quinta-feira, 24 nov 2011
Como
diz um velho ditado, quanto mais dispendiosa for a sua demissão, mais
dispendiosa será a sua contratação. No
momento, em poucos lugares do mundo isso é tão explícito quanto na Europa.
Mesmo
com os Estados Unidos tendo prolongado a duração de seu seguro-desemprego em
decorrência da crise, os benefícios concedidos a um desempregado americano são
insignificantes se comparados aos majestosos benefícios concedidos a um
desempregado europeu. Ao ficar
desempregado, um francês médio pode esperar receber um seguro-desemprego de
mais da metade de seu salário. Vários
trabalhadores europeus recebem tais benefícios por um período que vai de dois a
três anos após sua demissão, sendo que alguns países estendem tais benefícios
indefinidamente.
A
duração do desemprego, consequentemente, é artificialmente prolongada no
continente europeu. Leis rigorosas
relacionadas à separação entre empregados e suas empresas (uma maneira mais
requintada de dizer "você está demitido") reduzem a taxa de demissão nestes
países. Infelizmente, no entanto, estas
mesmas leis também reduzem a taxa de contratação, o que resulta em um evidente
e prolongado período de desemprego.
Durante
os anos da expansão econômica artificial, esse problema das massas
desempregadas era visto como apenas uma desventurada porém inevitável
consequência de um bem desenvolvido sistema de bem-estar social. Mas não incomodava. Os cofres dos governos estavam cheios e
prontos para pagar os robustos benefícios.
Agora, no entanto, a situação mudou.
Com a intensificação da crise europeia, este lamentável efeito colateral
vai crescentemente assumindo ares de uma inevitável batida de trens: à medida
que os déficits dos governos vão se alargando, os gastos assistencialistas vão
pressionando ainda mais as já totalmente esfrangalhadas finanças
governamentais.
Uma
redução dos benefícios pode ser algo deplorável para aqueles que dependem
deles, mas tais cortes são inevitáveis.
Alguns países já decretaram medidas para tentar fazer com que estes
insustentáveis sistemas fiquem um pouco mais próximos da sustentabilidade. A idade de aposentadoria foi ampliada com o
intuito de reduzir os gastos previdenciários, e os seguros-desemprego estão
sendo cortados. As pessoas estão
reagindo com manifestações, tentando manter o padrão de vida com o qual se
acostumaram ao longo das últimas décadas.
Infelizmente, nem tudo que é desejável é exequível — e o luxuoso
sistema de bem-estar social europeu é um bom exemplo disso.
Felizmente,
há um raio de esperança. Na maioria dos
países europeus, e principalmente naqueles países periféricos, os mais afetados
pela crise, existe uma enorme economia informal — cujo termo mais apropriado
seria economia subterrânea. Embora a
taxa de desemprego oficial da Espanha esteja estabilizada ao redor dos 20%, uma
substancial fatia desses trabalhadores estão na realidade empregados, só que
fora das estatísticas oficiais do governo.
Como resumi em uma nova coleção que editei, Institutions
in Crisis: European Perspectives on the Recession (Instituições em crise: perspectivas
europeias para a recessão), as economias subterrâneas dos países
periféricos da Europa fornecem amplas (embora nem sempre desejáveis)
oportunidade de emprego.
Enquanto
a economia grega possui o mais amplo setor informal, estimado em 25,2% do PIB,
os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) em geral possuem, na média, 21,7%
de sua atividade econômica fora das estatísticas oficiais. A título de comparação, estima-se que, na
Alemanha, 14,7% da produção esteja confinada à economia subterrânea, a passo
que, nos EUA, este valor é estimado em 7,8%.
[Para o Brasil, de acordo com a
FGV, a economia informal corresponde a 18,6%
do PIB, o que significa que ela ultrapassou os R$ 650 bilhões em 2010. Curiosamente, em 2008, a mesma FGV apontava o
setor informal como estando em torno de 20% a 30% do PIB.]
Se
uma massa substancial de trabalhadores oficialmente desempregados pode tirar
algum consolo em saber que existe um amplo espaço subterrâneo para seus
esforços, seria interessante delinearmos os motivos de essa opção informal
existir. Hans
Sennholz, em sua obra The
Underground Economy (A
economia subterrânea), lista as quatro principais categorias que compõem a
atividade econômica subterrânea:
- aquela fatia da população que sonega impostos,
- aquela fatia da população que viola leis ou normas de
produção,
- aquela fatia da população composta por beneficiários de
programas governamentais que não podem, enquanto estiverem recebendo
transferências de renda, participar de atividades pecuniárias (pessoas
inscritas em programas assistencialistas, por exmplo), e
- aquela fatia da população composta por imigrantes
ilegais.
Embora
muitas pessoas imaginem que a economia subterrânea consiste unicamente de
sonegadores e traficantes, vemos que apenas duas das categorias acima enquadram
estes grupos. Isso não significa que os
trabalhadores subterrâneos nas outras categorias também não paguem impostos ou
não vendam substâncias tidas como ilícitas pelo governo. Significa, isso sim, que o principal motivo
de seu envolvimento na economia subterrânea — ou, o que dá no mesmo, sua saída
da economia oficial — não é nenhuma destas razões; isto é, eles não se
"informalizaram" apenas porque queriam sonegar ou traficar entorpecentes.
As
economias subterrâneas da Europa se expandiram acentuadamente nos últimos 30
anos, especialmente desde que a crise começou.
De certa maneira, o crescimento do emprego informal é uma reação
empreendedorial a um mercado de trabalho desnecessariamente rígido e a um
ambiente de negócios excessivamente regulamentado. Evidências sugerem que o setor industrial de
pelos menos dois dos principais culpados pela crise se beneficiou dessa
expansão da economia subterrânea. O crescimento
do emprego informal permitiu que empresas italianas e espanholas pudessem
expandir e contrair sua produção mais facilmente — isto é, pudessem
"contratar" e "demitir" mais rapidamente —, o que possibilitou que elas se
adaptassem melhor às demandas de mercado.
Há
uma crescente ênfase política na necessidade de se reintegrar a economia
subterrânea à economia oficial, principalmente em economias que estão em crise.
O método mais costumeiramente defendido envolve
auditorias fiscais mais frequentes e multas mais pesadas, tudo para "incentivar"
os empresários a declarar sua receita integral às autoridades. O problema com essa "solução" é que ela
ignora o motivo essencial de a economia subterrânea existir — e ignora também o
fato de que sua implementação poderia expandir ainda mais a informalidade.
Empreendedores
operam na informalidade por dois motivos fundamentais: os impostos não permitem
que as transações oficiais sejam lucrativas e as regulamentações as tornam
impraticáveis. Ameaças de aumentar o
valor monetário das multas não ajuda em nada a aliviar o primeiro motivo, ao
passo que somente uma redução no emaranhado burocrático de regras e
regulamentações irá aliviar o segundo.
Um
aumento nas multas e nas auditorias irá indubitavelmente reduzir a amplitude da
economia subterrânea. Afinal, os empreendedores,
mesmo os informais, irão reagir a este aumento nos custos e nos riscos
reduzindo a abrangência de suas atividades.
Essa redução, no entanto, não irá se traduzir em um aumento da atividade
no mercado formal. Apenas se o fardo
regulatório e tributário sobre os empreendedores for reduzido é que eles
tornar-se-ão mais dispostos a operar na economia formal.
Em
vez de encarar as economias subterrâneas como fenômenos indesejados que devem
ser abolidos, as autoridades políticas fariam um enorme bem para todos caso
começassem a vê-las como aquilo que realmente são: um importante sinal de que
suas tradicionais políticas intervencionistas fracassaram abismalmente. Se uma pessoa considera que economias
subterrâneas são algo inerentemente ruim, então, por uma questão de lógica, ela
também deve considerar as políticas que geraram sua existência como algo
inerentemente ruim e que deve ser abolido.