segunda-feira, 18 mar 2019
"Não há almoço grátis"
é uma lei irrefutável da economia. Para
que um serviço possa existir, alguém tem de pagar a conta. Sempre.
Na semana passada, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a taxa de conveniência
cobrada pelas empresas que vendem ingressos online é ilícita.
Apenas para explicar a quem
não é do ramo, a taxa de conveniência permite que o consumidor compre o
ingresso para um determinado show sem ter de sair de casa e se deslocar até o
local ou a algum ponto de venda autorizado (o que obviamente gera gastos com
transporte, estacionamento e perda de tempo no trânsito). O valor
correspondente ao ingresso é repassado ao produtor/organizador do evento e a
taxa de conveniência é retida pela empresa que preste este serviço.
Mas não foi só isso. O
STJ também condenou a minha concorrente "Ingresso Rápido" a pagar retroativamente 5
anos de taxas de volta aos consumidores.
Como disse o site Brazil Journal em excelente artigo, citando Roberto Campos, "no Brasil, até o
passado é incerto".
Esta "curiosa"
determinação do Superior vai resultar em um destes 3 cenários (ou em uma combinação
deles):
1. De volta à idade da pedra: as empresas que criaram a comodidade de
compra online deixam de existir. É simples: ninguém trabalha de graça
(nem os usuários por ora felizes em receber um dinheiro, nem os digníssimos
ministros do STJ). A possibilidade de comprar ingressos no celular desaparece e
voltamos às lojas físicas, às óticas e aos quiosques em shopping centers.
2. Produtoras vão falir: a
grande maioria dos produtores não aguenta pagar taxas adicionais como quer o
STJ. Tendo trabalhado, por meio da Ingresse, com milhares de empresários do segmento, posso
garantir: a conta não fecha.
Produzir eventos já é,
por si só, uma atividade de altíssimo risco, e a maioria dos eventos dá
prejuízo. Se considerarmos os diversos impostos a serem pagos, alvarás, taxas ao ECAD, passivos trabalhistas etc.,
notamos que o custo imposto inviabiliza a maioria dos eventos? — ?principalmente
aqueles que pagam seus impostos.
Na maioria dos eventos,
a margem é de cerca de 10 a 20%, exatamente o custo que o STJ vai impor aos
produtores.
3. Ingressos Mais Caros: no entanto, na maioria dos casos, o que irá acontecer será
análogo ao que ocorreu
com a Lei da Meia-Entrada. Quando os produtores foram forçados a cobrar meia-entrada,
os ingressos simplesmente dobraram de preço. Assim, além de não haver almoço grátis,
eis outra regra da economia: sempre
que o judiciário impõe regras de negócio inapropriadas ao mercado, o cliente
final irá pagar a conta.
Ao embutir as taxas no
preço do ingresso, os usuários não só perderão transparência, como também a
chance de comprar sem taxa nos pontos de venda. Não foi exatamente o que
ocorreu com a meia-entrada?
Quem perde quando há uma diminuição na quantidade de espetáculos,
quando as pessoas precisam voltar a se deslocar fisicamente para comprar em
pontos de venda específicos ou quando o preço do ingresso sobe e a
transparência cai? Sim, você, consumidor.
No final, a taxa de
conveniência é o equivalente à taxa de booking
quando alugo uma casa no AirBnB, à taxa de entrega quando peço comida no iFood,
ou à comissão quando compro um livro na Amazon. Afinal, eu não gosto de ter de
ir até a livraria se posso receber em casa.
De resto, vale
ressaltar que, ao redor do mundo, as empresas de ingressos cobram taxas de
conveniência. É assim na Índia com a BookMyShow
(avaliada em $850 milhões), na China com a Maoyan
($19 bilhões), na Turquia com a Biletix ($264 milhões). O
segmento no Brasil em 2018, de acordo com o website Ebit Webshoppers, movimentou R$ 3,7
bilhões entre Cinema, Esportes e Entretenimento.
Destrinchando
os gastos
Recentemente, comprei
ingressos para assistir ao músico de rap brasileiro "Baco Exu do
Blues", no Espaço Áudio. Paguei R$
50,00 por ingresso e R$ 6,00 de taxa. Este é exatamente o preço médio de um
ingresso no Brasil. Agora, vamos fazer um pequeno exercício de álgebra.
Nós que somos do ramo sabemos que, em média, os usuários compram 1,56
ingresso e, portanto, pagam R$ 9,36 em taxas. Se eu
tivesse me deslocado para comprar esse ingresso em um ponto de venda, eu teria de
gastar:
- Cerca de R$ 26,53 com o UberX até
a bilheteria. Com transporte público, eu pegaria dois ônibus até a Barra Funda
e gastaria R$ 8,60, assumindo duas passagens. Se o ponto de venda
for em um shopping e eu usasse meu carro, teria gasto no mínimo R$ 10,00
com o estacionamento. E, considerando uma distância de 5 km e um carro
médio, gastaria ?cerca de R$ 2,40 com gasolina.
- De 30min a 2h no trânsito de
São Paulo (lembrando que bilheterias não funcionam fora do horário comercial).
Qual o valor do nosso tempo? A média salarial no Brasil (R$
2,1 mil) dividida pelo número de horas trabalhadas no mês (8 horas por dias,
20 dias úteis) é de R$ 13,2 por hora. Portanto, para cada hora que
o brasileiro médio trabalha, ele gera cerca 13 reais de retorno para si mesmo.
Neste exercício
simples, para cada ingresso vendido, o usuário economizou de R$
19,04 (no caso de usar o ônibus com 1,5h de deslocamento) a R$
23,24 (no caso de usar o UberX com 30min de deslocamento).
Em 2018, no Brasil,
foram vendidos 46 milhões de ingressos online — portanto, o serviço online gerou uma economia de, no mínimo, 914 milhões
de reais (assumindo que 80% das pessoas optam pelo ônibus).

Sim, a conta é mais
complexa e existem algumas empresas que cobram taxas de conveniência elevadas.
Mas, nesse caso, a discussão deve ser sobre se vale a pena ir
até o ponto de venda ou não.
Como disse
o Brazil Journal:
As
chamadas tiqueteiras — empresas como a Ingresso.com, Ingresso Rápido,
Ingresse — investem milhões de reais em tecnologia, sistemas antifraude e
melhorias constantes da experiência do usuário. (Se cobram caro por isso é
outra história, e o remédio para isto também não é a judicialização, e sim mais
concorrência).
Se a Netflix passasse a
cobrar uma taxa muito elevada de assinatura, o que você faria? Eu pararia de
assinar e passaria a assistir à HBO Go. A lógica do STJ é exigir que o Netflix
pare de cobrar do usuário e que voltemos a alugar filmes na locadora.
No Brasil, há empresas
novas trabalhando sério para entregar uma experiência de qualidade na compra de
ingresso e cobrando barato. A Ingresse
e meus concorrentes no Sympla e Eventbrite, por exemplo, cobramos de
5 a 10% na compra, zero pela retirada do ingresso e permitimos que você entre
sem nenhuma fila adicional. Conveniente, não?
Por
que não focam no essencial?
O judiciário tem a função
clássica de proteger os direitos dos cidadãos; no entanto, ao tentar distorcer
uma dinâmica de mercado universal, ele acaba atingindo exatamente quem deveria
estar protegendo: o consumidor final — e, é claro, atropelando alguns milhares
de empregos no caminho.
Em vez de o judiciário
se concentrar no essencial, ele está legislando sobre a taxa no ingresso do
show do Paul McCartney — o que, no final, gera não só um aumento no preço do
ingresso para o comprador, como também custo de deslocamento e, principalmente,
uma grande perda de tempo (e o tempo, ao contrário do dinheiro, é um ativo
irrecuperável).
Como disseram os
peritos do BTG Pactual em seu recente relatório, "for the good of Brazil, we
hope this decision is reversed".