Nota do editor
O artigo abaixo foi originalmente publicado em maio de 2018. À época, o fenômeno das patinetes ainda não havia chegado ao Brasil. Hoje, já é um grande sucesso em São Paulo. Porém, como tudo o que funciona bem e agrada aos consumidores, a inovação está sob ataque dos burocratas da prefeitura.
Após confiscar 557 patinetes, o próprio prefeito, Bruno Covas (PSDB), veio a público e inacreditavelmente disse que "Governar é como cuidar do filho adolescente. Temos
que fazer o que é bom para ele, não o que ele pede. Ele vai reclamar, mas um
dia vai entender e reconhecer".
Por uma questão de decência, vamos nos eximir de comentar.
Confira no artigo abaixo como as previsões feitas à época se concretizaram.
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Diga-me se isso já aconteceu com você. Você está em
seu carro em uma grande cidade, locomovendo-se a uma velocidade de cágado
devido ao congestionamento. E então você vê um pedestre passando por você. O
trânsito flui um pouco e você ultrapassa esse pedestre. Logo em seguida, o
trânsito volta a parar e esse mesmo pedestre ultrapassa você. E assim vai.
Passados uns 15 minutos, esse pedestre já está uma quadra à sua frente.
E aí você pensa: creio que estaria em melhor
situação se estivesse a pé. Além de mais rápido e de não ter chateação para
estacionar, não estaria gastando combustível.
Mas tem de haver uma alternativa melhor.
Os aplicativos de transporte — como Uber, Cabify,
Lyft etc. — têm se mostrado uma sólida alternativa a dirigir o próprio carro.
Eles acabaram com o monopólio dos táxis (protegido e impingido pelo
estado) e isso foi maravilhoso. Eles se transformaram em uma indispensável
fonte de renda para pessoas que até então estavam desempregadas ou que
necessitavam de uma segunda renda, além de terem sido a salvação para
várias pessoas que descobriram que ganhar dinheiro utilizando o próprio carro
para rodar pela cidade é melhor do que ficar preso a uma mesa em um escritório.
No entanto, as grandes metrópoles estão agora
lidando com a realidade de que esta solução ainda é imperfeita. Os aplicativos de transporte ainda utilizam carros.
Ainda necessitam de ruas. No que tange à mobilidade urbana,
há quem alegue que os aplicativos de carona podem piorar tudo.
Patinetes elétricos
Eis algo realmente incrível. Neste exato momento, nas
ruas do centro de Atlanta, há várias patinetes elétricas estacionadas (ver foto
acima), à espera do próximo cliente. Eu tenho um aplicativo em meu smartphone
que me mostra exatamente onde elas estão. Posso sair do meu escritório e ir
direto a uma delas. Ato contínuo, escaneio o QR code da patinete com meu
smartphone. Ela destrava.
Subo nela, pressiono a alavanca e vou-me embora, a 25 km/h.
Locomovo-me rapidamente pelas ruas (e calçadas),
deixando todo tráfego para trás. Chego a um restaurante (ou a qualquer outro
estabelecimento) e estaciono a patinete elétrica onde quiser, e a deixo ali. O
próximo cliente vem, monta nela e faz o mesmo. E assim vai, durante todo o dia,
e até mesmo toda a noite, ao redor de toda a cidade.
Essas maravilhosas patinetes elétricas custam US$ 1
por viagem, mais US$ 0,15 por milha (o equivalente a US$ 0,09 ou R$ 0,33 por
quilômetro). Você também pode se inscrever para se tornar um carregador
(fornecer energia elétrica para recarregar a bateria) e ganhar entre US$ 5 e
US$ 20 por hora apenas para ligar a patinete a uma tomada.
E como elas não são roubadas? Simples. Se você
montar em uma patinete e tentar se locomover sem ter sido autorizado pelo
aplicativo, ela se trava automaticamente. Elas não vão para lugar nenhum sem
que a empresa proprietária dela possa acompanhar.
Pessoalmente, considero todo esse arranjo
sensacional. A empresa criadora da ideia, a Bird,
já tomou várias cidades de surpresa, despejando centenas de patinetes elétricas
ao redor delas. E já há outras duas empresas concorrentes (Spin e Lime) fazendo o mesmo. Elas
operam em San Francisco, Nashville, Austin, Atlanta, Santa Monica, Silver
Spring, Washington, D.C., St. Louis, Charlotte e outras. Essas três empresas
estão concorrendo entre si para auferir aquilo que a literatura chama de "vantagem do pioneiro"
(o primeiro a entrar em um mercado aufere as maiores taxas de lucro). Faz todo
o sentido para elas simplesmente saírem espalhando suas patinetes pela cidade
antes de implorarem a permissão das autoridades municipais.
E, é claro, assim como ocorreu com a Uber, já está
havendo oposição. Pessoas estão reclamando que as patinetes estão andando
rapidamente pelas calçadas, sendo que elas deveriam usas as ciclovias (quando
estas existem). A própria novidade da coisa, bem como a emoção de se locomover
em uma patinete elétrica, está fazendo com que alguns usuários sejam
ostentadores em suas exibições de técnicas de condução, o que está irritando
algumas pessoas. Mas, acima de tudo, os burocratas das administrações
municipais estão muito zangados porque nenhum empreendedor veio rastejando até
eles implorar por permissão para operar.
E, dado que nada afeta mais um burocrata do que ser
ignorado (eles exigem ser vistos como soberanos que a tudo controlam), o
contra-ataque já começou. A câmara municipal de Nashville, por exemplo, já
emitiu uma ordem
de cessação e desistência para a empresa Bird. "Nossos funcionários do
Governo Metropolitano já observaram que as patinetes elétricas da Bird estão
obstruindo as calçadas públicas", escreveu a procuradora da prefeitura em uma
carta para o diretor de relações da Bird. Mas que terrível! Patinetes
estacionadas nas calçadas!
Neste vídeo, um veículo de esquerda (que
supostamente deveria ser a favor do empreendimento, pois é "ambientalmente
correto") ataca as empresas que fornecem as patinetes, pois elas "operam sem
pedir permissão para o governo".
Assim como os aplicativos de transporte em geral, é
de se admirar a maneira como essas empresas estão agindo: elas estão perfeitamente
cientes de que têm muito mais a perder ao não agirem (ou seja, ao não
empreenderem) do que ao lidarem com vereadores vingativos e suas coortes
burocráticas.
A Uber foi a pioneira em incomodar prefeituras com a
tática de "fazer agora e lidar com a burocracia e com as permissões depois". O
então CEO da Uber Travis
Kalanick não apenas corajosamente forçou a entrada da empresa em vários
mercados fechados e protegidos pelo estado — ao simplesmente sair operando sem
pedir permissão para burocratas —, como também teve a coragem (e o
sangue-frio) de gastar milhões de dólares com os trâmites judiciais necessários
para legalizar a Uber em vários outros países. Várias outras empresas perceberam
essa estratégia e fizeram o mesmo (muitas simplesmente pegando carona no
sucesso da Uber, que foi quem desbravou tudo).
Apesar de todos os ataques coordenados e de todo o
frenesi da mídia, a tática funcionou. Governos e seus burocratas sempre são
muito mais lentos que empreendedores agindo no livre mercado. Se você quer ser
um empreendedor de sucesso, você tem de agir com coragem e inovar a uma grande
velocidade. Em alguns casos, isso significa abalar cartéis e oligopólios já
entrincheirados e protegidos pelo estado.
Tudo
isso é apenas parte da solução
É claro que patinetes elétricas, por si sós, não
resolverão a complicada questão da mobilidade urbana. No entanto, tão logo você
vivencia esse arranjo, torna-se incrivelmente óbvio que ele pode ser uma empolgante
parte da solução para esse problema, o qual, há décadas, atormenta quem vive
nas cidades grandes.
Permitir que pessoas se locomovam a distâncias
relativamente grandes de forma barata e eficiente, e sem causar
congestionamentos, sempre foi o objetivo de toda e qualquer política de
mobilidade urbana. Uma solução já começa a surgir. Se os mais jovens se
apegarem a ele (não imagino ver idosos utilizado o aparelho), uma parte
substantiva da demanda pelo transporte público poderá ser reduzida.
Assim, o que é realmente fascinante é o método pelo
qual a solução está sendo encontrada. Inúmeras tentativas já foram feitas em
todas as cidades para tentar planejar a mobilidade urbana, sempre se utilizando
uma abordagem "de cima para baixo": faixas exclusivas para ônibus e táxi,
rodízio, pedágios, expansão do metrô, quantidade mínima de pessoas por carro,
obrigatoriedade de se compartilhar o mesmo carro entre colegas de trabalho,
mais ônibus etc. E o problema sempre persistiu.
E então veio a internet. E depois vieram os
aplicativos. E então veio a possibilidade de utilizá-los para conseguir
transporte por meio de novas empresas que ofereciam novas soluções. Depois
vieram os próprios aplicativos de carona. E depois vieram os aplicativos de
aluguel temporário de imóveis (como o AirBnB). E, agora, essas incríveis
patinetes elétricas estão surgindo por todos os cantos das grandes cidades
(graças ao comércio internacional; a empresa chinesa Ninebot é uma grande
fornecedora do aparelho). E, como é típico do setor privado, as soluções são
economicamente eficientes, pró-consumidor, eficazes e também divertidas.
Com efeito, mais uma vez estamos vivenciando aquela
dicotomia semântica: ao passo que o setor privado oferece mais uma genuína
solução pública, a típica solução do "setor público" sempre se resume apenas a
alimentar os interesses eleitorais de indivíduos privados. Enquanto o mercado e
a livre concorrência beneficiam o público, as soluções de governo beneficiam
apenas os entes privados nelas envolvidos (políticos, burocratas e empresas
licitadas).
Como Mises sempre explicou, as raízes das soluções
de mercado estão na propriedade privada, e essa propriedade, em última
instância, beneficia o público.
Conclusão
A ascensão das patinetes elétricas urbanas —
permitida pelos aplicativos — é um fantástico exemplo de como o mercado gera
soluções para problemas sempre tidos como incuráveis. Quanto mais as pessoas se
adaptarem a essas fantásticas máquinas, mais leve será o tráfego, mais limpa
será a cidade, e mais felizes (e mais saudáveis) serão as pessoas.
Observe que nenhum planejador central jamais teve
essa ideia. Ela surgiu de empreendedores atuando no livre mercado em busca do
lucro. Mais especificamente, essa ideia surgiu através de discretas formas de inovação
(patinetes elétricas) que utilizam o melhor da tecnologia moderna (os
aplicativos) e que foram combinadas para solucionar uma demanda específica (locomoção
rápida e barata) para um problema específico (dificuldade de locomoção).
Agora, em minha patinete elétrica, deixo para trás não
só o cara que está caminhando apressado, como também, e incrivelmente, até
mesmo os motoristas que se rastejam em nossas congestionadas ruas.
Seja paciente. O mercado irá encontrar uma solução para
os nossos problemas.