Joseph Schumpeter memoravelmente previu que as sociedades
capitalistas seriam destruídas pelo seu próprio sucesso. Para Schumpeter, o capitalismo "inevitavelmente"
se transforma em socialismo.
Seu argumento, de maneira resumida, é o seguinte:
uma economia de mercado, com indivíduos fortemente empreendedores, gera um
grande crescimento econômico e aumenta acentuadamente o padrão de vida das
pessoas. Ironicamente, no entanto, a
sociedade se torna tão próspera e tão inovadora, que passa a ignorar a fonte de
toda a sua riqueza, dando-a como natural, corriqueira e automática. Pior ainda: torna-se abertamente hostil a
ela.
O empreendedorismo e o mercado enriquecem tanto a
sociedade, que as pessoas se esquecem do quão necessária e do quão frágil a
economia de mercado realmente é. Elas até
mesmo começam a acreditar que os mercados — e a ordem social e cultural que
mantém os mercados funcionando — são inferiores à burocracia estatal e ao
planejamento centralizado.
Com o tempo, a sociedade acaba abraçando o
socialismo.
Nas palavras de
Schumpeter:
Os
padrões crescentes de vida e, sobretudo, o lazer que o capitalismo moderno põe
à disposição das pessoas que têm emprego e renda. . . bem, não há necessidade
de terminar esta sentença e nem de elaborar aquele que é um dos argumentos mais
verdadeiros, antigos e enfadonhos. O progresso secular, o qual é visto como
algo natural e automático, em conjunto com a insegurança individual, que
alimenta a inveja, é naturalmente a melhor receita para alimentar a inquietação
social.
Entretanto, todo esse processo de transformação requer
mais do que apenas a acumulação de riqueza: alguém tem de ativamente insuflar
hostilidade às instituições da economia de mercado. Esse papel é desempenhado pelas classes intelectuais,
que frequentemente abrigam um profundo ressentimento em relação às instituições
empreendedoriais.
Os intelectuais incitam descontentamento entre um
crescente número de pessoas cuja riqueza, em última instância, depende da
produtividade do empreendedorismo, mas que, na prática, vivem majoritariamente fora
da concorrência do mercado. Pessoas mais
jovens são particularmente mais vulneráveis a esse preconceito anti-mercado, o
qual é normalmente instilado por meio de escolas e faculdades. Entretanto, embora seja verdade que há uma
ideologia explicitamente anti-mercado na educação superior, há também outras e
mais sutis maneiras de fazer com que as mentes mais jovens, ao longo de todo o período
escolar, se voltem contra os ideais de uma sociedade livre.
Quando o ensino superior se mostra incapaz de transmitir
o conhecimento e as habilidades necessários para que uma pessoa seja
bem-sucedida no mercado, isso acaba fazendo com que os estudantes adquiram uma
forte desconfiança em relação a todo o sistema econômico, o qual eles acreditam
estar subestimando seus talentos e no qual eles não conseguem se inserir.
[N. do E.: Eis como funciona: o
estado determina que você tem de ter um diploma caso queira seguir uma
determinada carreira. Você, então, passa a ser obrigado a perseguir um
curso superior. Uma vez na faculdade, sua esperança é que, dali pra
frente, o futuro será promissor, uma vez que sua reserva de mercado estará
garantida.
E então o futuro chega e, decepção, a coisa não é
nada auspiciosa.
As regulamentações e burocracias governamentais
criaram um mercado de trabalho fechado e rígido. A alta carga tributária e
todos os encargos
sociais e trabalhistas não permitem que os salários sejam altos. Você, no
máximo, encontra um emprego que paga um pouco melhor que um estágio, porém que
exige muito mais; e, na maioria das vezes, você descobre que não é bem aquilo
que queria. Você se sente enganado.
Começa então a gritar por
"direitos". Começa a pensar que, só porque cursou faculdade e
tem um diploma, tem "direito" a emprego e salário bons. Porém,
assim como você, há vários outros na mesma situação. E o mercado de
trabalho é regulado demais para conseguir absorver toda essa mão-de-obra.]
Schumpeter explica de maneira
sucinta e brilhante:
O
indivíduo que passou por uma faculdade ou universidade torna-se, com muita
facilidade, intelectualmente inempregável em ocupações manuais. Para conseguir emprego em ocupações manuais,
ele tem antes de adquirir experiência prática nesse setor. Sua incapacidade de obter esse emprego pode
ser devida à falta de habilidade natural — perfeitamente compatível com a
aprovação nas universidades — ou a um ensino deficiente.
E
ambos os casos ocorrerão, de maneira absoluta ou relativa, com mais frequência
à medida que um número cada vez maior de pessoas tiver acesso à educação
superior e à medida que volume de coisas a serem ensinadas aumentar sem levar
em conta o número de verdadeiros eruditos que a natureza pode produzir.
Se a educação superior não levar em conta a oferta
de e a demanda por habilidades práticas e úteis, ela irá produzir formandos que
naturalmente irão engrossar o coro da classe intelectual, trazendo consigo
sentimentos de alienação e insatisfação:
Todos
aqueles que estiverem desempregados, ou que estiverem insatisfatoriamente
empregados, ou que forem inempregáveis tenderão a buscar emprego naqueles ofícios
em que os padrões são menos definidos ou em que aptidões e conhecimentos de
outro tipo têm mais valor.
Estes
frustrados irão engrossar as fileiras de intelectuais, no exato sentido do
termo, cujos números crescem desproporcionalmente. Eles entram nessas fileiras
com um estado de espírito absolutamente antagonístico. O descontentamento dá
origem ao ressentimento, o qual, muitas vezes, racionaliza-se e transforma-se
em crítica social. Essa crítica, como vimos acima, é uma demonstração da
atitude típica do intelectual (que se transforma em um mero expectador) em
relação a pessoas, classes e instituições, especialmente em uma civilização
racionalista e utilitarista.
Com efeito, o argumento de Schumpeter faz ainda mais
sentido em um contexto de intervencionismo do que em uma sociedade genuinamente
livre. Quando o setor público se
expande, empreendedores são, ao mesmo tempo, expulsos do mercado e culpados
pelos problemas econômicos criados pelo estado.
[N. do E.: quanto maior for o governo, maiores serão
seus gastos. Quanto maiores forem seus gastos, maiores terão de ser os
impostos e o endividamento do governo. Quanto maiores forem os impostos,
menores serão os incentivos ao investimento e à produção. Quanto maior
for o endividamento do governo, maiores serão as oportunidades perdidas em investimentos
que não puderam ser feitos (porque o governo se apropriou desse dinheiro que
poderia ter sido emprestado para o setor privado), maiores serão os gastos com
juros, e maior terá de ser a carga tributária para arcar com esses gastos com
juros. Veja detalhes neste artigo].
Ainda mais importante, à medida que o
intervencionismo e o escopo do estado se expandem, as "virtudes burguesas" que
sustentam uma sociedade livre desaparecem. Por que você vai abrir uma
padaria, um restaurante, um comércio ou uma atividade de serviços se você pode
se tornar um burocrata bem pago trabalhando em uma repartição pública?
Por que uma pessoa qualificada vai querer fazer algum estágio em uma firma de
engenharia se o governo abriu vários concursos públicos que prometem salários
nababescos e estabilidade no emprego? Enfim, por que se arriscar no setor
privado, sofrendo cobranças e tendo de apresentar eficiência, se você pode
simplesmente ganhar muito no setor público, tendo estabilidade no emprego e sem
ter de apresentar resultados?
Com um estado inchado, a acumulação de riqueza passa
a ocorrer por meio de
privilégios legais (rent-seeking, na
linguagem da Escola da Escolha Pública), de parasitismo e de redistribuição,
e não por meio da genuína
satisfação dos consumidores. Empreendedores,
agora protegidos pelo estado das vicissitudes do mercado, blindados contra o sistema de lucros e prejuízos
imposto pelo mercado, perdem contato com a divisão do trabalho e sua
filosofia de inovação e criação de riqueza.
Esse caminho leva ao desastre.
No entanto, ao contrário do que diz Schumpeter, o
socialismo não é inevitável. Como Mises
nunca se cansou de argumentar, a liberdade pode triunfar, mas, para isso, é necessário
vencermos a batalha das idéias. Porém,
essa batalha só pode ser vencida por meio da lógica cuidadosa, da exposição clara
do pensamento e de um firme compromisso para com a difusão pacífica da verdade,
mesmo que outros sejam hostis a ela. Isso
significa conceder aos opositores da liberdade a mesma tolerância que eles
frequentemente negam aos defensores da liberdade.
Nas palavras de Mises:
Contra
tudo o que é estúpido, absurdo, errôneo e mau, o liberalismo luta com as armas
do pensamento, não com a força bruta e a repressão.