segunda-feira, 5 nov 2012
Você sabia que se a maioria dos correntistas de
qualquer banco, por mais sólido que ele venha a ser, resolver sacar o dinheiro
de suas contas não haverá dinheiro suficiente nos cofres do banco? E que desde
1970 aconteceram 124 crises bancárias no mundo, sem contar a Islândia e a
Europa?
Os bancos comerciais, por receberem depósitos à
vista (que, juntamente com o papel-moeda e as moedas metálicas compõem o que os
economistas chamam de meios de pagamento
ou, simplesmente, moeda) são propagadores de crédito e multiplicadores da moeda
emitida pelos bancos centrais.
No sistema de reservas fracionárias acontece o
que Fernando Ulrich relata em seu artigo sobre o sistema bancário indicado como
leitura complementar a esta aula: "No entanto, no atual sistema bancário de
reservas fracionárias, os bancos normalmente não emprestam o dinheiro em
espécie que foi depositado. Eles, em vez
disso, criam uma nova conta-corrente (formada unicamente por dígitos
eletrônicos), cujo valor é então concedido como empréstimo. Desta forma, o balancete de um banco irá
mostrar um total de $200 na forma de depósitos em conta-corrente, sendo $100 em
dinheiro em espécie e $100 em empréstimos (com dinheiro exclusivamente
eletrônico). Portanto, o banco possui
50% de dinheiro em espécie (reservas) para honrar seu passivo de $200. Ele possui apenas uma "fração" como
reserva. Ao constatarem que os
correntistas raramente retiram seus fundos, os bancos se sentem confiantes para
expandir o crédito, concedendo empréstimos em quantias várias vezes superiores
ao dinheiro originalmente depositado.
Bancos, desta forma, criam dinheiro "ex nihilo". Ou, como descrito nos atuais livros-texto de
economia, eles multiplicam dinheiro.
Trata-se do "multiplicador monetário".
Prossegue Ulrich, em linguagem simples, em seu
esclarecedor artigo: "Portanto, por meio da prática de reservas fracionárias,
os bancos podem emitir passivos de curto prazo ao mesmo tempo em que mantêm
apenas uma pequena fração de ativos líquidos de curto prazo, sendo que a vasta
maioria dos ativos está na forma de investimentos de longo prazo. Ao longo da história, a maioria dos bancos
mostrou-se incapaz de sobreviver durante muito tempo seguindo esta prática,
dado que eles simplesmente não eram capazes de restituir todo o seu passivo em
espécie (no passado, ouro; no presente, cédulas criadas pelo banco
central). A criação de um banco central
foi a consequência lógica desse arranjo, uma criação com o objetivo de remediar
essa falha".
Até a primeira guerra mundial os governos
estavam restritos em sua capacidade de emitir moeda, porque vigia o sistema de
lastro ouro, em que eles só podiam emitir caso houvesse um aumento nas suas
reservas de ouro. Com o final daquela guerra, os governos no mundo inteiro
abandonaram o lastro ouro, que ficou restrito apenas aos Estados Unidos. Mas em
15 de agosto de 1971, no governo Nixon, os Estados Unidos abandonaram o padrão
ouro.
Esse abandono de um lastro foi muito ruim porque
provocou inflação em todos os países. Para você ter uma ideia de como isso foi
ruim, saiba que o Federal Reserve (o Fed — Banco Central
americano) foi criado em 1913 e que um dólar do ano de 1800 equivalia a um
dólar de 1913, mas que um dólar atual vale 0,03 de um dólar de 1913! Você não acha que existe algo de errado com o
Fed e os bancos centrais em geral?
E no Brasil, as coisas
foram diferentes? A verdade é que foram muito piores! Veja só que coisa
espantosa: nosso Banco Central foi criado pelo decreto 4.595, de 31 de dezembro
de 1964. A moeda que circulava na época era o cruzeiro, criado em 1942. O
cruzeiro novo foi implantado no dia 13 de fevereiro de 1967. O cruzeiro, padrão
monetário desde 1942, perdia três zeros e se transformava em cruzeiro novo.
Portanto, 1 cruzeiro = 0,001 cruzeiro novo.
O cruzeiro substituiu
o cruzeiro novo em 15 de Maio de 1970, sendo que um cruzeiro valia um cruzeiro
novo. Durou até 27 de fevereiro de 1986.
O cruzado é
proveniente do Plano Cruzado, implantado pelo governo Sarney. A partir do dia
28 de Fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado.
Para implantar o cruzado o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e
100 mil cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. Portanto, 1 cruzeiro de
1986 passou a valer 0,001 cruzado, ou
seja, 1 cruzeiro de 1964, quando nosso Banco Central foi criado, equivalia a
0,000001 cruzados.
Mas a farra não ficou
nisso: o cruzado novo entrou em circulação no dia 15 de janeiro de 1989, na
segunda reforma monetária do presidente José Sarney. A nova moeda substituía o
cruzado, sendo que 1 cruzado novo valia 1000 cruzados, o que significa que 1
cruzeiro de 1964 equivalia agora a 0,000000001 cruzados novos.
O cruzeiro foi
reintroduzido como padrão monetário em substituição ao cruzado novo, como parte
do "Plano Collor", em março de 1990, sem ocorrer a perda de três
zeros. Então, 1 cruzeiro de 1964 equivalia agora a 0,000000001 cruzeiros de
1989.
O cruzeiro real foi
implantado no 1º de Agosto de 1993, substituindo o cruzeiro, sendo 1
cruzeiro real equivalente a 1.000 cruzeiros de 1991. Isso significa que 1
cruzeiro de 1964 passava a valer agora 0,000000000001 cruzeiros reais de 1989!
Mas você pensa que a
farra acabou aí? Nada disso! O Real foi lançado em 01/07/1994, pelo Plano Real, no governo
Itamar Franco. Primeiramente foi estabelecido um índice paralelo para efeito de
transição, a Unidade Referencial de Valor (URV). A conversão de cruzeiros
reais, para reais foi feita mediante a divisão do valor em cruzeiros reais pelo
valor da URV naquela data, que era de CR$2.750,00. Então, um real vale 2.750
cruzeiros reais, ou seja, para encerrar a conversa, 1 cruzeiro de 1964, quando
nosso glorioso Banco Central foi criado, equivale a 0,000000000 divididos por
2.750!
Não se assuste, porque
a coisa é ainda pior: não consideramos a inflação que aconteceu entre 1964 e
1994, consideramos apenas as mudanças de moeda, senão ainda teríamos que
dividir esse último número pela inflação que se verificou naqueles 30 anos, que
foi uma das maiores do mundo! Literalmente, desde que foi criado, o Banco
Central do Brasil nada mais fez do que destruir a nossa moeda!
E por que é muito
importante que não ocorram distúrbios na quantidade de moeda? A resposta dos
austríacos é que os ciclos econômicos, vale dizer, a inflação e o desemprego
são provocados exatamente por manipulações artificiais na moeda e no crédito.
A ideia central da
Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) é que, quando ocorre uma expansão
do crédito bancário, supondo que as expectativas quanto à inflação futura não
existam, as taxas de juros, inicialmente, caem, mantendo-se abaixo dos níveis
que alcançariam se o crédito não tivesse aumentado. O efeito disso é que,
necessariamente, os padrões de gastos sofrerão alterações: os gastos de
investimentos subirão relativamente aos gastos de consumo corrente e às
poupanças. Portanto, a expansão monetária, necessariamente, provoca uma ausência
de coordenação entre os planos de poupança e de investimento do setor privado.
Esse impacto descoordenador da política monetária é essencial na visão
austríaca, mas não é levado em conta pela teoria macroeconômica convencional.
Ora, a política
monetária, ao alterar os preços relativos, modifica os sinais emitidos pelos
preços. No caso de uma expansão monetária, estes sinais apontam para a redução
dos lucros das empresas que produzem para consumo corrente e para o aumento dos
lucros da produção de bens para consumo futuro. Alteram-se, portanto, as taxas
de retorno sobre as várias combinações de capital. Os retornos nos estágios de
produção mais próximos do consumo caem, enquanto crescem os retornos nos
estágios de produção mais afastados do consumo; recursos não específicos
deslocam-se dos primeiros para os segundos; vai diminuindo a produção de bens
de consumo, ao mesmo tempo em que os padrões de produção de bens de capital vão
sofrendo alterações, passando-se a produzir bens que se adaptem a estruturas de
produção que abarquem mais estágios do que anteriormente. Para que esses
investimentos se completem até o estágio dos bens de consumo final, deverão ser
subtraídos mais recursos do consumo, o que significa que a produção de bens de
ordens mais baixas deverá manter-se em queda, até que a nova estrutura de
produção se complete.
O processo descrito se
reverte por ele mesmo: na medida em que as rendas dos donos dos fatores de
produção aumentam (em decorrência da expansão monetária), cresce a demanda por
bens de consumo, o que faz com que os preços desses bens, relativamente aos
preços dos bens mais afastados do consumo, aumentem. Reverte-se, desta forma, o
processo: caem os retornos nos estágios mais afastados do consumo final,
enquanto sobem os retornos nos estágios mais próximos do consumo final;
recursos não específicos fazem o caminho de volta; os bens de capital, que
haviam sido dimensionados para a estrutura de produção anterior, têm agora que
ser redimensionados para uma estrutura menos intensiva em capital; surgirão
perdas e desemprego, que serão mais fortes nos setores que anteriormente haviam
se expandido mais e que, agora, se defrontam com superproduções.
O professor
Ubiratan Iorio irá inaugurar a sessão de cursos on-line do Instituto
Mises Brasil no dia 7 de novembro com a palestra "Por que estudar a Escola Austríaca". Não fique de fora, inscreva-se já. |
As perdas e o
desemprego gerados nada mais são do que a contrapartida das alocações perversas
de recursos geradas pela expansão monetária. Ou seja, expansão monetária e
recessão são inseparáveis!
Para a Escola
Austríaca, então, a crise que vem se abatendo sobre os Estados Unidos, a Europa
e que se espalha por todo o mundo foi provocada por uma combinação malévola de:
bancos centrais fixando as taxas de juros em níveis absurdamente baixos, na
tentativa errada de manter as economias em crescimento; gastos irresponsáveis
dos governos, que acabaram provocando dívidas públicas espantosamente elevadas.
Infelizmente, os governos vêm "combatendo" essa crise da pior forma possível,
com os bancos centrais mantendo as taxas de juros próximas de zero e os governos
ampliando consideravelmente os seus gastos. Para os austríacos — e toda a
experiência de mais de um século mostra que eles estão com a razão — essas
medidas só servirão para alimentar mais a crise.
Sugestões de leitura:
Hayek,
Friedrich von, Desemprego e política monetária
Hayek,
Friedrich von, Desestatização do Dinheiro
Mueller,
Antony, Políticas de metas de inflação
são a causa dos problemas, e não a solução
Schiff,
Peter, O que é o dinheiro, como ele surge e como deve ser gerenciado
Bagus,
Philip, A origem do dinheiro e o
trágico caminho até o euro,
Ulrich,
Fernando, O dilema do sistema bancário e
as regras da Basileia
Roque,
Leandro, O sistema bancário
brasileiro e seus detalhes quase nunca mencionados
Shostak,
Frank, A definição popular de
inflação impede a adoção de políticas sensatas
Garrison, Roger, Os triângulos hayekianos e a estrutura do capital
Sugestões para reflexão e debate:
1. Por que dizemos que o sistema de preços emite
"sinais" para os participantes dos mercados?
2. Geralmente, se compromete a comprar desses
produtores o produto ao preço tabelado. Quem perde sempre com essas políticas
(que são muito comuns na agricultura)?