Com
a recente sequência de aumentos explosivos na cotação do Bitcoin — a
criptomoeda se valorizou incríveis 1.800% apenas este ano —, é inevitável o
surgimento de alertas e recomendações do tipo "saia agora e mantenha-se
afastado!"
Muitos
alertas são bem-vindos, bem fundamentados e extremamente necessários; outros
são apenas calúnias de seus detratores (e não podemos descontar também a carga
de críticas feitas por invejosos que ficaram de fora e viram terceiros se
tornar milionários).
No
entanto, há três críticas ao Bitcoin que são recorrentes, e que devem ser
abordadas. A saber: o Bitcoin está em uma bolha, o Bitcoin é um esquema Ponzi,
e o Bitcoin é uma moeda (ou seria um ativo?) sem qualquer lastro.
A
seguir, uma tentativa de uma abordagem imparcial sobre estes três quesitos.
1. "O Bitcoin é uma bolha!"
Há um fenômeno que é praticamente comum a todas as
bolhas: dívidas, alavancagens e o uso de algo como colateral (garantia em caso
de calote no empréstimo).
Por exemplo, uma bolha no mercado de ações é
estimulada e mantida pela expansão do crédito. Especuladores pegam empréstimos
e usam o dinheiro do empréstimo para comprar ações, muitas vezes operando
extremamente alavancados. Os ganhos com aquela ação mais do que compensam os
juros do empréstimo bancário a ser quitado. (Por isso, bolhas assim são típicas
de um cenário de juros artificialmente baixos).
Eis um exemplo prático: sem contrair
empréstimos, um investidor compra $100 de uma ação esperando que ela suba para
$108 dali a algum tempo. Ganho de 8%.
Porém, se ele se alavancar em um fator de dez, contraindo
empréstimos com juros de 4% — isto é, pegando $1.000 emprestados e tendo de
devolver $1.040 —, ele poderá ampliar seu retorno em cinco vezes.
Funciona assim: o investidor investe $1.000 na ação
e recebe $1.080 de retorno (ganho de 8%). Desses $1.080, ele paga $1.040
(juros de 4% sobre $1.000) para o credor de quem pegou dinheiro emprestado como
alavancagem. Lucro líquido: $40.
Lucro que teria sem a alavancagem: $8. Com alavancagem: $40
Ou seja: ao assumir o risco adicional, um retorno
de 8% virou um retorno de 40%, tudo em decorrência da mágica da
alavancagem.
Os ganhos desta ação estimulam outras pessoas a
fazerem o mesmo. E aí a bolha vai sendo inflada.
Fenômeno idêntico também ocorre com vários papeis
considerados junk bonds (títulos
podres), títulos que oferecem altos rendimentos mas com baixa segurança.
Igualmente, uma bolha no mercado imobiliário também
envolve expansão de crédito (dívida) e alavancagens extremas. O comprador se
endivida junto ao banco para comprar um imóvel na esperança de que o valor
deste imóvel suba continuamente. A garantia deste empréstimo é o próprio imóvel
(se o sujeito der o calote, o banco toma o imóvel). Quando o preço do imóvel
sobe — o que significa que agora o ativo dado como garantia vale mais que o
empréstimo concedido —, o comprador volta ao banco e refinancia seu
empréstimo, pegando mais dinheiro para poder gastar em consumo. Ele vai se
alavancando.
Várias pessoas vão fazendo o mesmo e,
consequentemente, elevando todos os preços dos imóveis. Até que tudo finalmente
entra em colapso.
(Como curiosidade, vale enfatizar que este dois
tipos de bolha são seguidamente reverenciadas e elogiadas pelo governo e pela
mídia, que vêem nesta contínua valorização dos ativos o sinal de uma "economia
robusta".)
Em suma, bolhas envolvem criação de dívida, alavancagens
e o uso de colaterais.
Isso está ocorrendo com o Bitcoin? Até o presente
momento, não. Criptomoedas, pelo menos até hoje, não possuem alavancagem e são
praticamente impossíveis de serem compradas a crédito. (Bancos não fornecem
financiamentos para este fim).
Portanto, e em outras palavras, dado que uma bolha
de ativos é formada por expansão do crédito e alavancagem, e dado que, comparativamente, não há alavancagem no
Bitcoin, então o que está empurrando sua cotação para cima é outra coisa.
Por fim, há também um argumento forte: ao passo que
a oferta de Bitcoins é praticamente fixa (não superará 21 milhões de unidades),
a demanda por Bitcoins é mundial. Gente de qualquer país, de qualquer cidade,
de qualquer canto do mundo pode comprar Bitcoins. Basta ter acesso à internet. E
o acesso à internet só irá aumentar nos próximos anos, assim como o acesso à
informação. Tendo em vista esse cenário, seria até possível argumentar que o
atual preço do Bitcoin, em termos de longo prazo, ainda está baixo. No entanto, eventuais correções no curto prazo irão ocorrer, como sempre.
2. "O Bitcoin não tem lastro!"
Essa é a parte mais técnica, e provavelmente
entediará um pouco os mais leigos, mas vale a pena o esforço.
Ao contrário do que muitos imaginam, essa a
acusação de "não ter lastro" é a mais fácil de ser rebatida (embora tenhamos de
recorrer a tecnicismos), pois ela é feita por pessoas que simplesmente não
entendem que criptomoedas se baseiam em algoritmos matemáticos, open-source,
consenso e, acima de tudo, em bits
computacionais.
O Bitcoin é lastreado por um serviço, e é este
serviço quem garante a segurança e, acima de tudo, a escassez da oferta de
Bitcoins. Eis como funciona.
Cada minerador investe capital próprio na forma de
memória RAM ou de e de GPU, de largura de banda de internet, e de capacidade de seu Hard Drive
(Disco Rígido) — e todos estes itens são mensurados (e precificados) em
denominações de bits.
Esses bits
são então "minerados" em Bitcoins como forma de pagamento pelo serviço de
verificar a autenticidade dos Bitcoins que já existem.
Com efeito, se você aplicar o Teorema da Regressão de
Mises, retrocederá até antes da
característica monetária do Bitcoin e chegará os bits dos quais ele foi minerado.
Os bits usados para publicar este artigo — os
quais foram comprados na forma de espaço no Hard Drive (Disco Rígido), Memória
RAM, largura de banda de internet etc. — representam a mesma commodity da qual
os bitcoins se originaram.
Os bits (que carregam informação) criptologicamente
protegidos são a commodity que lastreiam
o Bitcoin. O Bitcoin fornece seu serviço (o produto) por meio da troca de bits.
E se você considera esse raciocínio trivial ou
mesmo forçado, saiba que você próprio o utiliza em sua moeda convencional.
Vivemos em um mundo em que a esmagadora maioria das moedas fiduciárias opera
por meio da transferência de bits de
informação criptologicamente seguros. Seus cartões de crédito e de débito são,
com efeito, bits eletrônicos de
informação, criptologicamente protegidos e transacionados livremente.
Dito isso, podemos apenas escarnecer o fato de que
tal acusação ao Bitcoin (não tem lastro) implica que as moedas fiduciárias que utilizamos
atualmente são lastreadas em algo.
Com muita boa vontade — e, mesmo assim, "forçando
bastante a barra", com o perdão do tom coloquial — podemos dizer que as moedas
fiduciárias atuais são lastreadas exclusivamente pela capacidade de seus
respectivos governos de honrar suas dívidas. E só.
Se um determinado governo der um calote em sua
dívida — mesmo que seja apenas em parte dela —, sua moeda será imediatamente
a abandonada. Afinal, qual investidor estrangeiro irá querer investir nos
títulos públicos daquele país? Havendo uma fuga daquela moeda, sua taxa de
câmbio entra em colapso, seu poder de compra se esfacela, e sua função como
meio de troca é abolida completamente.
O mesmo efeito ocorrerá se essa moeda for
hiperinflacionada pelo governo, como faz o da Venezuela.
Na prática, as moedas fiduciárias de hoje — mesmo
as mais "bem geridas" — podem ser criadas à vontade pelos
seus respectivos Bancos Centrais, os quais são livres para criar dinheiro e
injetá-lo no sistema bancário em troca de títulos públicos em posse desses
bancos.
Já com o Bitcoin, isso é simplesmente impossível de
ocorrer.
Não é à toa que o poder de compra das moedas
estatais — de expansão livre — só faz cair, não obstante o modelo ser gerido
por Ph.Ds.
3. "O Bitcoin é um esquema Ponzi!"
Quem realmente sabe o que é um esquema Ponzi
percebe que tal acusação não faz sentido nenhum.
Como funciona um esquema Ponzi? Simples: trata-se
de um arranjo no qual novos investidores
pagam os ganhos dos investidores antigos.
Para um esquema Ponzi — ou piramidal — funcionar,
ele tem de atrair aplicadores mediante a promessa de pagar-lhes retornos muito
altos. Esses retornos altos são obtidos com o dinheiro aplicado por novos entrantes,
que sucessivamente aceitam entrar no esquema, sem qualquer base em lucros
verdadeiros das aplicações.
É lógico que, para continuar a pagar retornos
elevados, é necessário que o fluxo de pessoas que entram no esquema e o fluxo
de dinheiro sejam crescentes. Obviamente, por não existirem retornos reais, já
que o dinheiro é meramente repassado dos últimos entrantes para os primeiros, o
sistema acaba mais cedo ou mais tarde ruindo e, dado que os membros mais
antigos são pagos pelos novos membros, estes últimos, então, assumem o
prejuízo.
Não é necessário um grande conhecimento econômico
para constatar que tal arranjo é exatamente o mesmo utilizado pela Previdência Social.
Agora, observe: em um esquema Ponzi, os primeiros
investidores são literalmente pagos com os fundos sendo injetados pelos novos
investidores, e isso é totalmente
diferente de um arranjo em que os últimos investidores têm de pagar preços mais altos para os primeiros com o intuito de induzi-los a abrir mão de seus ativos.
No mundo do Bitcoin, aqueles que entraram primeiro — e que
hoje detém um ativo extremamente valioso — não estão recebendo Bitcoins dos
últimos entrantes. Com efeito, ocorre exatamente o contrário: os últimos
entrantes têm necessariamente de incitar os mais antigos a abrirem mão de seus Bitcoins.
E dado que Bitcoins não podem ser criados à vontade
(como fazem os Bancos Centrais com suas moedas fiduciárias), eles têm de ser
minerados a uma taxa que cai ao longo do tempo (este ano, aproximadamente 640
mil novas unidades terão sido mineradas, uma taxa de crescimento de 3,8%). Consequentemente, a demanda por Bitcoins está
simplesmente aumentando mais que a oferta de novas unidades sendo mineradas. Se
tal tendência continuar, então um ciclo de retroalimentação irá ocorrer. Preços
cada vez maiores serão necessários para induzir os primeiros entrantes a abrir mão
de seus Bitcoins e vendê-los para os últimos entrantes.
E isso não tem nada de Ponzi.