Há quase duas semanas, o
Bundesbank (o Banco Central da Alemanha) surpreendeu os mercados de todo o
mundo ao
anunciar
que irá repatriar uma considerável porção de suas reservas de ouro que estão na
França e nos EUA. Para muitos, tal
anúncio, vindo do segundo maior detentor de ouro de todo o mundo, foi um sinal
de que está havendo uma crescente, embora ainda clandestina, desconfiança entre
os próprios bancos centrais, possivelmente estimulada por suas divergentes
políticas monetárias.
Os alemães fizeram de
tudo para arrefecer o alarmismo gerado por seu anúncio, enfatizando uma miríade
de razões logísticas, práticas e históricas que deveriam servir para mostrar
que seu anúncio, na verdade, era rotineiro.
No entanto, o tamanho, o escopo e o momento desta medida fazem com que
seja difícil não crer que haja outros motivos de cunho mais estratégico.
Sendo anunciada durante
uma época de suposta cooperação entre os bancos centrais de todo o mundo, a
decisão alemã de repatriar bilhões de dólares em barras de ouro estava fadada a
gerar algum susto. No momento, o Banco
Central alemão possui oficialmente 3.396 toneladas de ouro em seu
balancete. Deste valor, 1.500 toneladas
estão no Federal Reserve de Nova York e 374 toneladas estão em Paris. A Alemanha anunciou que irá
repatriar 674 toneladas de ouro — 300 do Fed de Nova York (avaliadas em
US$17,9 bilhões) e todas as 374 toneladas de Paris (avaliadas em US$22,3
bilhões).
Em tese, repatriar tal
volume de ouro deveria ser uma operação relativamente simples. De Paris, o ouro poderia ser transportado de
trem ou de caminhões para Frankfurt. Dos
EUA, utilizando alguns aviões militares ou navios. No entanto, tão logo o anúncio foi feito, o
Bundesbank afirmou que plano é fazer essa
repatriação aos poucos, ao longo dos próximos sete anos. Ou seja, as 674 toneladas de ouro só serão
totalmente reavidas em 2020. Trata-se de
um adiamento inexplicável. Em
específico, as 300 toneladas que estão no Fed de Nova York representam apenas 5%
das mais de 6.700 toneladas mantidas em seus cofres. É bastante esquisito que o Fed necessite de
tanto tempo para entregar algo que deveria ser uma retirada corriqueira e
manejável. Isso só confirmou as
suspeitas de que o ouro, na prática, não existe mais.
Paralelamente, junto com
a declaração do Bundesbank há um pdf
cujo slide número 14, sob o título "Armazenamento no Federal Reserve Bank de
Nova York", parece muito mais uma fotomontagem do que ouro genuíno. A óbvia intenção da foto é fazer acreditar
que aquele ouro é o estoque pertencente ao Bundesbank. Isso entrega todo o jogo: é tudo uma pura
manobra de relações públicas.
Embora alguns medalhões
financeiros, como o presidente do Fed Ben Bernanke, tenham dito que ouro "não é
dinheiro", e investidores respeitados como Warren Buffet tenham descrito o ouro
como uma "relíquia bárbara", qualquer anúncio envolvendo grandes movimentações
de ouro geram forte impacto emocional.
Tal reação é justificada?
Após a Segunda Guerra
Mundial, a ameaça de uma repentina invasão soviética convenceu várias nações
europeias ocidentais a diversificar a localização de seu portfólio de ouro,
enviando o metal particularmente para os EUA e o Reino Unido. Hoje, a Alemanha mantém apenas 31% de seu
estoque de ouro nos cofres do Bundesbank.
Do restante, 45% está no Federal Reserve Bank de Nova York, 11% está no
Banco Central da França (Banque de France) em Paris, e 13% está no Banco
Central da Inglaterra (Bank of England) em Londres. Mas agora que a ameaça
militar russa já se dissipou, os alemães corretamente reavaliaram a
conveniência dessa distribuição.
Durante décadas, os
bancos centrais mantiveram grande sigilo sobre seus estoques de ouro. Apesar disso, ainda hoje, são poucas as
pessoas que duvidam dos valores dos estoques publicados nos balancetes dos
bancos centrais. No entanto, quando o
assunto é a quem exatamente pertence o ouro mantido nos cofres dos bancos
centrais e de alguns bancos comerciais, as perguntas tornam-se bem mais sérias. Para o espanto de vários cidadãos alemães e
observadores internacionais, o Bundesbank admitiu alguns anos atrás que havia
décadas que ele não efetuava uma auditoria do seu estoque de ouro.
Os países desenvolvidos
adotaram uma forma de economia keynesiana que criou um mundo inundado de
dinheiro fiduciário desvalorizado, o qual está lastreado em uma aparentemente
insuportável montanha de dívida pública.
Em tal mundo, é compreensível que os cidadãos alemães sintam que o ouro
de seu país deveria estar em
casa. Tal sentimento
tem potencial para se espalhar. O partido
CDA
(Christen-Democratisch Appèl; Apelo Cristão-Democrático) da Holanda já pediu que
as 612 toneladas de ouro do país sejam repatriadas dos EUA, do Reino Unido e do
Canadá.
É legítimo imaginar se
tais sentimentos irão se espalhar e revelar que há uma escassez de ouro físico
naqueles cofres até então tidos como confiáveis. Adicionalmente, em um mundo em que a
confiança nos bancos centrais está desaparecendo rapidamente, os próprios
bancos centrais estão se tornando cada vez mais desconfiados uns dos outros.
Ao mesmo tempo, os bancos
centrais dos países em desenvolvimento, particularmente os da China e do
Sudeste Asiático, estão comprando e acumulando ouro velozmente, assim como
também o estão fazendo países como Rússia, Turquia e Ucrânia. A China já é hoje o maior produtor mundial de
ouro, mas ela não apenas retém toda a sua produção, como também compra ouro
continuamente no mercado aberto. Isso já
ocorreu até mesmo em momentos em que nenhum outro grande banco central estava
vendendo quantias significativas de ouro.
A desastrosa investida feita pelo Banco Central da Inglaterra no início
da década de 2000, quando ele vendeu centenas de toneladas de ouro a um preço
menor que $300 por onça, sem dúvida é um fator controlador.
A relutância dos bancos
centrais em abrir mão do ouro alheio que está sob sua custódia, fato esse que
foi apenas ressaltado pela repatriação exigida pela Alemanha, está em profundo
contraste com as políticas destes mesmos bancos centrais durante as décadas de
1970 e 1980, quando todos eles fizeram esforços de maneira concertada para
desmonetizar o ouro, algo que só podia ser feito por meio da venda efetiva de
grandes quantidades de ouro. Será que
esta mudança de postura reflete uma crescente e mútua desconfiança na moeda
fiduciária por parte de investidores sofisticados, que agora estão acumulando
ouro?
Mesmo a repatriação de
uma pequena fatia do ouro alemão, especialmente se tal medida for copiada por
outras nações como a Holanda, deve ser vista com grande preocupação. Hoje, nenhum banco central ousaria, sem
nenhum motivo, perturbar o equilíbrio de todo o sistema dos bancos centrais. Se o Bundesbank ousou fazer isso, então é
porque ele sabe de algo. À medida que as
economias keynesianas vão desandando rumo ao desastre financeiro, qualquer
aumento na repatriação do ouro dos bancos centrais é um indicativo de que há um
genuíno temor acometendo aqueles que detêm as verdadeiras informações
privilegiadas — os próprios bancos centrais.