quarta-feira, 25 jul 2018
A instituição da família possui implicações econômicas.
Ao longo da história, em todas as sociedades até o advento do Ocidente moderno,
os filhos sempre sustentaram seus pais quando os pais se tornavam enfermos.
Isso sempre fez parte do processo da herança. Os
pais criam os filhos, mas sabem que poderão se tornar dependentes deles quando
envelhecerem. Os pais sempre tiveram um incentivo econômico para fornecer aos
filhos um preparo e uma capacidade suficientes o bastante para permitir que
eles lhes sustentem na velhice.
Este cálculo sempre foi básico para a civilização,
desde os seus primórdios. Filhos supostamente devem ajudar seus pais na
velhice. Entre a fase produtiva e a morte, há ameaças. As pessoas envelhecem e
ficam menos produtivas. Ocasionalmente, também ficam enfermas. Elas podem se
tornar um ônus financeiro para os filhos. E os filhos devem se sacrificar
pelos pais quando estiverem nos anos mais produtivos de suas vidas. Eles têm de
arcar com o fardo de ter pais que não mais são produtivos. Ao mesmo tempo, eles
também têm de treinar os próprios filhos a serem produtivos. Trata-se de uma
dupla responsabilidade.
O mundo moderno, começando por volta de 1800, foi
continuamente reduzindo este fardo econômico. Primeiro, entre 1780 e 1820, a
riqueza per capita começou
a crescer. Foi a primeira vez na história que isso ocorreu. E não mais
parou de crescer. Segundo, a expectativa de vida também começou a crescer. Consequentemente,
à medida que os pais envelheciam, eles não se tornavam enfermos quando seus
filhos estavam tendo filhos. Eles poderiam se tornar enfermos aos 70 ou 80 anos
de idade; porém, a esta altura, seus filhos já estavam bem avançados no
processo de criar a própria família.
Ao redor do mundo, os pais normalmente morriam muito
cedo. E eles se tornavam um fardo ainda muito cedo. À medida que a expectativa de
vida foi aumentando, ao redor do mundo, homens e mulheres foram se mantendo
produtivos por mais tempo. Consequentemente, eles tiveram mais anos para
acumular capital com o qual se sustentar na velhice. Deixar uma herança para
seus filhos passou a ser algo cada vez mais comum. Já nos anos 1880, as
famílias no Ocidente já haviam reduzido, a níveis inauditos, o fardo de ter de
sustentar os pais na velhice.
Surge
Bismarck
Na década de 1880, Otto von Bismarck era o ministro-presidente
da Prússia e chanceler da Império Alemão. Ele era a liderança do movimento
político conservador. Os socialistas já começavam a ganhar espaço
politicamente. Eles clamavam por pensões bancadas pelo estado (ou seja, pelos
pagadores de impostos). Para solapar os socialistas e reduzir seu apelo,
Bismarck também passou a defender o mesmo.
Em 1889, ele estabeleceu o primeiro sistema
previdenciário estatal do mundo. Os pagamentos começavam aos 70 anos de idade,
o qual representava o famoso limite estabelecido por Moisés (Salmos 90:10). Bismarck
rotulou esse seu programa previdenciário de "cristianismo prático". E é fato
que esse programa estatal de bem-estar social minou as chances políticas dos
socialistas.
O princípio era claro: o estado, e não mais a
família, passava a ser o responsável legal por cuidar dos idosos, caso estes houvessem exercido trabalho assalariado. Mesmo se os filhos não honrassem suas obrigações
para com seus pais, o estado seria fiel. Todo e qualquer trabalhador aposentado
poderia, dali em diante, confiar no estado para sustentá-lo.
Esta transferência de responsabilidade para o estado
substituiu o personalismo da família pelo impersonalismo do estado. Não mais
seriam os laços familiares que garantiriam os cuidados aos pais idosos. Dali em
diante, burocratas do estado seriam os responsáveis por gerir e aplicar a lei
previdenciária — desde que a papelada e os documentos estivessem em ordem.
O sistema previdenciário surgiu, assim, baseado inteiramente
nas leis civis, e não no amor familiar, nos sentimentos, nos costumes ou na
culpa. Havia agora um acordo jurídico, e este acordo era público. O estado
cuidaria dos idosos. E tal acordo era totalmente passível de ser exigido nos
tribunais.
Este programa foi copiado em todo o Ocidente. Ele se
tornou praticamente universal.
Impraticável
no longo prazo
Trabalhadores pagam impostos ao longo da vida. Ao se
aposentarem, recebem uma pensão do governo.
Mas há um grande problema nesta contabilidade: os
impostos pagos são legalmente distintos das pensões coletadas. O dinheiro não é
o mesmo. Não há um 'contrato de anuidade' que seja legalmente executável. O
dinheiro que o trabalhador paga para o sistema previdenciário é imediatamente
gasto pelo governo.
O dinheiro não é investido pelo governo
em um fundo no qual ele fica rendendo juros. Esse dinheiro é diretamente
repassado a uma pessoa que já está aposentada. É também utilizado para bancar
vários outras despesas correntes do governo.
Trata-se de um sistema de repartição direta: o
trabalhador de hoje paga a aposentadoria de um aposentado para que, no futuro,
quando esse trabalhador se aposentar, outro trabalhador que estiver entrando no
mercado de trabalho pague sua aposentadoria. Não há investimento nenhum. Há
apenas repasses de uma fatia da população para outra.
Vale a pena repetir: todo o dinheiro que o
trabalhador hoje direciona para o sistema previdenciário — a título de
garantir sua aposentadoria futura — é imediatamente
gasto pelo governo. Não há nenhuma poupança.
Consequentemente, todos os governos nacionais
prometeram enormes benesses futuras aos aposentados. Mas o dinheiro para isso
não existe hoje. Ele terá de ser totalmente coletado no futuro.
Mas isso só será possível se: 1) o número de
trabalhadores pagando impostos for muito maior que o número de aposentados; 2)
as pessoas que estiverem trabalhando se aposentarem cada vez mais tarde, de
modo que elas paguem impostos por mais tempo; e 3) os aposentados não terem uma
expectativa de vida muito alta.
Ou seja, na prática, todo o esquema será
inteiramente dependente da demografia. Por isso, diz-se que a previdência
social é programa cujos passivos não têm como ser financiados. São passivos sem
fundo. São passivos a descoberto. Simplesmente não há como o governo cumprir
todas essas obrigações no futuro. (Para detalhes específicos sobre o Brasil, veja este artigo).
Por isso, a previdência social será o programa que
levará os governos à falência. Isso ocorrerá para todos antes do fim do século
XXI. A maioria já estará falida antes de 2050.
O estado é um falso herdeiro. Ele assumiu a
responsabilidade legal associada ao legado familiar. Ao longo da história, os
filhos e seus cônjuges sempre estiveram prontos para arcar com a
responsabilidade de bancar seus pais idosos. Os pais sabiam que seu sustento
era retirado do orçamento de seus filhos. Eles também sabiam que seus filhos
herdariam os imóveis e as terras da família. Ou seja, era uma relação que
envolvia uma troca de favores, um compensação, um retorno.
Porém, à medida que o estado foi continuamente
assumindo a função econômica dos herdeiros biológicos, os pais passaram a
utilizar a política como forma de conseguir um maior suporte financeiro em sua
aposentadoria. E este suporte financeiro passou a ser extraído do bolso comum
de toda a nação.
Consequentemente, virtudes como a poupança, a
frugalidade e a visão de longo prazo perderam a importância. Não mais fazia
sentido levar uma vida financeiramente comedida visando à aposentadoria futura.
Dado que a sua aposentadoria já estava garantida pelo estado, e seria bancada
por terceiros desconhecidos, não mais fazia sentido acumular capital para, no
futuro, viver à base deste capital acumulado. A sua aposentadoria passou a ser
um passivo para terceiros desconhecidos, os pagadores de impostos. Não é mais
responsabilidade sua nem de seus familiares.
E por que os pagadores de impostos — os terceiros
desconhecidos — aceitam este arranjo? Simples: porque eles, no futuro, também
esperam estar no lado recebedor do esquema. A maioria imagina que aos 62 anos
de idade já poderá começar a receber suas pensões mensais. A maioria espera
poder viver duas décadas com esta fonte de renda. Tais pessoas esperam não ter
de ir morar com seus filhos, genros e noras. Os filhos e os genros e noras
também esperam que isso não ocorra.
No Ocidente, a obrigação moral de honrar pai e mãe
foi rompida pelos programas de previdência compulsória. O laço pessoal da
aliança familiar foi rompido. Os mais velhos trocaram a segurança dos laços
familiares pelas promessas dos políticos. Só que nenhum destes políticos estará
na vida pública quando a crise fiscal se abater.
Os filhos dos aposentados ainda imaginam que, ao se
aposentarem, terão a mesma vida financeira de seus pais, que recebem subsídios
do governo. Só que os impostos necessários para sustentar os pais aposentados
estão consumindo o capital do país. Isso irá reduzir o crescimento econômico
futuro. Consequentemente, irá reduzir o fluxo de renda no futuro, inclusive os
impostos necessários para bancar a própria previdência. O capital da nação está
sendo consumido. Este será o maior legado de todos.
Politicamente, as pessoas que estão recebendo as
pensões irão resistir a toda e qualquer redução nas pensões. "Nós pagamos a
previdência social! Temos o direito de receber o dinheiro de volta! Por lei!".
Tal pressão política garante a continuidade — e a expansão — do programa.
Essas pessoas votam. Políticos temem sua fúria na próxima eleição.
Simultaneamente, os trabalhadores que hojem pagam impostos também resistem a qualquer
mudança. Eles querem passar a ser recebedores de dinheiro no futuro.
Igualmente, eles não querem se tornar responsáveis por bancar seus pais caso o
governo saia de cena.
Ninguém olha para a realidade fiscal e suas
consequências inevitáveis: a falência futura. Os passivos sem fundo não serão
honrados.
E por que todos ignoram isso? Porque as pessoas são
inerentemente imediatistas. Elas não olham para o futuro distante. Pensam
apenas no curto prazo. Há uma tendência a ignorar notícias ruins sobre o futuro
mais distante. Elas também são otimistas em relação ao estado. Elas gostam de ouvir
notícias boas sobre o futuro próximo, como a de que a previdência é sustentável.
Elas querem que o programa
previdenciário estatal continue.
Conclusão
Em vários países, o programa se chama Seguridade
Social. Mas o programa não é social; é político. E o programa não é seguro; ele
depende da política.
A criação da previdência social estatal solapou a
estrutura familiar do Ocidente. Os pais esperam menos de seus filhos. Os filhos
esperam gastar menos com a velhice de seus pais. A ampla aceitação da
moralidade das pensões distribuídas pelo governo com o dinheiro dos outros
aboliu todo o sentimento de obrigação e culpa dos filhos para com os pais.
Mais: os filhos alegremente defendem — e votam por
— mais programas assistenciais para os mais velhos. Eles também querem receber
o seu no futuro. Mas eles não contabilizam o custo destas operações futuras para
seus respectivos governos. Eles não entendem que os passivos a descoberto do
programa levarão a um calote geral em todas as promessas assistenciais.
O programa estatal de previdência compulsória criado
por Bismarck em 1889 criou um precedente para o Ocidente. Outros países copiaram.
Isso levou a uma séria fiscalmente insustentável de programas previdenciários estatais
no Ocidente. As promessas dos políticos, em algum momento, irão se revelar
desconectadas da realidade fiscal. Haverá calotes universais em vários
programas assistenciais. Isso irá solapar a confiança nos governos. Irá também acabar
com a legitimidade deles perante os eleitores.
"Mas vocês prometeram!", dirão os desesperados sem
aposentadoria. "Desculpe, calculamos mal", dirão os políticos em resposta.
No final, os filhos voltarão a ter de sustentar os
pais. Só que eles não estão preparando seu orçamento para isso.
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Nota
do Editor
Se você tem menos de 35 anos, não conte com o INSS
para a sua aposentadoria. E isso nada tem a ver com a "competência da gestão"
do programa. Mesmo que a Previdência fosse gerida por anjos probos, sagazes e
imaculados, e não houvesse um único centavo desviado ou malversado, ainda assim
ela seria insustentável no longo prazo.
E por causa da demografia.
No Brasil, em 2013, havia 5,5 pessoas com idade
entra 20 e 59 anos para cada pessoa com mais de 60 anos. Em 2060, a se manter o
ritmo projetado de crescimento demográfico, teremos 1,43 pessoa com idade entre
20 a 59 anos para cada pessoa com mais de 60 anos. (Veja o gráfico aqui).
Ou seja, a menos que a idade mínima de aposentadoria
seja continuamente elevada, não haverá nem sequer duas pessoas trabalhando e
pagando INSS para sustentar um aposentado.
Para a previdência continuar solvente, a mão-de-obra
jovem do futuro terá de ser ou muito numerosa (uma impossibilidade biológica,
por causa das atuais taxas de fecundidade) ou excessivamente tributada (algo
que não é duradouro).
Conclusão: comece
imediatamente a poupar e a investir. Não conte com nenhuma solução mágica
criada por políticos.
Eis um artigo inteiramente sobre isso:
Uma proposta para uma
reforma definitiva da Previdência
E outro:
A Previdência Social
brasileira - um esquema fraudulento de pirâmide