ásia e até mesmo América Latina. Se estes
estiverem bem-posicionados em termos de preço e eficiência, poderão roubar uma
fatia de mercado até então usufruída pelas indústrias norte-americanas.
E, uma vez que esta fatia de mercado é perdida, não há
nenhuma garantia de que as indústrias americanas irão recuperar estes clientes
estrangeiros perdidos quando as linhas de oferta americanas forem eventualmente
restauradas. Tudo vai depender da eficiência indústrias estrangeiras.
As que souberem se aproveitar disso irão ganhar.
Mas
há algo que pode impedir
Essa postura de Trump de recorrentemente ameaçar com
tarifas está afetando enormemente a capacidade de planejamento de longo prazo
das empresas.
Em um momento, ele anuncia tarifas sobre o aço e alumínio
do México, do Canadá e de países da Europa. No momento seguinte, ele anuncia
que está revogando estas tarifas. Agora, ele anuncia que irá tributar em até
25% todos os produtos do México. Esta política comercial convoluta torna
incrivelmente difícil para as empresas planejarem suas operações e seus gastos
em investimentos, bem como administrar toda a sua cadeia de oferta.
Entretanto, no final, há um detalhe crucial que pode
impedir a implantação destas tarifas sobre o México: a eleição presidencial de
2020.
Como dito, o Texas é o principal estado exportador
dos EUA, e depende maciçamente de seu vizinho ao sul. Mas o Texas, que até então
votava com os republicanos, está cada vez mais se tornando um estado politicamente
indeciso (chamado de swing state,
isto é, que tanto pode votar nos republicanos quanto nos democratas). Consequentemente,
se Trump demonstrar indiferença ao bem-estar econômico dos texanos, há o risco
real de ele perder os votos do estado caso os consumidores e as empresas do
Texas sintam as consequências desta política antes das eleições.
E, se
ele perder o Texas (mesmo se sagrando vencedor nos mesmos estados em que
ele ganhou em 2016), os democratas voltam para a Casa Branca.