quarta-feira, 15 abr 2015
O candidato derrotado à presidência do Brasil, Aécio Neves, parece falar em nome de
muitos dos seus compatriotas quando diz que o PT e a presidente Dilma Rousseff
utilizaram dinheiro roubado para derrotá-lo nas eleições presidenciais
ocorridas no país em outubro de 2014.
No
mês passado, em uma entrevista concedida a mim, em Lima, perguntei ao senhor
Neves — que é presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) —
se ele atribuía sua derrota nas eleições ao fato de o socialismo proposto pela senhora
Rousseff, que é da esquerda linha-dura, possuir maior apelo entre os
brasileiros do que o programa do PSDB, que era um pouco mais amigável ao
mercado.
Ele
negou essa possibilidade. Segundo ele
próprio, ele perdeu por causa de um "crime organizado".
O
senhor Neves, ex-governador do estado de Minas Gerais, não estava se referindo
à máfia. Ele estava falando sobre um
esquema de corrupção implantado no núcleo da Petrobras, a empresa estatal de
petróleo do país. Promotores afirmam que
empreiteiras contratadas pela Petrobras participaram de um esquema de
superfaturamento envolvendo a diretoria da empresa e partidos políticos da base
aliada do governo (no Brasil, os partidos da base aliada indicam políticos para
a diretoria de operações da empresa).
Nesse
esquema, as empreiteiras superfaturavam os preços de suas obras, a Petrobras
pagava o valor superfaturado para as empreiteiras, e estas, em troca, remetiam
uma fatia desse dinheiro superfaturado — cujo valor total, estima-se, chega a
30 bilhões de dólares — para políticos de partidos da base aliada do governo,
entre eles o PT, como forma de agradecimento pelo superfaturamento. Isso destruiu o capital da Petrobras.
O
PT gastou
uma assombrosa quantia de dinheiro na campanha eleitoral para vencer as
eleições, e parece estar cada vez mais claro que ele só conseguiu fazer essa
gastança por causa dos milhões que recebeu ilegalmente desse esquema de
corrupção na Petrobras. Se isso se
comprovar verdade, isso foi de fato um crime, e muito bem organizado.
E
os escândalos continuam surgindo a uma velocidade arrepiante. É como se a cada fiapo que você puxasse em um
cobertor, ele se levantasse e revelasse não somente um, mas vários esquemas
ilícitos que estavam escondidos.
E
o grande risco é que, mesmo com novos esquemas de corrupção sendo revelados
quase que semanalmente, a população brasileira não aprenda a mais importante
das lições: sim, a justiça deve punir os corruptos, mas o que realmente gerou
toda essa bagunça foi o tamanho do estado
brasileiro, cujo poder e gigantismo abrangem todos os setores da economia
brasileira.
Com
um estado que intervém em todos os setores da economia, e que controla
diretamente várias empresas, de nada adianta você apenas trocar indivíduos
corruptos por indivíduos "mais honestos".
Isso não irá eliminar as causas da corrupção.
No
Brasil, empresas estatais são controladas por políticos. Consequentemente, a tentação de utilizar a
dinheirama que passa por essas estatais — principalmente nos momentos em que
os preços das commodities estão em ascensão e o dinheiro se torna farto —
sempre será irrefreável. Esperar que
políticos não se aproveitem desses recursos é como imaginar que a raposa
gerenciará sensatamente um galinheiro repleto de galinhas gordas.
[Nota do IMB: esse esquema entre
estatais e empreiteiras, envolvendo superfaturamento, fraudes em licitações e
desvio de recursos das estatais para o pagamento de propina a políticos é tão
antigo e tão básico, que é impressionante que apenas agora as pessoas
demonstrem surpresa com ele.
Toda
a esquisitice já começa em um ponto: por que os políticos disputam
acirradamente o comando das estatais? Por que políticos reivindicam a
diretoria de operações de uma estatal? Que políticos comandem
ministérios, vá lá. Mas a diretoria de operações de estatais é um corpo
teoricamente técnico. Por que políticos? Qual a justificativa?
Quem
acompanha o jornalismo político já deve ter percebido que os partidos políticos
que compõem o governo federal não se engalfinham tanto na disputa de
ministérios quanto se engalfinham na disputa para a diretoria de
estatais. É óbvio. É nas estatais que está o butim. As obras
contratadas por estatais são mais vultosas do que obras contratadas por
ministérios. O dinheiro de uma estatal é muito mais farto. E,
quanto mais farto, maior a facilidade para se fazer "pequenos"
desvios.
Isso,
e apenas isso, já é o suficiente para entender por que políticos e
sindicalistas são contra a privatização de estatais. Estatais fornecem
uma mamata nababesca.
Quando
políticos e sindicalistas gritam "o petróleo é nosso", "o minério
de ferro é nosso", "a telefonia é nossa", "a Caixa é
nossa", eles estão sendo particularmente honestos: aquele pronome
possessivo "nosso" se refere exclusivamente a "eles", os
únicos que ganham com todo esse arranjo.
Mas
a necessidade de privatização das estatais não está apenas no campo
ético. Há também argumentos técnicos e econômicos.
Em
primeiro lugar, em qualquer empresa que tenha como seu maior acionista o
Tesouro nacional, a rede de incentivos funciona de maneiras um tanto
distintas. Eventuais maus negócios e seus subsequentes prejuízos ou
descapitalizações serão prontamente cobertos pela viúva — ou seja, por nós,
pagadores de impostos, ainda que de modos rocambolescos e indiretos.
Os
problemas de haver empresas nas mãos do estado são óbvios demais: além de o
arranjo gerar muito dinheiro para políticos, burocratas, empreiteiras ligadas a
políticos, sindicatos e demais apaniguados, uma empresa ser gerida pelo governo
significa apenas que ela opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de
lucros e prejuízos.
Todos
os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o
dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Uma estatal não
precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos,
oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.
Por
que se esforçar para ser eficiente se você sabe que, se algo der errado, o
Tesouro irá fazer aportes?
O
interesse do consumidor — e até mesmo de seus acionistas, caso a estatal tenha
capital aberto — é a última variável a ser considerada.]
Se
a senhora Rousseff está sendo honesta ou não quando diz que não sabia de nada
sobre esse esquema de corrupção na Petrobras, é o de menos. Seu maior problema, como o senhor Neves
deixou implícito, é que as acusações colocaram em cheque a legitimidade de sua
apertada vitória nas eleições (por uma margem de aproximadamente 3%). Enquanto seu partido luta para rebater as
acusações, e alguns de seus mais importantes membros estão
sendo presos, a senhora Rousseff já está sem moral para governar.
No
dia 15 de março, um número estimado em 1,5 milhão de brasileiros foi à ruas, em
todo o país, para protestar contra o governo.
Uma recente pesquisa do Datafolha mostra
que 60% da população consideram o governo da senhora Rousseff "ruim" ou "péssimo".
Se
a economia estivesse pujante, a reação pública a essas revelações de corrupção
poderia ser diferente. Só que essa crise
política não poderia ter vindo em pior momento para o bolso dos
brasileiros. A inflação de preços
acumulada em 12 meses está em 8,13%, a moeda se desvalorizou acentuadamente
no mercado mundial, a economia ficou parada
em 2014, e estima-se que, em 2015, ela encolherá mais
de 1%.
A
senhora Rousseff nomeou para o Ministério da Fazenda o economista Joaquim Levy,
formado em Chicago e com boa reputação no mercado financeiro. Até o momento, seu plano de governo se resume
a um retorno à disciplina fiscal. Só que
ele precisará da ajuda dos aliados do PT — dentre eles o poderoso Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) — no Congresso. Por ora, eles têm se mostrado relutantes; e,
quando aceitam ajudar, a senhora Rousseff tem de arcar com o custo político do ajuste. Logo, mesmo que o senhor Levy seja
bem-sucedido em ajustar as contas do governo, a popularidade da senhora
Rousseff pode não se recuperar.
Os
escândalos de corrupção tendem a se arrastar por causa de seu tamanho e
complexidade. No mês passado, o tesoureiro
do PT, João Vaccari, foi acusado de solicitar as "doações" das empreiteiras —
com o dinheiro da Petrobras — para o partido.
Em um depoimento perante um comitê há duas semanas, o senhor Vaccari
negou qualquer transgressão. [Nota
do IMB: e hoje ele foi preso].
Um
dos principais problemas para a Petrobras foi o fato de o governo ter proibido
a participação de empresas estrangeiras nos processos de licitação. Isso incentivou um cartel das empreiteiras
nacionais, todas elas protegidas pelo governo.
O Ministério Público já acusou três ex-presidentes da Petrobras [José
Eduardo Dutra, Sergio Gabrielli e Maria das Graças Foster] e mais vários outros
presidentes de grandes empreiteiras brasileiras [Camargo Corrêa, OAS,
Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e
IESA Óleo & Gás] pelo crime de corrupção e lavagem de dinheiro. Há também quase 50 políticos pertencentes a
vários partidos sob investigação.
Os
protestos contra a corrupção são um indicador da vitalidade da sociedade civil
brasileira. A independência do
judiciário também é uma boa notícia. O
pequeno time de promotores é bem treinado.
Um trabalho investigativo de alta qualidade vem sendo feito não obstante
os poderosos indivíduos envolvidos. Em
um país que vem sofrendo para acabar com a impunidade, isso é um grande feito.
Mas
não é o bastante. A questão premente
ainda segue intocada: quando a classe política se envolve na gerência de
empresas, a corrupção se torna institucionalizada. Punir os escroques é necessário, mas ainda
insuficiente. O grande problema a ser
atacado, e que é a causa de tudo, é o fato de o governo ser o dono de empresas.