segunda-feira, 26 set 2016
Recentemente, Paul Krugman descarregou sua bile, em
mais uma de suas típicas diatribes, sugerindo
que a oposição dos libertários — na prática, ele se referia ao Partido
Libertário americano — a regulamentações ambientais era uma receita para o
desastre.
E então entrou em cena o economista Tyler Cowen para
dizer que a realidade é oposta: segundo Cowen, o problema com essa postura
anti-regulação ambiental dos libertários é que ela não é suficientemente pró-poluição.
Cowen explica:
[A
posição de Krugman] é o exato contrário da crítica correta. O principal problema com o libertarianismo
clássico é que tal filosofia não permite nenhuma poluição — ou, no mínimo, não
permite uma poluição mínima.
Na
teoria libertária, a poluição é uma forma de agressão violenta, a qual deveria
ser banida, como o próprio Murray Rothbard insistiu várias vezes.
O
problema é explicar o que, na prática, irá acontecer tão logo todos aqueles
poderosos grupos de interesse começarem a adquirir influência sobre o
governo? Historicamente, sob o estado
mais enxuto que exista no século XIX, eram as grandes empresas que queriam se
ver livres destes imprevisíveis métodos de controle feitos em nível local, os
quais eram resolvidos por meio de litígios.
Consequentemente, elas passaram a favorecer a adoção de um aparato
regulatório mais sistemático, em nível nacional.
É quase certo que a posição da plataforma do Partido
Libertário americano, queiram seus membros admitir ou não, foi baseada neste longo ensaio escrito
por Rothbard sobre poluição e soluções legais.
Escreveu Rothbard:
Todos
devem poder fazer o que quiserem, exceto cometer um ato explícito de agressão
contra a pessoa ou a propriedade de outrem. Apenas este ato deve ser
ilegal, e deve ser passível de ser levado a juízo apenas perante os tribunais
que aplicam o direito da responsabilidade civil, com a vítima ou seus herdeiros
e procuradores conduzindo a ação contra o suposto agressor.
Portanto,
nenhum decreto ou ato administrativo que crie ações ilegais deve ser aceito.
E,
uma vez que qualquer processo em nome da "sociedade" ou do
"estado" é inadmissível, o direito penal deveria ser reduzido a um
direito da responsabilidade civil reformado, que incorporasse as punições.
O
autor de um delito ou criminoso deve ser objetivamente responsável por sua
agressão, sem que se admita uma evasão de responsabilidade fundamentada em
teorias de "negligência" ou de "razoabilidade." No
entanto, a responsabilidade tem de ser provada com base na causalidade objetiva
da ação do réu contra o reclamante, e ela tem de ser comprovada pelo reclamente
para além de qualquer dúvida razoável.
Isso pode parecer insípido e extremamente técnico
quando visto fora de contexto, mas quem ler o ensaio completo de Rothbard
rapidamente entenderá, e de maneira clara, que Rothbard considera a poluição
uma "agressão" em vários casos, de modo que proprietários serão submetidos a um
alto padrão de exigência no que diz respeito à poluição do ar e da água das
propriedades adjacentes. Ou seja, uma
usina termelétrica, que funciona à base da queima de carvão e que despeja
componentes químicos nocivos no ar da vizinhança, seria considerada uma agressora
nesta interpretação de Rothbard, e seria corretamente processada por danos, por
suas vítimas, em uma variedade de circunstâncias.
Neste regime jurídico defendido por Rothbard,
poluidores certamente sofreriam sanções judiciais muito maiores do que sob o atual regime regulatório.
Já Tyler Cowen, por sua vez, parece ter concluído
que o nível "ótimo" de poluição é muito maior do que aquele que um sistema
jurídico rothbardiano toleraria. Em
outras palavras, os rothbardianos são extremamente intolerantes para com a
poluição.
O
problema com a "eficiência" e o "custo social"
Cowen — e vários outros — chegam a essa conclusão
ao adotar uma ideia errada sobre "eficiência" e sobre o "ótimo social". Segundo essa ideia, o estado deveria
determinar qual é o nível de poluição "correto", e em seguida deveria impor uma
legislação estipulando um teto para a quantidade de poluição permitida.
Como Cowen corretamente observa, empresas grandes e
poderosas gostam dessa abordagem porque, de um lado, ela gera previsibilidade,
e, de outro, seus altos custos, embora ruins para essas empresas, impedem o
surgimento de concorrentes menores e menos capitalizados. Adicionalmente, a previsibilidade diminui as
chances de haver longos, custosos e inesperados processos judiciais no futuro.
Consequentemente, a regulamentação ambiental feita
pelo estado entrega exatamente aquilo que empresas grandes e já estabelecidas
querem: altos custos à entrada no mercado de novos concorrentes, e limitação de
custos futuros imprevisíveis.
E como as regulações limitam os custos futuros? Rothbard fornece um exemplo:
Suponha,
por exemplo, que A construa
um edifício que, após ser vendido a B,
imediatamente desabe. A deve
ser imputável por provocar danos à pessoa e à propriedade de B e a responsabilidade deve ser
apurada em juízo, de modo que o tribunal poderá então aplicar as medidas
apropriadas de restituição e de punição.
Mas
se o legislativo impôs normas e inspeções sobre edifícios em nome da
"segurança", construtores inocentes (isto é, aqueles cujos edifícios
não desabaram) sujeitam-se a regras desnecessárias e frequentemente custosas,
sem que o governo precise comprovar crimes ou danos. Eles não cometeram
nenhum delito ou crime, mas estão sujeitos, de antemão, a regras — com frequência apenas remotamente
relacionadas a segurança — impostas por órgãos estatais tirânicos.
Contudo,
um construtor que atenda às normas de segurança e às inspeções administrativas,
mas vê um edifício seu desabar, é, com frequência, inocentado pelos tribunais.
Afinal, ele obedeceu a todas as regras de segurança do governo e, com
isso, recebeu o imprimatur adiantado
das autoridades.
Similarmente, no caso de alguém que polui o ar, o
poluidor pode legalmente jogar veneno no ar até o limite permitido por
lei. Com efeito, em alguns casos, a
responsabilidade civil será explicitamente
limitada por lei, sendo essa uma pré-condição para que novas
regulamentações sejam implantadas.
Quanto a isso, Rothbard também elabora um segundo
ponto. Ele mostra que as regulamentações
giram ao redor dos custos, mesmo para aquelas pessoas que jamais construíram um
prédio que desabou ou cujas obras jamais prejudicaram ninguém. Em outras palavras, regulamentações impõem
custos a todos, inclusive a empreendedores capazes de criar e desenvolver
técnicas de construção inovadoras e seguras, mas que conflitariam com os já
estabelecidos códigos de construção.
Sendo assim, as próprias regulamentações impedem o surgimento de
técnicas que poderiam diminuir acidentes, estragos e poluições.
Em um sistema jurídico genuinamente libertário, os
custos do ar poluído ou de prédios que desabam são arcados exclusivamente por
aqueles que incorreram nessa prática nociva, e não por inocentes, como ocorre
atualmente. E esses custos podem ser imensos.
Compreensivelmente, uma empresa pode preferir um
sistema no qual os custos são maiores, porém previsíveis, a um sistema em que
os custos são potencialmente menores
(se os processos forem evitados), porém muito menos previsíveis.
No entanto, o fato de que algumas empresas
prefeririam este sistema não é uma justificativa para impor este arranjo a todos.
Não obstante, vários economistas e juristas afirmam
que um estado regulatório é preferível a este sistema jurídico libertário
porque um estado regulatório presumivelmente iria permitir "algum nível ótimo
de poluição", mesmo para casos em que as vítimas individuais podem provar que
foram prejudicadas. Ou seja, sob um
sistema jurídico libertário, um pequeno número de pessoas prejudicadas poderia
fechar uma fábrica poluidora, sendo que, por outro lado, "a sociedade em geral"
supostamente se beneficiaria mais com aquela fábrica sendo mantida em
funcionamento.
O fechamento desta fábrica não seria "ótimo" do
ponto de vista da sociedade, dizem estes economistas e juristas. Consequentemente, é necessário haver um
estado regulatório que estimule e proteja empresas que praticam determinadas
atividades econômicas — como a geração de energia por vias térmicas — que
frequentemente geram poluição.
A suposição é que, para alcançar o nível
"socialmente ótimo" ou "eficiente" de energia e tráfego, é necessário criar um
sistema jurídico que possa fazer uma sintonia fina da quantidade de poluição
permitida, e que consiga equilibrar as necessidades de um pequeno número de
pessoas prejudicadas — por exemplo, aquelas que adquiriram câncer em
decorrência da poluição — com as necessidades das outras pessoas que se
beneficiam da existência daquela indústria.
O problema é que, em nível de sociedade, é
impossível fazer o tipo de cálculo que permita "equilibrar" as necessidades de
um grupo em relação às de outro grupo.
E, se isso é impossível, então também é impossível determinar qual é a
quantidade "correta" de poluição para toda a sociedade. No máximo, é possível apenas determinar os
danos causados pela poluição em termos de vítimas específicas em locais e
tempos específicos.
E o motivo por que não é possível calcular o
equilíbrio correto é que o conceito de "custo social" não apenas não pode ser
calculado, como também nem sequer existe.
Como observa Rothbard em seu ensaio "O Mito da Eficiência":
Há
uma grava falácia no próprio conceito de "custo social", ou de qualquer custo
impingido a mais de uma pessoa. Para
começar, se os objetivos são antagônicos, e o produto de um indivíduo ocorre em
prejuízo de outro indivíduo, os custos e os benefícios não podem ser
simplesmente somados para esses dois indivíduos.
Mas,
em segundo lugar, e mais importante, custos são subjetivos para cada indivíduo,
não podendo, portanto, ser nem mensurados quantitativamente e nem, a
posteriori, adicionados, subtraídos ou comparados entre indivíduos. Porém, dado
que os custos são subjetivos, não-somáveis, e não-comparáveis, então,
obviamente, qualquer conceito de custo social, inclusive de custos de
transação, se torna sem sentido.
E,
em terceiro, para cada indivíduo, os custos não são objetivos ou observáveis
para qualquer observador externo. Para
um determinado indivíduo, o custo é subjetivo e efêmero; ele aparece apenas ex
ante, no exato momento anterior ao indivíduo tomar uma decisão. Para um indivíduo, o custo de qualquer
escolha equivale à sua estimativa subjetiva de todas as outras opções das quais
ele abriu mão para fazer essa sua escolha final. Cada indivíduo tenta, a cada escolha,
alcançar seu objetivo principal; para isso, ele sacrifica e abre mão de outros
objetivos, menos importantes em seu ranking de valoração subjetiva, que poderiam
também ser satisfeitos com os recursos disponíveis.
A posição pró-regulação, por outro lado, afirma que
é possível determinar um sistema que, em nível nacional (ou global), determine
o nível aceitável de poluição, e então o impinja sobre todas as pessoas, em
todos os lugares. Aqueles que sofrem com
a poluição despejada por uma fábrica vizinha terão simplesmente de "lidar com
aquilo", pois os reguladores governamentais determinaram que os custos impostos
àquelas vítimas específicas são menores que os benefícios para toda a
sociedade, não sendo portanto suficientes para gerar punições aos poluidores
Sim, há um ponto a partir do qual é possível dizer
que os níveis de poluição se tornaram altos demais, mas tal nível é determinado
tendo em mente a questão do "ótimo social" geral. Ou seja, mesmo que algumas pessoas sofram
danos significativos, podemos concluir que o custo social é pequeno em relação ao
ganho social total, de modo que não seria sensato — ou seria "ineficiente" —
permitir que um pequeno número de prejudicados processo o poluidor e o
expulsasse do mercado.
Os libertários, por sua vez, querem fornecer uma solução
jurídica que solucione os altos custos impostos a um pequeno número de vítimas
específicas, mesmo quando o suposto custo da poluição é "socialmente válido".
Para alguns economistas, isso pode parecer "ineficiente",
mas Tyler Cowen está certo quando diz que a posição dos economistas pró-livre
mercado e pró-propriedade privada é bem menos tolerante à poluição do que a de
intervencionistas como Krugman.
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Leia também:
A posição libertária em relação a empresas que causam mortes e desastres ambientais