segunda-feira, 10 mar 2014
Há pouco menos de um ano decidi estudar a fundo o fenômeno
Bitcoin e suas implicações na sociedade. O ceticismo e a desconfiança inicial logo
deram lugar ao fascínio e à admiração. À época, em uma série de
artigos sobre o Bitcoin,
concluí que "o projeto Bitcoin era revolucionário, sem precedentes e tinha o
potencial de mudar o mundo de uma forma jamais vista". Passados todos esses
meses, posso afirmar sem dúvida alguma que essa conclusão foi reforçada ainda
mais.
Esse período de estudo e investigação sobre o Bitcoin — que
me forçou a entender melhor não somente a nascente moeda digital, ou
criptomoeda, mas também a própria noção de dinheiro — acabou culminando em uma
obra completa, o primeiro livro em língua portuguesa sobre o fenômeno e o mais
novo lançamento do Instituto Mises Brasil. Em Bitcoin — a moeda
na era digital, procurei introduzir e explicar o funcionamento da nova
moeda, além de contar um pouco da história dessa inovação e o contexto de seu
nascimento.
Mas acredito que a contribuição mais original e mais
importante seja a parte densa do livro em que aplico o ferramental teórico da
Escola Austríaca de economia para analisar o Bitcoin. Por fim, dedico a última
parte da obra à ideia de liberdade monetária e de como o Bitcoin se enquadra
nesse ideal.
A verdade é que o Bitcoin é a maior inovação tecnológica
desde a internet, é revolucionário, é sem precedentes e, reitero, realmente tem
o potencial de mudar o mundo de uma forma jamais vista. À moeda, ele é o
futuro. Ao avanço da liberdade
individual, é uma esperança e uma grata novidade.
Acesse aqui
a biblioteca do IMB para baixar o livro gratuitamente. Ou, se preferir, o livro
também pode ser adquirido nas principais
livrarias
do país.
Publicamos abaixo o belo prefácio escrito por Jeffrey
Tucker.
Boa leitura,
Fernando Ulrich
__________________________________________
Bitcoin, a nova moeda
internacional
por
Jeffrey Tucker
Por muitos séculos, a moeda de cada país possuía nomes
distintos — dólar, marco, libra, franco — para essencialmente a mesma coisa:
uma commodity, geralmente ouro ou
prata.
Cada moeda nacional era meramente um nome para um
determinado peso de ouro. O dólar, por
exemplo, foi definido como sendo 1/20 de uma onça de ouro, a libra esterlina
como um pouco menos de 1/4 (exatamente 0,2435) de uma onça de ouro, e por aí
vai.
Tais metais — ouro e prata — haviam sido voluntariamente selecionados
pelo mercado em decorrência de suas propriedades únicas que eram particularmente
adequadas à função monetária: durabilidade, divisibilidade, facilidade de
reconhecimento, portabilidade, escassez (dificuldade de ser produzido em
excesso) e uma razão valor/peso que não é nem muito alta e nem muito baixa.
Esse universalismo da moeda serviu muito bem ao mundo porque
promovia o livre-comércio, auxiliava os comerciantes no cálculo econômico, e impunha
um freio sólido e confiável ao poder dos governos. Ela limitava o impulso
nacionalista.
Duas formas de nacionalismo arruinaram o sistema monetário
antigo. Os próprios países descobriram
que o melhor meio para aumentar o próprio poder era pela depreciação do
dinheiro, o que acabava se mostrando menos doloroso e mais opaco do que o
método tradicional de tributar a população. Para escaparem imunes desse
processo, governos promoviam zonas cambiais, protecionismo e controle de
capitais, desta forma removendo um elemento do crescente universalismo do mundo
antigo.
Então, no início do século XX, os governos nacionalizaram a
própria moeda, removendo-a do setor das forças competitivas de mercado. Os bancos centrais foram, nesse sentido, uma forma de socialismo,
mas de uma variedade especial. Os governos
seriam os arbitradores finais no destino do dinheiro, mas a gestão diária da
oferta monetária ficaria à cargo de um cartelizado sistema bancário de reservas
fracionárias, que agora contava com uma garantia de proteção contra falências —
garantida pelos Bancos Centrais e pelos governos, e à custa da população.
Este novo poder de criar moeda foi imediatamente posto em
prática durante a Primeira Guerra Mundial.
Foi a primeira guerra internacional da história que obrigou toda a
população a fazer parte de seu esforço, e que foi financiada por um endividamento
estatal lastreado neste novo e mágico poder dos governos de usar o sistema
bancário para criar receitas por meio da simples criação de dinheiro.
Surgiu uma oposição intelectual a essas políticas nefastas durante
o período entre-guerras. Os economistas austríacos lideraram a batalha em prol da
reforma. A não ser que alguma coisa
fosse feita para desnacionalizar e privatizar o dinheiro, alertaram eles, o
resultado seria uma série infinita de ciclos econômicos, guerras, inflações
catastróficas, e a contínua ascensão do estado leviatã. Suas previsões foram
assustadoramente precisas, mas não são motivo de satisfação, pois foram
impotentes para impedir o inevitável.
No decorrer do século, a maior parte dos bens e serviços melhorou
em qualidade, mas a qualidade da moeda — agora removida das forças de mercado —
apenas piorou. Sob o controle do estado,
o dinheiro tornou-se o catalisador do despotismo.
Durante todas essas décadas, lidar com esse problema foi
algo que intrigou os economistas. A moeda tinha de ser reformada. Mas o governo e os cartéis bancários não tinham
nenhum interesse nessa empreitada. Eles se
beneficiavam desse sistema infausto.
Várias conferências foram realizadas e centenas de livros
foram publicados incitando uma restauração do antigo universalismo do
padrão-ouro. Os governos, porém, ignoraram.
O impasse tornou-se particularmente
intenso depois de os últimos
vestígios do padrão-ouro serem eliminados na década de 1970. Mentes brilhantes tinham prateleiras repletas
de planos de reforma, mas tudo o que tais planos conseguiram foi acumular pó.
Tal era a situação até 2008, quando então Satoshi Nakamoto
tomou a iniciativa incrível de reinventar a moeda na forma de código de
computador. O resultado foi o Bitcoin,
introduzido ao mundo no formato menos promissor possível. Nakamoto lançou-o com
um white paper em um fórum aberto: "Aqui
está uma nova moeda e um sistema de pagamento. Usem se quiserem."
Para sermos justos, já haviam ocorrido tentativas prévias de
projetar tal sistema, mas todas fracassaram por uma das seguintes razões:
1) eram normalmente propriedade de alguma empresa comercial
e, portanto, já nasciam com os vícios da centralização; ou
2) não superavam o chamado problema do "gasto duplo".[1]
O Bitcoin, por outro lado, era absolutamente não
reproduzível e construído de tal modo que seu registro histórico de transações possibilitava
que cada unidade monetária fosse conciliada e verificada no decorrer da
evolução da moeda. Ademais, e o que era
essencial, a moeda residia em uma rede de código-fonte aberto, não sendo
propriedade de ninguém em particular, removendo desta maneira o problema de um
ponto único de falha.
Havia outros elementos também: a criptografia, uma rede
distribuída, e um desenvolvimento contínuo tornado possível por meio de
desenvolvedores pagos pelos serviços de verificação de transações por eles
providos.
Dificilmente se passa um dia sem que eu — assim como muitos
outros — não me maravilhe com a formidável genialidade desse sistema; tão
meticuloso, tão aparentemente completo, tão puro. Muitas pessoas, até mesmo economistas da
Escola Austríaca, estavam convencidas da impossibilidade de reinventar o
dinheiro em bases privadas (F. A. Hayek foi a grande exceção, tendo sugerido a ideia ao redor
de 1974). Entretanto, tornou-se um
fato inegável que o Bitcoin existia e obtinha um valor de mercado. Dois anos após ter sido lançado ao mundo, o Bitcoin
atingiu a paridade com o dólar americano — algo imaginado como possível por
muito poucos.
Hoje, reverenciamos o acontecimento. Temos diante de nós uma moeda
internacional emergente, criada inteiramente pelas forças de mercado. O sistema está sendo reformado não porque os
Bancos Centrais o desejem, nem por causa de uma conferência internacional, ou tampouco
porque um grupo de acadêmicos se reuniu e formulou um plano. Ele está sendo
reformado de fora para dentro e de baixo para cima, baseado nos princípios do
empreendedorismo e das trocas de mercado.
É realmente incrível o quanto todo o processo que se
desenrola diante de nosso testemunho se conforma ao modelo delineado pela
teoria da origem do dinheiro de Carl Menger. Há apenas uma diferença, que surpreendeu o
mundo: a base do valor do Bitcoin jaz não no seu uso prévio no escambo,
conforme Menger descreveu, mas sim no seu uso atual como um sistema de
pagamento. Quão privilegiados somos de
testemunhar esse acontecimento no nosso tempo!
E qual é o potencial? O Bitcoin tem todas as melhores
características do melhor dinheiro, sendo escasso, divisível e portátil. No entanto, ele vai além: por ser ao mesmo
tempo "sem peso e sem espaço", ele representa exatamente o ideal monetário —
ele é incorpóreo. Isso possibilita a
transferência de propriedade a despeito da geografia a um custo virtualmente
nulo e sem depender de um terceiro intermediário, desta forma contornando todo
o sistema bancário, o qual foi completamente subvertido pela intervenção
governamental.
Assim, o Bitcoin não apenas propicia a perspectiva de
restaurar a solidez e o universalismo do padrão-ouro do mundo antigo, como também
tem o poder de aprimorá-lo pelo fato de existir fora do controle direto do
governo. Isto é, repito, digno de
admiração.
Muitos têm alertado que governos não tolerarão que o sistema
monetário seja reformado por um punhado de cyberpunks e seu "dinheiro mágico de
internet". Certamente haverá
intervenções. Haverá regulações. Haverá taxações. Haverá também tentativas de controlar. Mas olhemos a história recente. Governos tentaram impedir e acabaram por
nacionalizar os correios. Tentaram impedir
o compartilhamento de arquivos. Tentaram
acabar com a pirataria. Tentaram também
suspender a distribuição online de fármacos. Tentaram acabar com o uso, a fabricação e
distribuição online de drogas. Tentaram gerenciar
e controlar o desenvolvimento de softwares por meio de patentes e leis
antitruste. Se tentarem barrar ou até
mesmo controlar uma criptomoeda, não terão êxito. Serão novamente derrotados
pelas forças de mercado.
E aqui está a ironia. A forma mais direta com a qual os governos
podem controlar o Bitcoin é intervindo na conversão entre a moeda digital e as
moedas nacionalizadas. Quanto mais eles
intervêm, mais eles incentivam os indivíduos a adotar o Bitcoin e a permanecer em
seu ecossistema. Todas essas tentativas
poderiam acabar alimentando o mercado. Mas
há outras razões, além dessa consideração, que fazem de uma criptomoeda algo
irreversível: taxas de transações praticamente nulas, segurança, proteção
contra fraude, velocidade, privacidade e muito mais. Bitcoin é simplesmente uma tecnologia
superior.
Cem anos atrás, o desenvolvimento e o gerenciamento da moeda
foram retirados das forças concorrenciais do mercado e entregues às mãos de políticos
e burocratas. As consequências foram guerra,
instabilidade econômica, perda do poder de compra, furto insidioso da poupança
dos cidadãos, exploração em massa e a explosão do poder e tamanho dos estados
ao redor de todo o mundo. A criptomoeda não
apenas proporciona a perspectiva de reverter essas tendências, como também a de
desempenhar um papel crucial na construção de um novo mundo de liberdade.
O que podemos aprender com a recente história do Bitcoin? Seja honesto: praticamente ninguém pensou que
isso seria possível. Os mercados
provaram o contrário. A lição nos ensina
a sermos humildes, a olharmos para além do nosso quadrado, e a estarmos dispostos
a sermos surpreendidos, deferindo aos resultados da ação humana. E, principalmente, a sempre esperarmos que o
mercado irá entregar muito mais do que jamais imaginamos ser possível.
Por tudo isso é tão importante o livro que você tem agora em mãos. Publicado pelo prestigioso
Instituto Ludwig von Mises Brasil, nesta obra Fernando Ulrich explica o
funcionamento e o potencial do Bitcoin em relação ao futuro da moeda, da
política nacional e da própria liberdade humana.
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[1]
Até a invenção do Bitcoin, em 2008, transações online sempre requereram um
terceiro intermediário de confiança. Por exemplo, se Maria quisesse enviar $100
a João por meio da internet, ela teria que depender de serviços de terceiros
como PayPal ou Mastercard. Intermediários como o PayPal mantêm um registro dos
saldos em conta dos clientes. Quando Maria envia $100 a João, o PayPal debita a
quantia de sua conta, creditando-a na de João. Sem tais intermediários, um
dinheiro digital poderia ser gasto duas vezes.
Imagine que não haja intermediários com registros
históricos, e que o dinheiro digital seja simplesmente um arquivo de
computador, da mesma forma que documentos digitais são arquivos de computador.
Maria poderia enviar a João $100 simplesmente anexando o arquivo de dinheiro em
uma mensagem. Mas assim como ocorre com um e-mail, enviar um arquivo como anexo
não o remove do computador originador da mensagem eletrônica. Maria reteria a
cópia do arquivo após tê-lo enviado anexado à mensagem. Dessa forma, ela
poderia facilmente enviar aos mesmos $100 a Marcos. Em ciência da computação,
isso é conhecido como o problema do "gasto duplo", e, até o advento
do Bitcoin, essa questão só poderia ser solucionada por meio de um terceiro de
confiança que empregasse um registro histórico de transações.