"Classe
média é o atraso de vida! A classe média é a estupidez! É o que tem de
reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista," grita
Marilena Chauí. A audiência aplaude. Discursando no Centro Cultural São Paulo
no dia 13 de maio para o lançamento do livro
Lula e Dilma, Marilena
Chauí admite que sua oposição à classe média é motivada menos por massa
cinzenta e mais pelas glândulas salivares: "Por que eu defendo esse ponto de
vista? Não é só por razões teóricas e políticas. É porque eu odeio a classe
média!" Segue o vídeo:
Para
uma marxista como Marilena Chauí, a divisão da sociedade em classes com
interesses irreconciliáveis não pode se reduzir a uma sopa de letrinhas
A-B-C-D. Chauí não está defendendo a estagnação econômica do trabalhador
brasileiro. O que ela critica em coerência com o marxismo clássico é considerar
qualquer melhoria no padrão de vida da classe trabalhadora como a transição
para uma nova classe social.
Para
um marxista, tratar o aumento quantitativo da renda como se fosse um salto
qualitativo de classe seria como se, para um racista, um negro se tornasse
branco apenas porque se mudou para o Leblon.
Em
vez de se olhar para a renda, as classes deveriam ser categorizadas por outros
critérios, como sua posição em relação aos meios sociais de produção. Para
realmente subir de classe, um trabalhador precisaria se apropriar dos meios de
produção que exploram sua mão de obra e passar a extrair mais valia de outros
trabalhadores. Mas se essa mobilidade vertical for generalizada, se todos os
dias um grande número de trabalhadores virarem empresários, a teoria de luta de
classes socialista perde seu sentido.
É
difícil para um marxista aceitar que, em vez de ler Das Kapital e
assistir às palestras da Marilena Chauí, os pobres brasileiros estão abrindo
seus próprios negócios. E essa insubordinação ao status proletário está
acontecendo nas regiões mais pobres das cidades brasileiras. Apenas nas favelas
consideradas pacificadas, o Sebrae-RJ formalizou
cerca de 1.700 empresas só em 2011. Não é pouca coisa em termos absolutos,
mas trata-se de uma pequena fatia do capitalismo que está subindo os morros. O
Sebrae-RJ estimava em 2012 que 92% dos negócios nas favelas continuavam atuando
na informalidade.
O
Complexo do Alemão no Rio quer ir mais longe e construir seu próprio templo
capitalista: um shopping center em plena favela. Segundo o site da BBC,
Orçado
em cerca de R$ 22 milhões, o novo centro comercial deve abrigar 500 lojas e tem
previsão de inauguração para novembro. As obras ainda não começaram e o local
exato onde será instalado o shopping ainda é incerto, mas uma característica já
faz com que ele seja diferente dos mais de 800 empreendimentos do tipo
espalhados pelo Brasil: 60% das lojas serão comandadas por moradores da favela.
Ao
se tornarem seus próprios patrões em busca do lucro, esses moradores estão
formando uma nova classe média. Da próxima vez que vier a BH, coloco-me à disposição para levar Chauí
ao Oiapoque. Talvez
vendo de perto, ela deixe pra lá essa mania de chamar o sujeito que cria
empregos e aumenta o poder aquisitivo dos pobres de "reacionário, conservador,
ignorante, petulante, arrogante, terrorista." Olha só a cara desses
terroristas:
Será
que o ódio de Marilena Chauí pela classe média é maior que seu amor pelos
pobres? Se sim, as notícias de empreendedorismo na favela devem soar como um
arrastão de mais valia. Quando uma pessoa deixa de ser uma empregada vivendo de
salário e passa a ser uma empregadora vivendo de lucro, ela está traindo o
processo do historicismo materialista.
Quando
Andreia Miranda monta uma venda de souvenires no Morro Dona Marta, quando
Cristina da Silva Oliveira abre um albergue no Morro Chapéu-Mangueira, quando
Carolina Pacheco dos Santos inaugura um café no Morro da Providência, cada uma
delas está se distanciando do proletariado e se aproximando da burguesia. Essas
mulheres estão se tornando potenciais inimigas da humanidade.
A
popularização das ideias marxistas prega a condenação dos pobres ao
trabalhismo. Dentro do materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels,
o trabalho humano se estabelecia como o patamar supremo alcançado pela evolução
natural darwinista. Enquanto os demais animais já nascem com os instrumentos de
sobrevivência em sua constituição física, a espécie humana precisa trabalhar
para fabricar seus próprios instrumentos. O marxismo, em sua versão popular,
substitui o homo economicus fechado na maximização de seu
próprio bem-estar pelo homo proletarius fechado na sua
condição de trabalhador.
A
ideia de homo proletarius pode amarrar os pobres à imobilidade
social do trabalhismo. Ela atribui a riqueza dos ricos à exploração, selando
com vácuo ideológico o ar de empreendedorismo que os pobres precisam para
deixar de ser pobres. Apenas rico pode empreender. Os pobres podem apenas
trabalhar.
A
retórica anti-empreededorismo faz mais mal ao pobre do que ao rico. Porque
mesmo o rico marxista não vai jogar fora a oportunidade de se preparar para o
mercado, de continuar os negócios da família ou de investir em ações. Essa instrução
de como navegar pelo capitalismo já vem de casa.
Mas
o pobre costuma ser pobre em parte porque sua família não soube como sair da
pobreza. O caminho ao enriquecimento não é o trajeto que o pobre faz de mãos
dadas com seus pais. É uma trilha nova que precisa ser desbravada. Quando
jogamos os pobres contra o empreendedorismo, contra a classe média, estamos
privando-lhes de oportunidades do crescimento econômico e social. Como diz Thomas
Sowell em The Quest
for Cosmic Justice, o anticapitalismo priva os pobres de adquirirem capital
humano:
Para
os atualmente menos afortunados membros da sociedade, os custos da inveja podem
ser especialmente altos quando ela faz desviar seu intelecto e sua energia. Nas
áreas em que as pessoas mais pobres carecem de capital humano — habilidades,
educação, disciplina, visão —, uma das fontes para adquirir essas coisas são
as pessoas que prosperaram por essas formas de capital humano. Isso pode
acontecer diretamente através da aprendizagem, conselhos, ou tutela formal, ou
pode acontecer indiretamente através da observação, imitação e reflexão.
No
entanto, todas estas formas de fazer avançar a sair da pobreza podem acabar
queimadas por uma ideologia de inveja que atribui a maior prosperidade dos
demais à "exploração" de pessoas como eles mesmo, à opressão, ao preconceito,
ou a motivos indignos, como "ganância", racismo etc. A aquisição de capital
humano, em geral, parece fútil sob esta concepção e a aquisição de capital
humano dos exploradores, dos avarentos, e dos racistas especialmente
desagradável.
"O
trabalho não é um recurso especificamente humano", dizia Ludwig von Mises,
"é o que o homem tem em comum com todos os outros animais."
Mises
se opunha ao homo proletarius de Marx. Ele não via o homem
como uma mera máquina material que trabalha, mas como um agente espiritual que
cria. Quando o primeiro homem uniu duas rodas em um eixo, ele não estava apenas
cumprindo uma tarefa trabalhosa. Ele estava realizando uma ação empreendedora.
O
trabalho por si só não gera riqueza. Apenas o trabalho produtivo gera riqueza.
O esforço de se levar um sorvete até a boca pode ser o mesmo de se levar um
sorvete até a testa. É a razão humana que empregará nosso trabalho em direção à
satisfação humana. O socialista que não entende essa distinção corre o risco de
empobrecer seus ouvintes e ainda desperdiçar um sorvete.
A
teoria econômica moderna ensina que o capital é mais que um substituto ao
trabalho. Apenas o capital enriquece o trabalho humano. Como escreveu Mises, "não há outra
maneira de fazer os salários subirem que não seja por meio do investimento em
mais capital por trabalhador. Mais
investimento em capital significa dar ao trabalhador ferramentas mais
eficientes."
O
trabalhador brasileiro ganha pouco porque falta capital para deixar seu
trabalho mais produtivo. Ou o morro se move até o capital, ou o capital se move
até o morro. Uma forma de resolver o problema é aumentar o número de
capitalistas, principalmente permitindo que mais pobres se tornem capitalistas.
Se ao desejar que o capitalismo coma na mão dela, a dona de um albergue no
Cantagalo aumenta o estoque de capital no morro, ela está de fato
aumentando a comida na mão de seus vizinhos.
O
trabalhismo do homo proletarius trata o trabalho mais como um
fim em si mesmo e menos como um meio para o consumo. Preocupados em dividir a
sociedade em classes antagônicas, seus defensores acreditam em tirar dos que
têm capacidade para dar para os que têm necessidade. Por isso, a capacitação
dos necessitados deve ser a prioridade, mesmo que esse progresso cause a
ascensão de uma nova burguesia de ex-pobres. Não queremos um partido apenas
para os trabalhadores, queremos um partido para todos os pobres, não importa o
tamanho de seus sonhos ou a classe de suas ambições.
O
velho socialismo quer os pobres de mãos abertas, prontas para a esmola
política, ou de mãos fechadas, prontas para a revolução violenta. O novo
capitalismo quer os pobres de mãos cheias, para poder consumir, produzir e
empreender.