quarta-feira, 21 set 2011
Semana
passada foi uma semana turbulenta para os mercados financeiros. Esta promete ser igualmente excitante. Na sexta-feira passada, os nervos só foram
acalmados quando houve mais uma rodada de injeção de liquidez orquestrada pelos
bancos centrais — desta vez, a oferta de dólares criados pelo Fed foi
canalizada para outros bancos centrais, sendo o Banco Central Europeu o
principal deles.
Novamente,
temos aí mais um exemplo de buscar não a solução da doença, mas sim um mero
paliativo para seus sintomas. Injetar
cada vez mais moeda fiduciária no sistema com o intuito de evitar — ou melhor,
de adiar — uma urgentemente necessária reestruturação das economias (as quais
foram desestruturadas justamente por expansões monetárias anteriores)
obviamente não irá resolver o mal-estar fundamental.
Já
estamos com quase quatro anos de crise e os bancos ainda precisam de
financiamentos de emergência. Trata-se
de uma comprovação sumária de que a estrutura financeira mundial está longe de
ser sustentável.
Não é um problema europeu
A
crise da dívida do euro não é especificamente um problema europeu, mas sim a
versão europeia de um problema global.
Décadas de expansão constante da oferta monetária criaram uma economia
global altamente distorcida e uma infraestrutura financeira inchada e excessivamente
endividada. Os problemas fundamentais
são hoje os mesmos em todo o mundo: bancos debilitados, dívidas em excesso —
principalmente a dívida pública, em crescimento irrefreável — e uma total
dependência de (diria até se tratar de um desejo compulsivo por) crédito
barato.
Como
explico em detalhes em meu livro Paper Money Collapse -
The Folly of Elastic Money and the Coming Monetary Breakdown, a
atual e persistente expansão da oferta monetária tem inevitavelmente de
distorcer e desequilibrar o processo de mercado, levar a distorções nos preços
relativos, fazer com que o capital seja alocado de maneira errônea e
insustentável, e gerar um grande acúmulo de desequilíbrios econômicos. A maioria dos observadores ignora estes
efeitos. Eles apenas veem o estímulo de
curto prazo gerado por novas injeções monetárias e daí concluem que isso
significa crescimento econômico. Quando
não é isso, demonstram preocupações passageiras com o nível de preços. Uma maior inflação de preços é o único efeito
negativo oriundo da criação de dinheiro que eles conseguem compreender. Trata-se de um grave erro intelectual.
O
principal defeito do atual sistema monetário, no qual a oferta monetária
fiduciária é expandida constantemente — algo que só passou a existir no atual
formato em 1971, quando os últimos elos do dinheiro com o ouro foram cortados
—, é que aqueles que estão no comando das impressoras de dinheiro sempre se
sentem tentados a impedir processos de liquidação e correção e a estimular o
sistema a todo custo, injetando mais dinheiro nas reservas bancárias, reduzindo
artificialmente as taxas de juros e estimulando mais endividamentos. É verdade que isso vem ocorrendo há décadas;
porém, ao que tudo indica, chegamos ao ponto de saturação.
Calote — doloroso, sim. Necessário? — Definitivamente
Um
calote da Grécia hoje parece algo bastante provável. E isso é bastante positivo. É positivo porque sinaliza uma mudança de
rumo em direção ao encolhimento — em direção a dívidas menores, a um estado
grego menor, e a uma importante lição para os bancos: jamais pensem que
emprestar para governos é algo sem risco!
A
exposição dos bancos europeus às dívidas soberanas dos países europeus é
estonteante. Trata-se de um bom
indicador do quão severamente distorcido e corrupto é o atual sistema
financeiro. Isso não tem nada a ver com
capitalismo. Isso não tem nada a ver com
livre mercado. Toda essa farsa serve
apenas para dar ao 'capitalismo' uma má reputação. Quanto mais cedo tudo isso acabar, melhor.
Com
a ajuda dos bancos centrais (os "emprestadores de última instância") e sob a
implícita e explícita proteção estatal, o sistema bancário incorreu, por meio
de seu sistema de reservas fracionárias, em uma expansão de dinheiro e crédito
em uma escala sem precedentes — com vários desses empréstimos sendo, por sua
vez, estendidos aos generosos protetores dos bancos: os governos. Emprestar a mutuários soberanos costumava ser
um negócio, que embora trouxesse baixos retornos, supostamente seguro — e
muito lucrativo quando feito em grandes volumes. Você pode emprestar 5 milhões para uma
empresa capitalista instável e cobrar uma taxa de juros pesada, ou você pode
emprestar para 5 bilhões para o
estado a uma taxa mais baixa. O que
poderia dar errado?
Voltemos
à Grécia. O calote é agora uma grande
probabilidade e isso seria um ótimo acontecimento. Não estou sendo leviano quanto ao sofrimento
que isso trará para muitos indivíduos.
Definitivamente haverá atribulações, privações e muitas outras
dificuldades. Porém, qual a alternativa? A situação simplesmente está além de qualquer
chance de reparo. O estado grego
conseguiu se colocar em uma posição insustentável. E ele não está sozinho nessa — mas
provavelmente é o primeiro da fila.
O
calote não é o fim do mundo. O calote
envolve o reconhecimento do devedor de que ele se endividou excessivamente e o
reconhecimento do credor de que ele emprestou excessivamente. Ambos sofrem perdas.
Sem socorro
Um
pacote de socorro completo para a Grécia parece já ter deixado de ser uma
opção. Os alemães não estão dispostos a
bancar a farra — e, sejamos realistas, eles não têm o dinheiro para tal,
contrariamente à caricatura feita pela mídia, que dá a entender que a Alemanha
é uma usina de força econômica com recursos ilimitados. É claro que o governo alemão pode tomar
dinheiro emprestado a uma taxa de juros menor do que qualquer outro governo da
região, mas isso criaria um precedente perigoso: Itália e Espanha seriam os
próximos países da fila com o chapéu na mão.
O
maior risco para o euro não é um calote da Grécia, mas sim os mercados
financeiros acordarem para um panorama de longo prazo bastante sombrio: a
solvência dos dois principais países da região, Alemanha e França. Essa bizarra disposição dos mercados em
continuar tratando os títulos da dívida alemã (e, por sinal, os títulos
americanos) como ativos absolutamente seguros é uma daquelas facetas da crise
que parecem surreais e insustentáveis, mas que ao menos até agora têm permitido
que o sistema se mantenha funcionando.
Tropegamente, mas funcionando. Os
alemães não fariam bem a ninguém caso arriscassem a reputação de porto seguro
de que seus títulos gozam no mercado financeiro — por mais infundada que tal
reputação possa parecer quando se faz uma análise mais detalhada. No momento em que o mercado começar a crer
que os dois principais países da zona do euro estão com problemas, o euro
ficará com problemas.
Também
parece improvável que o Banco Central Europeu venha a salvar a Grécia. Ainda assim, uma monetização em larga escala
da dívida — com desastrosas consequências para o euro — continua parecendo
algo bastante provável. Tal medida, para
mim, representa o maior dos riscos. No
caso, refiro-me ao que ocorreria caso houvesse um calote: os bancos reduziriam
seus balancetes e isso geraria uma contração do crédito, a qual não seria
permitida por motivos políticos, uma vez que o impacto de curto prazo sobre o
crescimento e o emprego seria considerado inaceitável. Daí a monetização.
E
como o sistema irá — cedo ou tarde — se contrair, isso poderá desencadear uma
maciça expansão monetária comandada pelos bancos centrais. Mas creio que isso ainda não irá acontecer
por agora — não para a Grécia.
O euro não irá se esfacelar por causa da
Grécia
A
ideia de que a Grécia teria de sair do euro não faz absolutamente nenhum
sentido para mim. Não vejo nenhum motivo
para isso. A Grécia deveria dar o calote
— com efeito, os gregos deveriam simplesmente parar de pagar sua dívida — e a
dívida deveria ser reestruturada. Nada
disso tem algo a ver com o euro.
A
Califórnia, por exemplo, está completamente endividada, assim como o
Illinois. E se ambos dessem o
calote? Veja bem que este é um cenário
que dificilmente pode ser considerado improvável. Será que tal medida significaria que estes
estados teriam de se retirar dos Estados Unidos? Ou que eles teriam de começar a emitir sua
própria moeda? Um americano comum
retiraria os dólares que possui em uma conta bancária em Nova York só porque um
destes estados declarou falência?
Enquanto as outras pessoas estiverem aceitando dólares ou euros em troca
de bens e serviços, é totalmente desimportante o quão solvente sejam as
finanças do estado ou sob qual jurisdição o dinheiro foi emitido.
Dólar
e euro são dinheiro fiduciário, pedaços de papel irredimíveis, que não podem
ser trocados por nenhum outro instrumento de pagamento, pois já representam a
forma de pagamento final. Tais moedas
não constituem um título de reivindicação sobre ativos do estado. Elas não são dívida.
A
eurocracia teme o calote grego não porque isso poderia significar o fim do euro
(não poderia), mas por causa do que isso significaria para os bancos na zona do
euro (e, consequentemente, para os prognósticos do crescimento de curto prazo)
e do que isso significaria para a percepção do mercado quanto aos outros países
soberanos, em particular a Itália e a Espanha, os pesos pesados.
É
claro que os bancos sofrerão enormes perdas em decorrência de um calote da
Grécia. Isso seria uma oportunidade para
permitir que o setor encolhesse.
Trata-se de algo urgentemente necessário, mas que a eurocracia não quer
de modo algum. Qualquer coisa que
envolva outra recessão é considerada inaceitável.
Apos
a maciça expansão creditícia que terminou em 2007, os bancos estão inchados
demais. Eles não deveriam ser
recapitalizados, mas sim encolhidos.
Infelizmente, não deixarão que isso ocorra.
Para
os políticos alemães e franceses, será mais fácil socorrer seus próprios bancos
do que socorrer a Grécia. E para o BCE,
será mais imprimir dinheiro para manter os bancos vivos e impedir que eles
encolham do que impedir que a Grécia dê o calote.
Assim,
vamos ter alguma liquidação (a dívida grega), mas também teremos algumas
re-liquefações (os grandes bancos). Não
será o fim do euro, mas também não será o fim da crise financeira.
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