segunda-feira, 21 nov 2016
Muitos especialistas franziam o cenho para quem
dizia que uma eventual vitória de Donald Trump para a presidência dos EUA
geraria uma reação amistosa dos mercados financeiros. No entanto, quando se
confirmou a notícia, no dia 9 de novembro, de que ele de fato seria o 45º
presidente dos EUA, os preços das ações nas bolsas internacionais (dos países
desenvolvidos) subiram, o dólar encareceu, e as taxas de juros de longo prazo subiram.
Tudo isso sugere que a reação dos mercados
financeiros internacionais em relação à eleição de Trump foi muito mais cordial
do que o tenebroso panorama que vários previram. Trump nunca mediu palavras ao
se expressar sobre a política externa e a política econômica que
defende, mas ainda resta conferir se e como ele colocará suas ideias em ação.
Seria correto dizer que Trump não tem grandes
afinidades com as elites globalistas[1],
que, em seus esforços para moldar uma nova ordem mundial, empurraram os EUA a
fazer um emaranhado de intervenções bélicas estrangeiras, cada uma mais
mal-sucedida que a outra.
Há uma chance de que a política externa americana
mude sob um governo Trump; ela pode se tornar bem menos agressiva (esse é um
dos motivos de os neoconservadores terem abertamente torcido por Hillary
Clinton; com ela, a política externa americana continuaria a mesma de Bush e
Obama). Se Trump adotar um tom conciliador, em particular em relação à Rússia,
uma relação mais cooperativa poderia ajudar a reduzir conflitos em áreas
delicadas, como o Oriente Médio e o Extremo Oriente.
Em termos de política econômica, as maiores
prioridades de Trump parecem ser — como ele próprio sempre fez questão de ressaltar
— impulsionar o crescimento econômico dos EUA e criar mais empregos no país.
Como sua administração pode fazer isso? Há a maneira certa, que é duradoura, e
a maneira errada, que é artificial e gera problemas de longo prazo.
Na maneira certa, ele se concentraria no lado da
oferta, reduzindo impostos para empresas, empreendedores e trabalhadores, ao
mesmo tempo em que também reduziria os gastos do governo, abolindo burocracias
e regulamentações. (Reduzir impostos ao mesmo tempo em que aumenta gastos seria
uma política que geraria
efeitos nefastos no longo prazo).
Na maneira errada, ele se concentraria no lado da
demanda, estimulando o endividamento dos consumidores e, mais ainda, do governo,
colocando o aparato estatal para gastar o que não tem e emitindo títulos para
bancar a diferença. Ao mesmo tempo, perseguiria uma política monetária
abertamente expansionista e adotaria uma postura protecionista no comércio
exterior. [N. do E.:
basicamente, seria uma
Dilma Roussef].
O primeiro cenário representaria verdadeiramente "uma
mudança de regime". A máquina governamental americana, um rolo compressor de
proporções titânicas, pode não necessariamente ser reduzida, mas seu
crescimento seria contido. Tal medida, obviamente, seria a mais ousada ação
política dos últimos tempos, e requereria grande vigor e perseverança para que
fosse implantada.
O que há de positivo para conspirar a favor dessa
medida é o fato de que Trump, sendo um empresário bilionário, não tem por que
se vender, em troca de dinheiro, a lobistas e grupos de interesse. Este, aliás,
é o grande temor de seus rivais dentro e fora do partido: já tendo ele todo o
dinheiro de que precisa, as chances de ele ser comprado por lobistas e grupos
de interesse são baixíssimas, o que pode torná-lo "incontrolável" e "não
suscetível" à aprovação de leis e regulamentações que são do interesse dessa
gente.
Por tudo isso, há uma chance, ainda que pequena, de
que ele fará uso desta sua independência para aproveitar a oportunidade e fazer
uma diferença. A situação se torna ainda mais fácil quando se considera que o
seu partido, o Republicano, irá controlar Câmara e Senado pelos próximos dois
anos.
A mera probabilidade de a economia americana
apresentar alguma melhora sob um governo Trump — ou então a espera de uma
política fiscal mais expansionista — já colocou os mercados financeiros à
espera de juros de longo prazo maiores. Hoje, já se dá como praticamente certo
que o Federal Reserve — o Banco Central americano — irá subir, ainda que
pouco, a taxa básica de juros em dezembro. Se isso ocorrer, o dólar pode se
apreciar ainda mais em relação a outras moedas, especialmente o euro.
Um dos motivos para isso é que o diferencial de
juros entre os títulos denominados em dólar e os denominados em euro pode
aumentar ainda mais, tornando o euro menos atrativo em relação ao dólar. Com as
desastrosas taxas
negativas praticadas na Europa e com taxas positivas (e com perspectiva de
aumento) nos EUA, investidores podem ganhar mais migrando seus investimentos
para os EUA.
A recente apreciação do dólar em relação ao euro já
mostra essa tendência:

Gráfico 1: preço do euro em dólares, desde janeiro de 2016
Além disso, mesmo se a administração Trump não
seguir ao pé da letra a promessa — feita por ele próprio durante a campanha —
de um não-intervencionismo bélico, já se dá como certo que seu governo não será
uma marionete da agenda dos globalistas (multiculturalismo; fronteiras abertas
para imigrantes muçulmanos; políticas universais implantadas pela ONU e pelo
Banco Mundial etc.). Como resultado, o projeto de integração européia ficará
sem seu mais poderoso defensor político e intelectual: o governo americano.
Tudo isso deve se juntar às já crescentes incertezas
dos investidores quanto ao futuro do euro. A decisão da população do Reino
Unido, em junho deste ano, de sair da União Europeia
já representou um pesado golpe, mostrando que, para muitas pessoas, a União
Europeia não é uma instituição desejável política e economicamente. Com Trump,
as chances de este projeto emperrar são agora ainda maiores, de modo que as
amarras que mantêm a União juntas podem começar a se desfazer.
Tudo isso levanta dúvidas sobre a própria razão de
ser da moeda única européia, o euro. Todo o experimento da União Europeia
depende da sobrevivência do euro como uma unidade monetária isolada das
influencias políticas de cada governo europeu. Dúvidas sobre a continuidade de
sua viabilidade tendem a elevar os custos dos empréstimos, o que irá exacerbar
a situação econômica de vários países, principalmente daqueles de economia mais
frágil. Isso já está ocorrendo com os títulos de longo prazo de Portugal,
Espanha
e Itália,
cujos juros de longo prazo subiram acentuadamente. (Os da Grécia, após vários
pacotes de socorro, diminuíram, mas seguem em níveis intoleravelmente
altos, quase o dobro dos dos outros países).
Consequentemente, os investimentos produtivos nestes
países tendem a decrescer, reduzindo ainda mais a produção e o emprego. Para
piorar, vários bancos da zona do euro fazem empréstimos para pessoas e empresas
de outros países; eles irão sofrer caso a própria viabilidade do euro entre em
xeque.
Investidores já estão relutantes em estender novos
aportes de capital para os bancos da zona do euro em virtude de sua extremamente baixa
lucratividade e dos altos passivos em seus balancetes, que podem ser
agravados por eventuais calotes gerados por uma economia fraca.
Mais do que nunca, a ventura e a tragédia dos bancos
da zona do euro estão nas mãos do Banco Central Europeu (BCE). O problema é que
esse conluio insalubre entre o BCE, os governos e os bancos da zona do euro
pode agravar a situação.
No dia 26 de julho de 2012, o presidente do BCE,
Mario Draghi, prometeu
que "o BCE está pronto para fazer o que for preciso para preservar o euro.
E, creiam-me, será o suficiente". E o BCE pode agora ser forçado a fazer
exatamente isso: criar volumes cada vez maiores de dinheiro para comprar
volumes cada vez maiores de títulos dos governos em posse dos bancos para 1)
tentar impedir que os juros de longo prazo continuem subindo (como já estão);
2) tentar impedir que governos sobre-endividados (como os de Portugal, Itália e
Grécia) tenham ainda mais dificuldades em rolar suas dívidas e acabem dando
algum calote parcial; e 3) ajudar os balancetes dos bancos e reduzir as chances
de eles tomarem novos calotes de pessoas e empresas.
Se Trump de fato implantar algumas mudanças de
regime — acabando com algumas práticas econômicas até então caras ao atual
establishment —, sua presidência pode realmente forçar a moeda única européia,
levando-a ao limite de sua resistência. E se o BCE desesperadamente tentar
evitar uma elevação dos juros de longo prazo — o que faria toda a pirâmide da
astronômica dívida européia entrar em colapso — imprimindo dinheiro, não só os
juros irão subir de qualquer jeito, como o próprio euro pode se esfarelar.
Conclusão
Os globalistas vêm tentando criar um sistema
nacional viável desde as negociações do Tratado de Versalhes, em 1919. Jean Monnet foi o francês
que sempre esteve à frente desse experimento. O "problema" é que foi criada uma
área de moeda única, mas sem uma política fiscal única. Tal arranjo é insustentável. [N. do
E.: na prática, é como se, no Brasil, cada estado tivesse plena liberdade para gastar
e se endividar — algo hoje proibido pelo Lei de Responsabilidade Fiscal —,
com o Banco Central socorrendo cada um deles].
A União Europeia conseguiu a moeda única, mas não
conseguiu um governo único que implantasse uma política fiscal unificada. Desde
então, seus burocratas vêm desesperadamente tentando implantar esse arranjo
centralizador, felizmente sem sucesso. Com a saída do Reino Unido, a situação
ficou ainda pior para eles. Eles ficaram com uma moeda única e um Banco Central
Europeu. Mas o sistema continuará instável enquanto houver moeda única e
legislativos nacionais independentes, cada um criando seu próprio orçamento.
Por isso, o BCE adotou a política de comprar a
espantosa quantia de 1,7
trilhão de euros em títulos governamentais e debêntures de empresas. (Como
esse dinheiro ficou empoçado
no sistema bancário, sem entrar na economia, não houve nenhuma inflação de preços).
Tal programa está previsto para ser extinto em março de 2017. Mas não há nada
que impeça o BCE de prorrogar esse programa por mais tempo.
O BCE simplesmente não tem nenhuma solução para o
euro. Por enquanto, ele está apenas enxugando gelo. Ou, pior ainda, jogando
gasolina no fogo.
O Fed já parou de inflacionar (parou
no início de 2014). Já o BCE continua inflacionando. Olhe o que ocorreu desde então: o euro não mais
se recuperou de seu declínio do início de 2014.

Gráfico 2: preço do euro em dólares, desde janeiro de 2014
A economia europeia segue dependente do BCE. Se o
BCE parar de inflacionar, uma recessão se torna bastante provável. Hoje, as
economias da União Europeia estão frágeis. A remoção dos estímulos monetários poderá
criar uma recessão. Já sua continuidade pode levar ao derretimento do euro e o
fim do sonho político da Europa centralizada.
O BCE está encurralado. A questão é até onde dá para
empurrar o arranjo.
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são hoje a principal fonte de risco e instabilidade à economia mundial
[1] Não confundir globalismo com globalização; globalismo é a política internacionalista, implantada por burocratas, que vê o mundo inteiro como uma esfera propícia para sua influência política.